Com um vasto número de produções célebres e grandes filmes clássicos, o cinema brasileiro já conquistou um grande espaço ao longo das décadas e se tornou uma grande referência, tanto no seu próprio país quanto no exterior, onde conquistou os mais diversos prêmios ao longo dos anos. De Cannes e Berlim ao festival de Toronto, as produções nacionais sempre tiveram destaque mundo a fora e são motivo de grande orgulho para os amantes do nosso cinema. De fato, a única premiação que sempre nos escapou foi o Oscar.
Ao longo dos anos, foram várias as vezes em que concorremos pelo prêmio da Academia, e em diversas categorias também. Como Melhor Filme Estrangeiro, já concorreram os clássicos O Pagador de Promessas, O Quatrilho Indicado e O Que é Isso, Companheiro?. Em 1998, Fernanda Montenegro despontou com uma excelente atuação em Central do Brasil, mas perdeu o Oscar de Melhor Atriz para Gwyneth Paltrow. O grandioso Cidade de Deus não chegou a concorrer como Filme Estrangeiro, mas entrou em quatro categorias: Melhor Diretor, Roteiro Adaptado, Fotografia e Edição.
Além destes, também tivemos uma indicação por Melhor Curta Live-Action com Uma História de Futebol, Melhor Animação com O Menino e o Mundo e Melhor Documentário com Democracia em Vertigem. Em várias premiações, houve um representante brasileiro, e apesar de nunca termos trazido esse prêmio para casa, esses são filmes e produções que levam a importância e o orgulho do cinema nacional para uma das premiações mais acompanhadas do cinema.
Em 2021, o Brasil pode ter novamente uma chance de vencer o prêmio. Tendo ficado de fora do Oscar de 2020 ao não ser indicado pela Academia Brasileira de Cinema, o longa Bacurau terá a chance de disputar a premiação desse ano. Dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, o longa está elegível para todas as categorias de filmes de ficção do Oscar, exceto Melhor Filme Estrangeiro, visto que a campanha está sendo liderada pela pela distribuidora estadunidense Kino Lorber. Entre as possíveis indicações que Bacurau pode receber, estão a de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Atriz Coadjuvante.
A trama do filme narra os acontecimentos de um pequeno vilarejo no Nordeste Brasileiro onde, após a morte de Dona Carmelita, uma mulher forte e líder do povoado, estranhos acontecimentos começam a assustar os moradores: o vilarejo é riscado dos mapas, e caçadores estrangeiros começam a surgir para promover a caça humana dos habitantes. Em uma narrativa que coloca o problema da invasão estrangeira e do apagamento das populações nativas, além do processo de acordos políticos em detrimento das classes sociais mais pobres, o filme mistura ação, terror e doses de comentários irônicos sobre a atual situação do Brasil.
Mesmo que ainda não tenha sido elegido nem como um dos indicados, as chances de Bacurau são verdadeiras. O filme já conquistou uma grande quantidade de prêmios, como o Prêmio do Júri do Festival de Cannes, o New York Films Critcs Circle Awards como Melhor Filme Estrangeiro e, mais recentemente, conquistou também Melhor Filme Estrangeiro pela Associação de Críticos de Cinema de Toronto, no Canadá, além de diversas premiações no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Venceu as categorias de Melhor Filme nos festivais de Munique, Lima, no Montréal Festival of New Cinema e no Troféu APCA. Não só isso, é também um longa reconhecido por alguns dos principais veículos midiáticos do mundo, como o The Guardian e o The Hollywood Reporter.
Quanto à questão de ser um filme de língua não-inglesa e lançado a pelo menos dois anos (duas condições que colocam em dúvida a possibilidade de ele disputar o Oscar esse ano), a história do Oscar apresenta brechas que permitem essa indicação do filme. Em 2006, o vencedor do Oscar de Melhor Filme foi Crash: No Limite, filme lançado em 2004. E já no ano passado, a Academia abriu um precedente para filmes de língua não-inglesa na categoria de Melhor Filme, ao dar o prêmio ao longa sul-coreano Parasita. Apesar de não ser muito provável que tal prêmio seja dado a um filme "estrangeiro" duas vezes seguidas, essa premissa já torna possível a indicação de Bacurau para a categoria.
