Lançada em 2013, a série Agents of S.H.I.E.L.D. incorporou uma primeira exploração do MCU dentro do mundo das séries. Iniciando logo após os eventos do primeiro filme dos Vingadores, a série traz o Agente Coulson (Clark Gregg) de volta dos mortos para liderar uma equipe especial em missões secretas sem o conhecimento dos heróis e de muitos dos agentes da organização. A premissa era bastante interessante, pois colocava uma série de personagens secundários do Universo Marvel em um papel central e criava aventuras para eles que ocorriam em paralelo aos eventos dos filmes, sendo afetados por eles sem, contudo, afetá-los em grande escala.
Mesmo com alguns furos e momentos não tão interessantes, Agents of S.H.I.E.L.D. sustentou um bom número de fãs ao longo das suas sete temporadas, sendo uma das séries mais bem sucedidas da Marvel, mesmo que nunca tenha entrado oficialmente como parte do MCU. E isso sempre foi algo estranho a respeito da série: a maneira como ela fala sobre grandes eventos dos filmes, mas nunca os aborda como algo que afeta definitivamente seus personagens (salvo algumas raras exceções), além de introduzir diversos temas, grupos e personagens que nunca são exibidos dentro do MCU e permanecem fora dele por completo. É uma situação que se torna ainda mais estranha nos dias de hoje, quando as novas séries não só fazem menção direta aos acontecimentos dos filmes e são afetadas por eles, mas também são vitais para o entendimento de produções futuras.
Mas mesmo que a forma como a série foi tratada seja estranha, ainda assim não de todo um erro. Em um cenário onde cada produção do Universo Marvel é incapaz de ser independente do resto do universo, forçando os fãs a encontrarem meios de assistir a tudo o que é produzido e a prestar atenção em tudo o que é feito pelos personagens, novos e velhos, a relativa independência dessa série mais antiga se torna benéfica por proporcionar um conteúdo dentro do MCU que fãs podem assistir sem se preocupar em captar todas as formas como ele pode influenciar o andamento do universo.
AFINAL DE CONTAS, O QUÃO DENTRO DO MCU A SÉRIE ESTÁ?
Como já disse, o principal estranhamento que Agents of S.H.I.E.L.D. pode causar nos fãs é o fato de que a série ao mesmo tempo está e não está no MCU.
Por um lado, é uma série que deriva diretamente dos filmes, traz personagens conhecidos e aborda acontecimentos dos filmes a todo o momento. Por conta disso, existem vários momentos que fazem referência aos filmes e mostram eventos sob um novo olhar. O melhor exemplo disso é durante a primeira temporada, quando a queda da S.H.I.E.L.D. reflete os acontecimentos de Capitão América: O Soldado Invernal, mas tratando o ocorrido partindo do olhar de agentes da própria S.H.I.E.L.D., sua reação ao ocorrido e a forma como eles combateram os agentes da HYDRA naquele momento. Outro exemplo é o projeto secreto que Coulson omite de todos os seus agentes na segunda temporada, e que acaba se revelando como o porta-aviões voador que salva os heróis em Vingadores: Era de Ultron.
Esses são exemplos de como a série faz referências aos acontecimentos dos filmes em sua tentativa de permanecer dentro do Universo. Ao mesmo tempo, no entanto, seus eventos parecem sempre pouco afetados pelos acontecimentos gigantescos dos filmes. Já mencionei como um segredo da segunda temporada se tornou uma peça do clímax de Era de Ultron, mas ao mesmo tempo a destruição de Sokovia no mesmo filme não surtiu quase nenhum efeito na série, não alterou em nada os personagens e não provocou mudanças no seu modo de agir. E o mesmo vale para outros momentos do MCU: em seu decorrer, a série menciona os eventos de Thor: Mundo Sombrio, o vírus Extremis (Homem de Ferro 3), os Acordos de Sokovia (Capitão América: Guerra Civil) e até mesmo o estalar de Thanos, mas nenhum desses eventos passa de uma menção na série.
Não só isso, mas os eventos da própria série parecem não ter efeito algum sobre o MCU. E não estamos falando de eventos pequenos, visto que a série já tratou da batalha secreta entre S.H.I.E.L.D. e HYDRA, as constantes incursões dos Kree na Terra e até mesmo os Inumanos, que possuem uma importância enorme em diversas temporadas da série, mas que nunca são reconhecidos nos filmes. Existe até mesmo um momento na quinta temporada em que o general Glenn Talbot (Adrian Pasdar), usando seus recém-adquiridos poderes sobre a gravidade, está prestes a rachar a Terra ao meio, quando entra em um conflito contra Daisy Johnson, a Tremor (Chloe Bennet), e você quer me dizer que nem os Vingadores, nem os magos de Kamar-Taj, nem ninguém achou uma boa ideia investigar e averiguar a existência dessas duas criaturas tão poderosas?
Vistos como duas questões isoladas, essas referências nunca são um problema em si, funcionando mais como menções para situar em que momento do universo a série se encontra naquele episódio. Mas quando analisamos as tentativas da série de estar dentro do MCU sem, necessariamente, estar dentro do MCU, tudo se torna extremamente confuso e passa a sensação de que Agents of S.H.I.E.L.D. está funcionando em um mundo diferente, onde até mesmo os grandes eventos dos filmes não são mais relevantes do que uma breve menção.
