Love, Death + Robots é uma série antológica que traz diversos curtas animados, cada um com sua própria história e que não apresentam nenhuma conexão entre si. Cada produção possui seu próprio mundo, personagens e estilo de animação. Elas chegam inclusive a ter mensagens diferentes e provocam reflexões e sensações diferentes no espectador. A única coisa que elas têm em comum é que todas elas lidam com diferentes aspectos ligados a relacionamentos, morte e tecnologia, mas mesmo essas abordagens são tão diferentes entre si que em muitos casos não percebemos essa aproximação de temas.
Criada por Tim Miller, diretor de Deadpool e produtor de Sonic: O Filme, a série conquistou fãs por suas histórias únicas, algumas muito mais marcantes que outras, mas todas, no geral, extremamente bem planejadas e escritas. Com a chegada de seu segundo volume, trazendo muito mais histórias icônicas e únicas, é chegada a hora de revisitar essa série vencedora de cinco prêmios Emmy. Por isso, separamos algumas das aventuras mais interessantes de Love, Death + Robots, seja por seu roteiro, mensagem reflexiva ou simplesmente por suas cenas excitantes, sequências de tirar ou fôlego e twist inesperados.
ZIMA BLUE
Talvez não haja um episódio que mergulhe tanto no caráter reflexivo quanto Zima Blue. a trama narra a história de um famoso artista, suas origens e sua contínua busca por aperfeiçoamento, que leva as suas obras a se tornarem colossais, enquanto ele pinta planetas e murais gigantes, todos no mesmo tom de azul. Prestes a revelar sua última obra-prima, ele contata uma repórter para contar a sua história de uma vez por todas, antes de sua última apresentação.
Zima Blue é completamente reflexivo. Ele fala do ganho de consciência e do trabalho artístico que busca sempre se elevar. Ao mesmo tempo, combate a ideia de que a obra-prima é sinônimo de grandiosidade, e que a busca por um objetivo pessoal pode ser mais simples do que se pensa. Enquanto trabalha em quadros cada vez mais magníficos e murais cada vez maiores, Zima se mostra insatisfeito por nunca atingir a grandiosidade que ele espera alcançar, como se sempre lhe faltasse algo. Sua revelação final, porém, é de que o verdadeiro prazer artístico está na apreciação de um trabalho bem-feito, o que o leva a um retorno às suas origens e aos seus trabalhos iniciais, mais simples.
Um episódio que nos faz refletir muito sobre nossas próprias vidas e a forma como lidamos com nosso trabalho, muitas vezes buscando aquilo que nos tornará maiores e melhores quando na verdade deveríamos apenas buscar o prazer em fazer algo que gostamos de forma bem feita.
ERA DO GELO
Em Era do Gelo, um casal que acaba de se mudar para um novo apartamento descobre uma civilização perdida dentro de sua geladeira. Fascinados, eles testemunham toda a sua evolução, desde a era pré-histórica até o futuro distante. Apesar de não ser um episódio com muita ação, com todos os acontecimentos ocorrendo dentro do apartamento e a trama consistindo basicamente da observação dos diferentes estágios da civilização, ainda assim é um episódio bastante interessante pelas reflexão que trás: e se pudéssemos testemunhar toda a história da humanidade em apenas um dia?
O próprio conceito de uma civilização perdida dentro de um freezer já é interessante, mas a ideia de que o tempo para essa civilização é super acelerado, implica que o casal acaba por presenciar todos os eventos da história daquela civilização em um piscar de olhos. Atuando como voyeurs da evolução, eles vão da era do gelo ao período medieval, da Revolução Industrial até o apocalipse nuclear e a reconstrução da sociedade, chegando inclusive ao ponto em que a humanidade atingiria um grau de evolução que a permitiria transcender definitivamente. E então, no dia seguinte, o ciclo recomeça.
Era do Gelo é um episódio que reflete sobre tudo o que a humanidade já viveu e sobre o caminho que estamos trilhando e que podemos trilhar no futuro. Capaz de analisar nossa história em apenas dez minutos, ele traça possibilidades, da pior à melhor para o destino da raça humana.
