Tendo estreado essa semana (06/10) nos cinemas, Amsterdam, o novo filme de David O. Russell com o ator Christian Bale, é um projeto de longa data de ambos. Segundo notícias, o projeto levou seis anos para ficar completo e poder ser lançado. Em geral, quando diretores anunciam uma produção ao qual eles se dedicaram por tanto tempo, o público já recebe a sensação de um projeto de paixão, dedicação e carinho. Amsterdam, no entanto, não parece o fruto desses atributos, e nos faz pensar o que teria acontecido ao longo desses seis anos?
Logo de cara podemos ver o potencial do longa. O drama se passa na Nova York dos Anos 30 e coloca dois veteranos da Primeira Guerra Mundial, Burt (Bale) e Harold (John David Washington) em uma intrincada trama política na qual os dois são acusados de assassinarem um antigo comandante do seu pelotão (Ed Begley Jr.). Para limparem seus nomes, os dois recorrem a todos os seus contatos para determinar o que está acontecendo, mas acabam caindo em meio a um jogo de poderosos que buscam desestabilizar as bases do governo americano. Misturando drama, suspense e uma dose de fatos reais, o filme teria tudo para entreter e cativar o público. Na realidade, porém, tanto a história quanto o elenco são claramente desperdiçados.
Começando com as partes boas, Amsterdam possui um segundo ato bastante envolvente e que compensa o começo confuso e desorganizado, focando na construção do relacionamento do trio principal. Entendemos o laço formado entre Burt e Harold durante a guerra, na qual os dois lutaram no mesmo pelotão e se feriram gravemente, e somos apresentados à relação dos dois com Valerie (Margot Robbie), uma enfermeira que desenvolve uma paixão romântica com Harold e uma amizade afetuosa com Burt. Durante esse momento mais calmo, somos apresentados a um relacionamento genuinamente bem construído e orgânico, testemunhamos o tempo que os três passaram juntos na cidade de Amsterdam e a forma como se separaram. Anos depois, quando os três voltam a se reunir, o roteiro consegue retomar esse mesmo relacionamento, construindo um forte núcleo para a sua história em seus três protagonistas.
O desenvolvimento do mistério e da investigação também é envolvente, mesmo que seu resultado seja decepcionante. Diante dos desafios, das ameaças e das intrigas que o trio enfrenta, somos apresentados a um mundo em transformação durante a década de 1930, e a maneira como ideias e elementos perigosos conseguiram se embrenhar na sociedade estadunidense sem que ninguém se desse conta no momento. E em todos esses momentos, o filme apresenta uma ideia bastante cativante de se vender para o público. Mas então, o desfecho se inicia, e o que poderia ser uma grande ideia se perde em argumentos repetitivos, superficiais e rasos, já empregados milhões de vezes em muitos outros filmes.
Amsterdam, assim, é fruto do grande mal da mediocridade que assola muitas produções atuais. A trama recorre várias vezes a um sentimentalismo barato e a posições fracas. O diretor tenta estabelecer uma posição em favor de temas sociais, mas a construção desses temas ao longo do filme é feita de maneira forçada, obedecendo a um padrão que não se aprofunda, não discute e não critica. Uma posição que tenta obter aplausos simplesmente por estar presente no filme, mas que não tem coragem de buscar a raiz do problema e tratar seus temas com a seriedade necessária.
No fim, esse é o maior problema com Amsterdam: a mediocridade. Tudo no filme indica uma produção feita com o objetivo de agradar Hollywood e garantir um lugar na nova rodada de premiações. Mas não a carinho ou vontade por traz desse esforço. A parte técnica é bagunçada, com cortes estranhos na montagem e edição de som que muitas vezes atrapalham o fluxo narrativo e posicionamento dos atores que deixa o espectador perdido no espaço da cena. Quando se ajusta, no entanto, o filme não consegue sair de um roteiro simples, uma construção pouco eficaz e um desfecho que é tão clichê que chega a ser revoltante. Mediocridade também é a descrição perfeita para as atuações do elenco mais que estelar. Ninguém está mal no filme, mas ao mesmo tempo nenhum ator demonstra a melhor atuação de sua carreira. Bale, Robbie e Washington constituem o arco mais forte do filme e a relação dos três e sólida e envolvente, mesmo que todos os três já tenham tido melhores dias e melhores filmes. Anya Taylor-Joy e Rami Malek se mostram bastante apagados no filme, enquanto Zoe Saldana, Chris Rock, Mike Myers e Michael Shannon são tão subaproveitados quanto seus personagens.
O último grande nome do elenco é certamente Robert De Niro, que interpreta um general veterano e um grande defensor da causa dos soldados. Seu papel é importante e ele entrega uma atuação digna de sua importância, sustentando seu personagem e mantendo-se como uma presença poderosa em cena. No entanto, já faz tempo que não vemos dele uma atuação como a que ele demonstrou em Taxi Driver, Os Bons Companheiros, Touro Indomável e todos os seus outros clássicos. E é provável que ele nem queira se esforçar tanto, contentando-se, assim como o resto do elenco, com uma atuação que é boa, mas não a sua melhor.
Quando você para e pensa em todos os elementos que se uniram nesse filme (ser um projeto de longa data, com uma história interessante e um elenco classe A), é enfurecedor ver que Amsterdam se resumiu a apenas mais uma produção rasa, sem nada a oferecer além da raiva de muitos espectadores quando o longa eventualmente levar algum Oscar não merecido. David O. Russell pode não ser o maior diretor da história, apesar de seu sucesso com O Lado Bom da Vida, mas quando pensamos que esse projeto era supostamente um de coração que estava sendo trabalhado há seis anos, você obviamente espera por muito mais, até mesmo dele.