OS SACRIFÍCIOS NECESSÁRIOS PARA A INDEPENDÊNCIA
Nessa luta para permanecer dentro do MCU sem ser completamente afetado por ele, Agents of S.H.I.E.L.D. acaba por destoar das demais produções, perdendo assim a relevância que poderia ter dentro da narrativa do universo, no sentido de ser uma peça fundamental para o andamento da mesma. Mesmo com suas referências, ainda assim é uma obra independente, que pode ser assistida sem que para isso tenhamos que acompanhar todos os filmes e demais produções.
Realizar um projeto desse tipo carrega o notório risco de que nem todos os fãs do MCU irão acompanhar a série. Não se trata de uma série que chama a atenção de muitas pessoas que já não estejam interessadas no universo, e mesmo tais pessoas nem sempre se dedicarão a assistir uma produção que não afeta diretamente o andamento do mesmo universo.
Mas ao mesmo tempo, essa independência faz com que Agents of S.H.I.E.L.D. consiga funcionar perfeitamente sem qualquer necessidade de se acompanhar o MCU. O que é válido para os filmes acaba se tornando válido para a série também, e mesmo que alguns momentos se tornem um pouco confusos sem o apoio dos filmes, estes são, como já foi dito, referências mínimas em sua maioria, afetando muito pouco ou nada o andamento da trama da série.
E sim, é estranho ver Agents of S.H.I.E.L.D. tratando de ameaças grandes, como os Inumanos ou a ameaça trazida por Talbot, sem a interferência das equipes de heróis. Mas no geral, os eventos e tramas tratados por Coulson e sua equipe são de uma escala menor e mais local, realizados de maneira mais secreta e resolvidos com mais facilidade, mesmo aqueles que carregam uma ameaça ao mundo.
A EVOLUÇÃO DA DEPENDÊNCIA
O motivo de eu tratar dessa série agora é que, por mais que tenha tido seus problemas ao longo do caminho, Agents of S.H.I.E.L.D. conseguiu algo que poucas séries do MCU hoje em dia conseguem: ser algo apenas seu e explorar as histórias que seus criadores desejavam contar. Nem todas as histórias funcionaram, é verdade, mas todas tiveram o aspecto vantajoso de não se prenderem a uma necessidade de corresponderem ao que o Universo Marvel estava fazendo no momento ou ao seu futuro. Eles podiam criar uma trama voltada aos Inumanos e ao problema dos Kree enquanto o MCU lidava com a insurgência de Ultron, e funcionar perfeitamente dentro desse universo.
Nem todas as séries atuais conseguem isso. Aliás, é mais comum que as novas produções seriadas do MCU tornem-se, cedo ou tarde, apenas mais uma peça do universo sem nada de único, e que se tornem tão essenciais para o entendimento das novas produções que acompanhá-las torna-se obrigatório. WandaVision apresentou uma aventura interessante para Wanda (Elizabeth Olsen), narrando sua transformação em Feiticeira Escarlate, mas deixou de ser apenas uma aventura paralela quando sua trama tornou-se essencial para compreender as motivações da personagem em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Confirmado recentemente, Capitão América 4 trará Sam Wilson (Anthony Mackie) como o novo capitão, mas não mostrará sua aceitação do manto, por que essa já foi a trama de Falcão e o Soldado Invernal, tornando essa série também essencial. Mesmo as produções da Netflix não devem continuar a ser independentes nesse universo, com o Rei do Crime (Vincent D'Onofrio) sendo o vilão em Gavião Arqueiro e o Demolidor (Charlie Cox) aparecendo em Homem-Aranha: Sem Volta ao Lar.
E eu sei que é difícil não estabelecer essa continuidade, visto que o objetivo da Marvel é criar um universo interconectado entre todas as suas produções, mas a sensação é de que agora existe uma obrigatoriedade de se acompanhar tudo o que é Marvel para se entender o universo. Durante a Fase Um, cada um dos heróis teve suas histórias independentes e cada história apresentou um elemento para o primeiro Vingadores, mas não havia esse sentimento de necessidade de se ver todos os filmes, no sentido de que você não tinha que ver obrigatoriamente o filme do Thor para entender o do Capitão América. Mas hoje em dia, parece impossível entender o que se passa no Universo se você não viu todas as produções até o dado momento.
Isso se torna um problema porque, por mais que muitas pessoas amem esse universo, nem todas possuem o interesse, os meios ou o tempo para assistir às produções seriadas além dos filmes. Os fãs mais fanáticos com certeza tentarão sempre acompanhar tudo, mas ainda assim existe um grupo bastante grande de pessoas que se sentirá desanimada em continuar uma aventura que começa a exigir tantos requisitos para ser compreendida.
Agents of S.H.I.E.L.D. funciona dentro desse universo porque não exige nada de seu público. É compreensível que a experiência de ver a série junto com os filmes é diferente, mas não exigem aspectos da trama de um que demandam o conhecimento do outro. E sim, existe uma sensação de desconexão quando eventos importantes são apenas citados, mas a citação dos mesmos serve mais para estabelecer o ponto no tempo em que os eventos da série ocorrem. No resto, Agents of S.H.I.E.L.D. permanece independente por completo. Pode não ser a melhor série do MCU em quesitos técnicos ou de narrativas, mas é revigorante acompanhar algo desse universo sem precisar fazer um "curso" por todas as outras produções para entender o que está acontecendo.