PROTEÇÃO CONTRA ALIENÍGENAS
Em uma colônia espacial, fazendeiros inventam robôs extremamente armados para enfrentar uma horda de alienígenas nativos que visam devorar seus rebanhos e suas famílias. O que parece um roteiro completamente insano se transforma em uma divertida animação repleta de ação e tiroteio nesse episódio. Abordando a ideia de roupas de combate mecânicas superdesenvolvidos e adicionando um pouco do estereótipo do caipira estadunidense brigão, e temos uma combinação propícia para divertir o público por vinte minutos.
De fato, Proteção contra Alienígenas não é o episódio mais inteligente de Love, Death + Robots, nem aquele com a reflexão mais profunda. Ele até possui um twist interessante no final, ao se revelar que os fazendeiros não estão na Terra e que as criaturas não são, de fato, invasoras. Ainda assim, seu principal objetivo é a ação de entretenimento, e ele acerta em cheio nisso, trazendo pancadaria e comédia na medida certa para compensar o drama, o suspense e as reflexões intensas de outros episódios da série.
OS TRÊS ROBÔS
A extinção dos humanos e a dominação do mundo pelas máquinas é algo que povoa a ficção científica a muitos anos. Em geral, essas histórias apresentam um teor macabro e sombrio sobre o fim de nossa espécie, mas no caso de Os Três Robôs, esse tema é tratado com mais leveza. Na história desse pequeno curta, três robôs passam suas férias em uma cidade devastada, anos após um evento apocalíptico que devastou a humanidade. Visitando "pontos turísticos" em meio às ruínas, eles fazem inúmeras descobertas sobre a espécie que anteriormente dominara o planeta, nos tratando tanto com surpresa e admiração quanto com desprezo pela nossa tendência a complicar as coisas.
O que fascina em Os Três Robôs é a forma como seus personagens humanos são extremamente simpáticos, sendo fácil conectá-los ao público. Eles inclusive agem como turistas humanos em meio a ruínas ancestrais, cada um reagindo de uma determinada maneira ao estilo de vida humano: admiração, entusiasmo, curiosidade e ceticismo são mostrados pelos três personagens em diversos momentos. Outra coisa muito interessante é como, de uma maneira extremamente cômica e através dos diálogos dos robôs, o episódio trata da nossa forma nociva de viver no planeta e como isso no futuro pode ser prejudicial, levando inclusive à nossa extinção.
NOITE DE PESCARIA
Perdidos no deserto dos Estados Unidos, dois vendedores fazem testemunham a aparição de inúmeros fantasmas de animais pré-históricos marinhos, que habitavam a região quando ela era um grande oceano. Apesar de maravilhosas, as aparições lentamente revelam seus perigos, conforme os dois homens são atraídos para um mundo espiritual muito belo, mas também cheio de predadores perigosos.
O que mais fascina nesse episódio é de fato a animação. Abusando das cores e criando uma aura quase de neon, Noite de Pescaria maravilha o espectador com seus animais coloridos e com a forma fluida com que eles "nadam" pelo céu e influenciam os vendedores. um universo realmente fascinante que atrai o público com sua beleza. Contudo, logo em seguida somos jogados na Lenda de Ícaro, quando o desejo de um dos homens de fazer parte daquele mundo espiritual o coloca em grave risco diante dos predadores da era pré-histórica. Um mundo extremamente belo, mas também extremamente perigoso.
BOA CAÇADA
Uma mistura interessante de fantasia e ficção científica, esse episódio faz uma reflexão interessante sobre o abandono das velhas tradições ocasionado pelo avanço tecnológico. Acompanhando o filho de um caçador de espíritos e uma mulher mística, capaz de se transformar em raposa ao anoitecer, Boa Caçada explora a relação incomum entre os dois, indo desde o momento de seu primeiro encontro e acompanhando-os durante os anos, mostrando também a evolução tecnológica do lugar onde vive.
O que a princípio parece uma aventura mística, porém, logo assume a forma de um conto steampunk. O avanço tecnológico e o imperialismo britânico fazem com que a velha magia desapareça da terra, forçando ambos a encontrarem outras formas de sobreviverem. Adaptando-se ao novo mundo, no entanto, eles logo estabelecem uma nova relação quase mística com a tecnologia, usando a automação do mundo ao seu redor para lhes dar uma vantagem nesse mundo em constante progresso.
Boa Caçada é um conto sobre a sobrevivência das tradições em meio ao avanço e a luta dos povos nativos para continuarem a existir, mesmo que sob novas formas, sob o domínio dos conquistadores. Sob a forma de seus dois personagens, o episódio se torna uma grande história de sobrevivência dominado pela relação de predador e presa.
