O fim do mundo é um tema recorrente em diversos filmes. No geral, estes são mais voltados para a ficção científica e a ação, apresentando enormes calamidades e destruição generalizada. Em outros casos, apela-se para a comédia como forma ou de satirizar a ideia de que o mundo vai acabar ou promover uma reflexão através do humor ácido. A Última Noite se estabelece mais nesse segundo exemplo, embora puxe sua trama mais para uma comédia dramática do que, necessariamente, para um enredo de sátira ou de humor escancarado.
A história acompanha o casal Nell (Keira Knightley) e Simon (Matthew Goode), que, junto com seus três filhos, se preparam para reunir seus melhores amigos para uma celebração de Natal. Essa, no entanto, será a última que eles irão desfrutar, pois uma grande nuvem de toxinas mortais está varrendo o mundo e se aproxima de sua casa. Para evitar a morte terrível que a nuvem reserva, Nell e Simon fizeram um pacto com seus amigos de, antes de a calamidade os atingir, eles tomariam pílulas fornecidas pelo governo que lhes proporcionariam uma morte menos dolorosa.
É algo bastante inusitado o que o filme tenta fazer, unindo duas coisas que, no geral, não combinam: Natal e calamidade. Apesar da época em que está para ser lançado, A Última Noite definitivamente não é o seu típico filme natalino, apesar de possuir alguns traços desse gênero, como a celebração em grupo, os diversos e diferentes desentendimentos que os personagens têm entre si, a festividade e o drama que cresce conforme a noite passa. Todos esses aspectos, no entanto, possuem um valor diferente nessa trama diante do peso que esta ocasião carrega, sendo a última que eles irão vivenciar.
Assim sendo, o filme passa por todos os estereótipos de um filme natalino, arrancando até algumas risadas em diversos momentos. O clima dentro da casa, no entanto, é sempre bastante sombrio diante da aproximação do fim inevitável. E o filme, tendo consciência disso, não evita momentos bastante dramáticos, de tensão e até mesmo de leve terror diante da realidade de sua história. Curiosamente, apesar de ser considerado uma comédia, A Última Noite é um filme que tem muito mais facilidade em provocar lágrimas do que risos, enquanto navega pela maneira como esse grupo de amigos e parentes se preparam para seu fim inevitável, cada um reagindo de maneiras diferentes, esclarecendo seus próprios problemas e pontos de vista e trazendo à tona mágoas e problemas que eles não mais se importam em guardar.
Mesmo com um equilíbrio interessante entre momentos leves, situações tragicamente cômicas e outras extremamente pesadas, o filme tende a se concentrar mais no seu lado dramático, explorando a visão de cada membro do grupo diante da forma como todos encontrarão o seu fim. De discussões sobre o que poderia ter sido feito para evitar a catástrofe, até a crueldade de não se oferecer a mesma saída para todas as pessoas na Terra e se todos na casa irão aceitar tomar a pílula. E enquanto essas discussões acontecem, todos tentam manter um clima agradável, como se fosse realmente uma celebração, mais para evitar mergulhar na depressão e no catastrofismo do que para tentar criar uma ilusão quanto ás suas chances. Knightley e Goode fazem um excelente papel como os anfitriões, tentando a todo o custo manter sua família unida e preservar esse "espírito natalino" até o fim, enquanto disfarçam o seu próprio medo pela situação.
Mas a estrela do filme é certamente Roman Griffin Davies, que interpreta o filho de Nell e Simon, a pessoa que mais se informa sobre os acontecimentos e que mais odeia a hipocrisia do mundo de fornecer uma saída para alguns e deixar os outros no sofrimento. O jovem ator dá a seu personagem um ar bastante explosivo e presente e, ao mesmo tempo, consciente de tudo o que está se passando e determinado a não deixar que a "celebração" o cegue para a realidade.
Em sua mensagem, A Última Noite possui uma dicotomia interessante. Ao mesmo tempo em que possui esse lado sombrio sobre o fim do mundo e de como não é possível disfarçar o sofrimento e o medo nessa situação, também existe uma certa atenção à ideia de amor e perdão. Por essa mensagem é que este filme acaba se tornando um tipo bastante único de filme natalino. Sua mistura de tragédia, horror e comédia reflexiva se une à ideia de que, seja lá o que nos tiver sido feito, existe um tempo para perdoar, mas que esse perdão não necessariamente tornará tudo mais fácil ou melhorará uma situação ruim. Porque, mesmo com todos os perdões e desejos de melhoras e amizades, ainda assim é do fim do mundo que estamos falando. Pode-se deixar tudo mais leve, mas não se pode mudar o ocorrido.
E é com esse olhar um tanto sombrio e melancólico que o filme chega ao seu ponto de maior reflexão: é preciso fazer alguma coisa enquanto se ainda há tempo, não apenas aceitar o que dizem para você que é o melhor.
A Última Noite não é o seu filme natalino típico, mas é uma escolha interessante que chega aos cinemas no dia 23 de dezembro. Confira!