Desde os anos 80, quando o cinema tentou adaptar o jogo Super Mario Bros. em um filme, resultando em uma produção caótica e um filme que perdura até hoje como um clássico cult dos filmes ruins, a adaptação de games têm sido um grande desafio para os produtores de cinema. Em várias ocasiões diferentes, diretores e roteiristas tentaram surfar na onda de popularidade de grandes games, mas suas adaptações falharam em captar a essência do material original e resultaram em filmes fracos, sem o clamor dos jogos adaptados e com uma história que desagradou tanto os fãs dos jogos quanto aqueles que nada entendiam sobre eles.
A mistura de diferentes mídias não é algo incomum. São diversos os conteúdos de HQs, jogos, animações, livros e até mesmo músicas que são explorados na tentativa de produzir um filme sobre aquela temática, mundo e trama. E o inverso também é verdadeiro, com muitos filmes sendo convertidos em livros, HQs, jogos e séries como forma de continuar suas histórias de outras maneiras. No geral, essas produções sempre enfrentam críticas dos fãs da obra original, mas conseguem agradar ao grande público e propiciar uma história envolvente para fãs e pessoas que nunca tiveram contato com o tema antes.
As adaptações de jogos, no entanto, estão entre as principais adaptações de outras mídias que enfrentam pesadas críticas negativas e falham em agradar ao público. Seja pela péssima produção, seja pelo fato de que o formato do filme é incapaz de abranger toda a história e os temas principais presentes no original, filmes baseados em jogos dificilmente conseguem obter um grande sucesso. Muitos são alvo da própria tendência dos estúdios de quererem surfar na popularidade do conteúdo original apenas como forma de vender a adaptação, o que faz com que tais produções se tornem rasas e pouco exploradas, usando apenas o nome de outro produto sem investir naquilo que fez tal produto ser tão aclamado.
Existem algumas exceções, filmes que, embora não sejam grandes marcos cinematográficos, alcançaram uma boa popularidade e agradaram a um público bastante amplo, mesmo com suas falhas. A primeira adaptação do jogo Mortal Kombat conseguiu juntar fãs ao seu redor e se tornou um clássico cult bastante apreciado. Contudo, o sucesso da produção levou à criação de uma continuação, Mortal Kombat: Aniquilação, que se tornou um dos piores filmes de todos os tempos por conta de sua história confusa e mau uso dos personagens do jogo.
Outra produção que adquiriu um sucesso marcante foi a franquia Resident Evil. Iniciada nos cinemas em 2002, a saga trouxe Milla Jovovich como a protagonista Alice, uma mutante criada pela corporação Umbrella que enfrenta um perigoso apocalipse com zumbis, infectados e criaturas monstruosas após um perigoso vírus ser liberado no mundo pela mesma corporação. Mesmo com críticas negativas, os primeiros filmes da saga conquistaram o público, acompanhando a franquia de jogos enquanto ambas evoluíam em sua história. Contudo, o número infindável de sequências e o exagero cada vez maior da trama também fizeram com que essa saga lentamente decaísse nos cinemas.
Esse é o grande mal que destrói boa parte dessas adaptações. Obviamente tais produções têm um grande interesse mercadológico e são feitas para serem blockbusters e conquistarem um grande público. Contudo, essa tendência a sempre priorizar o lado mercadológico faz com que essas adaptações se acomodem em roteiros básicos demais e que não exploram a fundo todo o potencial do jogo. Pior do que isso, essas produções apelam para o lado mais exagerado dos games com o intuito de criar grandes monstros de efeitos especiais e cenas de ação explosiva para compensar pela falta de conteúdo realmente interessante. Ao longo das décadas, essa foi a tendência que condenou essas adaptações a um lugar esquecível dentro das produções cinematográficas.
Mas recentemente, no entanto, a situação parece estar aos poucos se alterando. Após alguns anos com produções extremamente apelativas e fracassadas, algumas das últimas tentativas de adaptação têm funcionado muito mais e conquistado uma admiração bem maior do público. Longe de serem filmes excepcionais, essas adaptações foram capazes de fornecer uma história sólida e envolvente, personagens carismáticos e uma aventura divertida para seu público.
Em anos recentes, o público foi surpreendido pelas estreias de Detetive Pikachu e Sonic: O Filme. Ambos entregaram uma história de comédia no estilo dupla de amigos, aproveitando-se de jogos clássicos para alavancar sua popularidade. O que foi entregue, no entanto, não foi algo simples e banal, que explorou o mínimo do jogo para se tornar atrativo ao público e vender mais. Ambas as histórias se desenvolveram de uma forma mais simples, apelando para a relação de seus personagens e tornando-os carismáticos para o público. E enquanto fazia isso, Detetive Pikachu conseguiu construir um interessante mundo em live-action onde pokémons e pessoas conviviam. Com efeitos digitais convincentes e uma boa trama de mistério e comédia, foi o relacionamento do dito Pikachu (voz de Ryan Reynolds) e do jovem Tim (Justice Smith) que conquistou a audiência. Longe de ser um filme sem defeitos, a produção ainda assim conseguiu emplacar uma história envolvente e bastante divertida baseada em um jogo popular.