PARA ALÉM DA FENDA DE ÁQUILA
Por ser uma série antológica em que os capítulos não se conectam, Love, Death + Robots permite-se navegar por praticamente todos os gêneros midiáticos, tornando suas histórias as mais diversas possíveis. Para Além da Fenda de Áquila mergulha no suspense e no terror psicológico ao apresentar a história de um capitão de uma nave que, após um erro de rota, acaba parando em uma estação a anos-luz de seu destino, onde encontra uma velha amiga. Mas conforme ele passa algum tempo lá, ele começa a perceber que nem tudo é o que parece.
esse episódio permite que sua tensão cresça de uma forma extremamente natural. O que a princípio parece apenas um acidente que acaba reunindo dois amigos há muito separados se torna logo um conto de mistério quando o capitão vai percebendo os problemas do local. Em um curto período de tempo, a história nos leva de uma sensação de segurança a praticamente um desespero pungente quando a verdade está prestes a ser revelada, para rapidamente mergulhar no horror diante da revelação. Certamente não é um episódio para qualquer um, visto como seu final coloca o público em um estado de completa angústia para a qual não há resposta.
HISTÓRIAS ALTERNATIVAS
Uma das brincadeiras mais interessantes trazidas por Love, Death + Robots é a chance de mexer com a história e alterar os fatos para ver como eles alteram a linha do tempo. No episódio Histórias Alternativas, somos apresentados a um aplicativo que nos permitiria alterar eventos históricos e checar as consequências. Como exemplo, eles pegam a morte de Hitler e a movem para 1909, muito antes da segunda Guerra Mundial.
Sem muitas pretensões, esse episódio é uma experiência divertida que nos faz imaginar as diferentes possibilidades históricas e suas consequências no futuro. Apesar de os exemplos narrados serem completamente absurdos, é justamente esses absurdos que tornam o episódio tão engraçado. Além disso, quem não gostaria de fazer Hitler morrer de novo e de novo, de várias maneiras bastante criativas e ridículas, mesmo que algumas delas tenham consequências desastrosas para o futuro.
A TESTEMUNHA
Talvez um dos episódios mais polêmicos, A Testemunha é também um dos melhores da série. Acompanhando uma mulher que testemunha um assassinato e é perseguida pelo culpado, o episódio logo toma forma de um grande suspense cheio de ansiedade e expectativa, conforme perseguida e perseguidor se cruzam em diversos pontos do caminho e a garota só não é pega por um triz em diversas situações. Sem muitos diálogos, a tensão é construída pelo ritmo rápido e frenético da perseguição, que não dá nenhum segundo de descanso ao telespectador.
O que marca esse episódio, contudo, é sem dúvida a reviravolta do final. Pois é apenas em seu último momento que A Testemunha se torna uma reflexão sobre o perigo de se insistir em hábitos nocivos e da falta de comunicação apropriada. Sem sequer perceberem, os dois personagens são peças em um jogo que reinicia a todo o instante devido à teimosia de ambos de, a cada ciclo, repetirem exatamente os mesmos atos que os levam a seus destinos terríveis, sem nem sequer considerar alguma outra alternativa.
A VANTAGEM DE SONNIE
Um dos episódios mais comentados durante o lançamento do Volume 1, A Vantagem de Sonnie mergulha nos gêneros do suspense, da ação e do gore, enquanto mostra uma sociedade cyberpunk onde humanos controlam mentalmente grandes feras mutantes em lutas de arena. Nesse mundo, Sonnie, uma guerreira com um recorde de 17 vitórias consecutivas e um passado sombrio, entra em perigo ao recusar um acordo com um mafioso que controla a arena.
Fazendo bom uso da violência física e bastante gráfica, A Vantagem de Sonnie conta uma história entusiasmante sobre a jornada de sobrevivência de uma mulher e a forma que ela encontrou de lidar com a dor de seu passado. O tempo todo nos perguntamos qual é, de fato, a vantagem que Sonnie possui em suas lutas e por que ela conquistou tantas vitórias nesse meio. A resposta que recebemos, no entanto, está além do esperado e surpreende a todos. Com uma construção excelente, uma protagonista bastante carismática e singular e uma reviravolta angustiante, A Vantagem de Sonnie continua sendo um dos melhores episódios do primeiro volume.