É correto afirmar que, a essa altura, praticamente uma geração inteira de jovens adultos cresceu ao lado das animações da Pixar. Independente de qual a sua favorita, é quase impossível que qualquer um de nós não tenha visto, ao menos, uma de suas produções, seja como criança ou já crescidos. Dotados de narrativas extremamente tocantes, essas animações conquistam também o coração de pessoas mais velhas por sua maturidade ao tratar de temas extremamente sérios. Mesmo em meio à fantasia e à comédia, os filmes Pixar são capazes de fazer chorar e refletir, algo extremamente importante em uma produção voltada, primeiramente, para crianças.

Digo que as produções são voltadas ao público infantil pois seu apelo para com essa faixa etária é inegável. Suas histórias são repletas de momentos fantásticos, piadas divertidas e um tom bastante atrativo para crianças. No entanto, dizer que as animações da Pixar são filmes infantis por natureza é um erro gigantesco e que ignora um dado muito importante sobre esses longas: a mensagem que eles visam passar. Pois em cada história da Pixar, existe uma reflexão importante sobre algum aspecto da vida, e é através dessas mensagens que o estúdio consegue criar conteúdos admirados por todas as faixas etárias.

Desde seus primeiros trabalhos, essas mensagens existem em certo grau. Toy Story e Vida de Inseto, os dois primeiros longas do estúdio, trazem em si tramas bastante voltadas para os problemas de seus personagens e mensagens extremamente importantes, que poucos filmes animados conseguem transmitir para crianças. Toy Story aborda a ideia do ciúme quando um ente querido começa a desenvolver uma relação muito forte com outra pessoa, deixando você um pouco de lado, e trabalha essa temática no intuito de promover a união em vez da competição. Já Vida de Inseto introduz novamente a ideia de união e trabalha a força de um grupo unido na superação de desafios, inclusive no combate à subjugação promovida por um grupo aparentemente mais forte a princípio.

O mais interessante dessas mensagens, no entanto, é como elas se adequam aos universos fantásticos dos filmes, mas também podem ser aplicadas na vida real. Toy Story é um grande exemplo disso. Trazendo um universo onde brinquedos estão vivos e têm sentimentos, eles refletem sobre a vida desses brinquedos para promover reflexões na própria sociedade. O primeiro filme aborda o que acontece quando um brinquedo favorito é substituído por outro. Já o segundo traz pela primeira vez a noção do que acontece com os brinquedos quando as crianças crescem e param de brincar com eles, temática que é novamente abordada em Toy Story 3 e completada em Toy Story 4, criando uma jornada que mostra a importância da doação como forma de dar diversão a outras crianças.

Outras produções, como Os Incríveis, por exemplo, trazem temáticas bem mais voltadas para a vida real. O primeiro filme, de 2004, possui uma das análises mais maduras e realistas da vida em família que uma animação poderia expor. O relacionamento entre Beto e Helena é extremamente real, passando pelas brigas e crises comuns ao casal, a toxicidade de alguns momentos e a crise de identidade e da meia-idade, mas também mostra os bons momentos dessa relação. Pra além disso, tanto o primeiro filme quanto Os Incríveis 2 explora bastante as crises da adolescência e todo o processo de crescimento através dos personagens Violeta e Flecha. Ao retratar uma família bastante realista e imperfeita, essas filmes mergulham profundamente em questões bastante comuns entre muitas pessoas.

Em outros casos, as mensagens das animações refletem mais sobre o estado do mundo e menos sobre algo interno dos seres humanos. Wall-E ainda permanece como uma das maiores criações da Pixar, trazendo em si uma mensagem sobre como o comportamento das pessoas está afetando o nosso planeta. Acompanhando um robô coletor em um futuro distante, vemos um planeta devastado pelo lixo e pela poluição, sem nada de vivo além de pequenos insetos e uma simples planta que luta para crescer nesse cenário. Os humanos remanescentes foram colocados em uma grande nave espacial, onde vivem sentados em grandes cadeiras móveis e têm todos os seus desejos atendidos por computadores, o que os tornou preguiçosos e sedentários. Assim, Wall-E elaborou uma intensa crítica não só sobre a poluição de nosso planeta, como também sobre a forma como equipamentos eletrônicos nos deixam sedentários.

