Por quase 45 anos, Star Wars tem sido uma das franquias mais populares do cinema, conquistando o coração de fãs de diversas gerações ao longo dos anos. E boa parte de sua popularidade se deve aos seus personagens complexos e suas jornadas excitantes e cheias de descobertas, ação e emoções. Seja nos filmes, nas animações ou nas séries, Star Wars sabe como introduzir protagonistas inspiradores, mestres sábios, guerreiros corajosos e vilões aterrorizantes.
Tendo literalmente uma galáxia de possibilidades para explorar, essa é uma franquia que está sempre se reinventando e trazendo novas criaturas para as suas histórias, e é comum que muitas dessas não tenham o posto de protagonista imediatamente, podendo obtê-lo em outras aventuras. Entre essas, no entanto, os clones são certamente as que ganharam mais destaque nos últimos anos. Inicialmente como meros figurantes, soldados aleatórios em uma guerra gigantesca, os clones foram explorados tanto por George Lucas quanto por Dave Filoni, ganhando personalidade, traços singulares e se tornando muito mais do que guerreiros genéricos.
A transição sofrida pelos clones no universo de Star Wars foi fruto de um intenso trabalho de seus criadores para criar uma identificação entre o público e esses personagens. Trabalhando com cuidado a ideia de soldados fisicamente iguais, mas completamente diferentes entre si por dentro, Lucas e Filoni compuseram personalidades bastante complexas e que se destacavam, chamando a atenção para si e levando-os à posição de protagonistas, ao redor dos quais giravam histórias bastante únicas e muito pessoais.
A IDEIA PLANTADA E A TRILOGIA PREQUEL
A ideia dos soldados clones foi incorporada em Star Wars desde a trilogia original, quando, em Uma Nova Esperança, o velho Obi Wan Kenobi (Alec Guinness) menciona ter lutado nas Guerras Clônicas. Apesar de não especificar exatamente o que foi esse conflito, ele deixa bem claro que se tratou de uma guerra devastadora na qual os jedi foram traídos e praticamente extintos enquanto o Império tomava forma. Obviamente, George Lucas planejava abordar essa temática quando seguisse para a trilogia prequel para contar a origem de Darth Vader. E foi exatamente o que fez.
Infelizmente, a ideia dos clones e das Guerras Clônicas não foi muito bem trabalhada nos três filmes da trilogia prequel. A Ameaça Fantasma mal tocou nessa questão, trabalhando a infância de Anakin (Jake Lloyd) e seu início como padawan. Já o Episódio II, O Ataque dos Clones, gastou muito tempo preparando o seu tema principal, não utilizando os personagens clones em sua história, exceto no terceiro ato, quando ocorre a Primeira Batalha de Geonosis e o início da guerra.
Mesmo assim, o conceito abordado foi bastante interessante. Abordando a relação dos clones com o caçador Jango Fett (Temuera Morrison), de cujo DNA os soldados se desenvolveram, o filme já coloca a própria existência dos clones como algo suspeito e propõe uma trama mais profunda sobre seu real propósito. Ainda assim, acabamos por torcer por eles quando vemos que eles estão sendo comandados pelos Jedi contra os Separatistas.
A Vingança dos Sith é o filme que mais explora a ideia das Guerras Clônicas e as proporções do conflito. Contudo, o filme mostra apenas os momentos finais do conflito, voltando-se para a transformação de Anakin (Hayden Christensen) em Vader e a traição executada pelos clones contra os Jedi durante a Ordem 66, onde o real propósito dos soldados é finalmente revelado e as suas ações sob o comando de Palpatine (Ian McDiarmid) levam à ascensão do Império. É uma sequência bem executada e que carrega todo o peso das suas consequências para a trama. Ainda assim, a falta de uma identificação com os clones como algo mais do que simples soldados acaba impedindo uma aproximação maior com a cena, o que tornaria a dor muito maior.
Em resumo, a trilogia prequel fez um excelente trabalho em explicar um tópico apresentado pelos filmes iniciais e colocá-lo como um evento fundamental para a trama. Contudo, até mesmo pela construção em trilogia, mas muito mais por algumas decisões infelizes do roteiro, o assunto das Guerras Clônicas serviu apenas como um pano de fundo, e os clones, como soldados aleatórios no conflito, sem serem muito mais aprofundados nessas produções.
AS ANIMAÇÕES: CONSTRUINDO A UNICIDADE DOS CLONES
Pouco depois de A Vingança dos Sith, foi lançada a primeira animação de Star Wars. A partir dessa, foi pensada a série animada The Clone Wars. E foi a partir dessa série que os clones começaram a receber uma atenção muito maior da produção, começando a perder a ideia de soldados aleatórios e passando a ganhar, pelo menos os mais importantes deles, personalidades únicas que os distinguiam aos olhos dos públicos.
Entre os mais importantes clones, podemos citar o Capitão Rex, os comandantes Cody e Wolffe e os soldados Fives e Echo. Todos eles ganharam enorme destaque durante a série animada, que, por se tratar de uma série antológica, conseguiu criar tramas específicas centradas nesses personagens. O arco dos Recrutas na primeira temporada, os arcos de Umbara e da defesa de Kamino, os episódios Ascensão da Malevolência, O Desertor e O Inimigo Escondido, a história de Fives durante a sexta temporada, todos esses são arcos focados completamente nos clones e suas relações pessoais entre si e com os jedi.