Já Sonic: O Filme tomou um caminho diferente, deixando um pouco de lado o aspecto do jogo em si e o mundo em que ele ocorre e trazendo o personagem de Sonic (Ben Schwartz) para o mundo real, onde ele desenvolve uma amizade e parceria com o policial Tom (James Marsden) enquanto foge para escapar das garras do Dr. Robotnik (Jim Carrey). Com uma ação divertida e efeitos que, graças ao apelo do público, foram concertados antes do lançamento, Sonic: O Filme conseguiu se tornar um sucesso de audiência, apelando para uma fórmula de comédia já conhecida, mas que deu ao personagem do jogo um lado bastante "humano" com o qual podemos nos identificar.
Essa tendência a um sucesso maior não foi constante em todas as produções que se seguiram. Filmes como Monster Hunter e o novo Mortal Kombat ainda caíram nas mesmas armadilhas que condenaram tantas adaptações anteriores. No entanto, esse tipo de produção encontrou um lugar aparentemente ideal para prosperar: o universo das séries e dos streamings. Já não são poucas as séries baseadas em jogos que conquistaram o grande público e fizeram um grande sucesso. A Netflix parece liderar essas tentativas, já possuindo em seu catálogo produções de renome como Dota: Dragon's Blood e The Witcher, ambas já com um grande número de fãs que se interessaram pelas histórias de seus personagens, seus conflitos e o universo em que eles se encontram.
Mas de todas as novas séries baseadas em jogos lançadas nos últimos tempos, a que certamente levantou o maior público e alcançou o sucesso mais notável foi Arcane. Narrando acontecimentos no universo de League of Legends, a série animada acompanha o desenvolvimento das personagens Vi (Hailee Steinfeld) e Jinx (Ella Purnell) enquanto os conflitos em sua cidade-natal começam a explodir e dividir ainda mais as classes já bastante segregadas do local. Arcane conquistou o público pela maneira como humanizou seus personagens e os deixou complexos em suas lutas, desejos e dores, nos fazendo simpatizar com heróis e vilões e perceber os erros e os lados sombrios de todos eles.
Agora, seguindo o embalo dessas produções baseadas em jogos, a Prime Video lança a sua própria adaptação, A Lenda de Vox Machina, inspirada em uma campanha do jogo Dungeons & Dragons extremamente popular e que segue um grupo de mercenários incompetentes que acabam por se tornar a única alternativa de um reino quando uma ameaça sombria paira no horizonte. Unindo os aspectos marcantes da fantasia com o humor ácido e pesado das animações adultas, a série chega com a promessa de rivalizar com as produções do gênero em outros serviços, unindo comédia, mistério e aventura em uma única série.
CONECTANDO-SE COM O PÚBLICO
A escolha por adaptações de jogos tem como princípio básico usufruir da popularidade de algo que já conquistou um grande público. Atraindo principalmente os fãs dessas franquias de jogos, esses filmes muitas vezes pecam por acharem que apenas a transformação do jogo em filme é o suficiente para o sucesso. Mas os jogos que os inspiraram obtêm sucesso a partir da relação que constroem com o público em seus diversos aspectos, seja pela sua trama, ambientação, modo de jogo e, principalmente, seus personagens.
Apenas transportar esses aspectos de uma mídia para a outra não garante o seu sucesso. Mídias diferentes demandam trabalhos diferentes junto ao público, e da mesma forma que a trama dos jogos precisa ser adaptada para o filme, também precisam ser todas as suas outras características. O desafio dessas adaptações é transportar personagens, cenários e tramas dos jogos para os filmes, alterando-os de maneira que façam sentido nessas novas produções e, ao mesmo tempo, mantenham seu elo com o conteúdo original.
O que vemos nessas novas adaptações dos últimos anos é um trabalho que realmente explora personagens, locais, trama e história. Não são apenas cópias dos jogos que os inspiraram, e muitas deles inclusive alteram vários detalhes dos jogos para melhor construir seus filmes. O foco principal desse trabalho é construir um filme ou série que, mesmo sendo uma adaptação, mantém-se único em comparação com o material original, tendo os seus próprios aspectos que permitem uma conexão forte com o público por si só, sem depender do conhecimento prévio do jogo.
E isso não significa que essas adaptações devem ignorar o material original. Muito pelo contrário, essas produções apresentam um grande respeito e homenagem pelo conteúdo original. Ao mesmo tempo, porém, são capazes de estabelecer características próprias e singulares que permitem uma relação de afeto com o seu público sem dependerem para isso dos jogos que as inspiraram.