Divertida Mente também é outra animação que mergulha profundamente em temas bastante importantes. Ao imaginar como seria um mundo fictício dentro da cabeça de cada pessoa, onde os sentimentos têm vida e gerem o comportamento do ser humano, o filme aborda a importância de expressar as verdadeiras emoções que se está sentindo. O tempo todo na trama, vemos Alegria (Amy Poehler) tentando evitar que Tristeza (Phyllis Smith) assuma o controle e deixe Riley (Kaitlyn Dias), a humana em que as duas vivem, sinta-se triste. No entanto, o filme caminha o tempo todo para mostrar como a expressão da tristeza é importante e como esconder seus reais sentimentos pode ser perigoso e nocivo para você e para todos que estão ao seu redor.

Uma outra questão sobre Divertida Mente é que, apesar de criar um mundo fantástico para contar sua história, todas as reações e consequências são extremamente naturais e possíveis no mundo real. É essa maturidade de usar algo fictício para mostrar uma consequência real que faz com que as mensagens da Pixar sejam tão fortes ainda nos dias de hoje: sua capacidade de se fazer entender no mundo real e de encontrar exemplos reais no dia-a-dia das pessoas. Viva: A Vida É uma Festa é outro exemplo dessa força do estúdio. Trazendo um vasto e extraordinário mundo pós-morte mergulhado na cultura mexicana, a animação mergulha na mitologia e no fantástico, mas sua mensagem sobre vida, morte, família e lembrança se conecta com a vida comum das pessoas e com os que elas sentem na vida cotidiana, tornando-se muito mais assimiláveis para o público que, mesmo vendo algo fantástico na tela, é capaz de se identificar perfeitamente com a situação dos personagens.

Por serem capazes de transmitir essas mensagens de forma tão natural em suas histórias, as animações da Pixar foram alguns dos primeiros filmes do gênero a serem pensados como algo além de filmes infantis. O melhor desse pensamento, no entanto, é justamente a forma como essas narrativas se constroem de forma a serem admiradas por todos os públicos. Uma geração inteira de jovens que cresceu vendo esses filmes entende que talvez não tenha compreendido todas as questões mostradas neles quando eram crianças, e agora se sentem mais do que à vontade para voltar a ver esses filmes e captar o sentido dos filmes em sua completude. Seja a idade que for, é provável que o público irá encontrar algo para admirar nesses filmes.

E em anos mais recentes, a Pixar já demonstrou ter a capacidade de analisar um tema de uma forma mais complexa, criando um filme não necessariamente voltado a crianças. Soul talvez seja o exemplo mais recente disso. Com uma análise bastante profunda sobre a vida e a morte, o sentido da existência e tudo aquilo que fazemos enquanto vivos, o filme certamente traz uma complexidade maior e, em vários momentos, não é facilmente captado por um público infantil. Algo compreensível, visto que seu alvo certamente foi um público mais adulto, e seus temas de reflexão abordavam questões presentes no pensamento de pessoas nos dias atuais.

De um jeito ou de outro, a Pixar continua cumprindo com seu papel desde a sua criação: proporcionar ao público grande animações com narrativas comoventes, personagens memoráveis e mensagens complexas e extremamente conectadas com a vida cotidiana das pessoas. É difícil determinar a mensagem que Luca, a nova animação do estúdio, irá trazer, mas pelos trailers podemos deduzir que será algo voltado à identidade das pessoas e à formação de amizades apesar das diferenças. Seja como for, esperamos ansiosos por essa nova produção.

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