O grande ponto positivo dessas histórias é garantir que os clones que as protagonizam se tornam únicos aos olhos do público, que para de enxergá-los apenas como figurantes em cenas de guerra e passa a nutrir simpatia por eles. Por esses esforços e também pelo grande trabalho de aprofundamento das Guerras Clônicas em todas as suas camadas, The Clone Wars humanizou muitos dos personagens de Star Wars e aumentou ainda mais o panteão de icônicos personagens ao fazer de simples soldados de batalha pessoas marcantes e com ambições e pensamentos próprios, capazes de questionar e de serem empáticos.
O maior exemplo disso é o Capitão Rex, que desde o início foi tratado como um personagem especial, sempre atuando como um coadjuvante de importância em The Clone Wars e conseguindo obter uma importância crescente ao longo da série. Sua presença foi tão marcante que Rex logo se viu aparecendo em outras produções, como Rebels, onde também teve um papel de destaque ao longo de três temporadas.
OS ÚLTIMOS TRABALHOS: A ALMA DE CADA SOLDADO
Em trabalhos mais recentes, a atenção da Disney se voltou novamente para as animações e para os personagens clones. Com o intuito de finalizar The Clone Wars, Dave Filoni foi chamado para liderar uma sétima e última temporada, que focou com muito mais força na jornada dos clones durante os momentos finais das Guerras Clônicas. Focando principalmente em Rex, a última temporada conseguiu alimentar muito mais a ideia que os clones não são apenas máquinas de combate, mas possuem cada um sua própria alma, fazendo com que nos importemos com o destino de cada soldado mostrado.
Conectando-se aos eventos de A Vingança dos Sith, a sétima temporada de The Clone Wars apresentou um lado muito mais interessante da Ordem 66, contando-a através do ponto de vista dos soldados que foram forçados a trair os Jedi. Humanizando o sofrimento dos soldados por terem de seguir àquela ordem, a série coloca um dilema muito forte para os soldados: se manter fiel aos jedi parece o certo a se fazer, mas isso implicaria uma traição à República que eles foram criados para proteger. O desejo individual dos clones entra em conflito com a sua programação, que eles são incapazes de contradizer em razão dos chips em sua cabeça. A dor colocada na expressão desses soldados é muito forte para os fãs da saga e mostra a crueldade de Palpatine ao fazer soldados leais se voltarem contra os líderes que os inspiraram.
Foi através desse processo de humanização que Filoni e Lucas conseguiram transformar soldados que, anteriormente, nada mais eram do que personagens figurantes que executaram uma traição terrível, em pessoas reais, com personalidades complexas e individuais, mas que foram incapazes de destruir uma programação forçada em sua existência. Essa aproximação entre os clones e o público gerou empatia e até mesmo admiração pelos personagens, fazendo crescer o desejo dos espectadores por mais histórias centradas nesse grupo de personagens.
É por causa desse desejo que uma série como The Bad Batch é capaz de existir nos dia de hoje. Anos atrás, quando a trilogia prequel ainda estava acontecendo, uma série focada em um grupo atípico de clones não chamaria tanta atenção. O que interessaria uma história focada em figurantes, em soldados aleatórios em uma guerra? Mas agora, com a humanização dos clones e a sua individualização, The Bad Batch tem muito espaço para contar sua história e mostrar o cruel destino dos soldados após a Ordem 66 e a ascensão do Império.
A IMPORTÂNCIA DE SE HUMANIZAR PERSONAGENS
O que foi feito com os clones em Star Wars é um exemplo claro do quanto uma produção tem a ganhar ao investir em seus personagens e torná-los complexos e interessantes para o público. E o melhor é que não havia muitos motivos para tal franquia fazer isso justamente com os clones. Em qualquer filme ou série de guerra existem sempre figurantes que atuam apenas como soldados do conflito e que servem para dar uma proporção de escala para as batalhas, sem terem muita importância para a história geral.
O que Dave Filoni e George Lucas fizeram, porém, foi algo realmente inovador e importante, principalmente para a franquia com a qual ambos se importam tanto. Tirando o fato de que as Guerras Clônicas não foram muito aprofundadas nos filmes, não havia muito motivo para se investir tanto na personalidade dos clones, e não seria prejudicial se eles se mantivessem apenas como figurantes em cenas de batalha. Pegar essas personagens e dar a eles uma alma, um lado humano, no entanto, fez com que o conflito do qual eles participam ganhasse uma proporção e uma importância muito maiores, fazendo com que o público se importasse muito mais com personagens coadjuvantes.
Não só para a série em si, essa humanização e aprofundamento enriquece o próprio universo da franquia e possibilita que novas produções sejam criadas para tratarem dessas histórias em particular. E uma das razões para que essas novas produções recebam investimento e valham o risco é justamente porque elas vão tratar de personagens complexos, completos atraentes para o público. É por isso que mais produções deveriam começar a trabalhar melhor seus personagens, mesmo os secundários. Dar profundidade e personalidade a personagens faz com que o público se interesse por eles e queira acompanhar suas histórias. Ao nos identificarmos com um personagem, queremos saber para onde a sua jornada vai levá-lo.