O QUANTO VALE O OSCAR PARA O BRASIL?
Com toda essa discussão, é importante ressaltar o principal valor de um prêmio desses para o filme brasileiro. E talvez o principal aspecto em que o Oscar venha a contribuir seja no da divulgação e popularização do cinema nacional nas próprias terras nacionais.
Como já foi dito, o cinema brasileiro possui um grande histórico e inúmeros clássicos ao longo dos anos. Vários diretores, atores e atrizes são reconhecidos por seus projetos, muitos dos quais fizeram grande sucesso em festivais internacionais. Dentro do Brasil, porém, esses longas parecem perder espaço para produções mais populares e estrangeiras, sobretudo estadunidenses. Alguns filmes ainda possuem um marketing eficiente e conseguem chamar a atenção do público, mas este em geral se resume a uma parcela da população que já acompanha naturalmente os lançamentos nacionais e procura por esse tipo de filme.
Ainda hoje, é possível notar como as produções brasileiras lutam por espaço contra os filmes estrangeiros. Bacurau até conseguiu atrair um grande público por si só, mas outros longas batalham muito para atrair a atenção. Não que um Oscar vá resolver isso, mas o recebimento de um prêmio importante e ainda extremamente acompanhado ao redor do mundo pode dar ao filme a atenção necessária para impulsionar sua recepção pela população e, assim, atrair tal apelo popular para outras produções nacionais, futuras ou passadas.
Dificilmente, porém, Bacurau irá se tornar uma obra apreciada por toda a população brasileira, mesmo com o Oscar. Sua temática política, principalmente, já foi motivo de intensas discussões em um país extremamente polarizado, e sua possível ingressão no Oscar deve servir apenas para reavivar tais discussões, sendo que dificilmente essa indicação unirá a população brasileira em torcida. Indicado ao prêmio de Melhor Documentário ano passado, Democracia em Vertigem não obteve apoio de boa parcela da população brasileira, que discordava da visão apresentada pela produção e se voltou contra o filme. Caso seja indicado, Bacurau pode, inclusive, atrair mais pessoas contrárias ao filme do que a seu favor em certas camadas da sociedade.
No geral, o Oscar não deve fazer muita diferença para o filme e para o Brasil em si. Certamente seria ótimo receber o prêmio, e o longa de Kleber Mendonça Filho certamente o merece por vários aspectos, mas Bacurau já foi reconhecido internacionalmente, e o Oscar seria apenas um grande comprovante desse reconhecimento.
Para a Academia, no entanto, essa indicação e possível premiação pode ser um feito interessante. Mais de noventa anos após a sua criação, o Oscar premiou, pela primeira vez, uma produção de língua não inglesa com o troféu de Melhor Filme. Esse rompimento com algo vigente há mais de noventa anos abriu uma grande janela de oportunidades para o maior reconhecimento de filmes de fora dos Estados Unidos e do Ocidente. Nesse ponto, a Academia pode fechar essa janela, garantindo que o ocorrido em 2020 não passe de um evento único e que provavelmente só se repetirá daqui a noventa anos, ou ela pode aproveitar essa janela e abrir espaço para que filmes de diversos países comecem a definitivamente entrar na cultura estadunidense. E que outro meio de garantir que essa janela permaneça aberta do que premiar um segundo filme de língua não inglesa logo em seguida a Parasita?
Isso tudo é apenas especulação e expectativa. Nada pode comprovar que a Academia de fato seguiria por esse caminho, e para ser franco, nada ainda determinou que Bacurau vá de fato concorrer ao Oscar em 2021. Mas a possibilidade fomenta esperanças dos mais variados tipos. Não posso falar por ninguém além de mim mesmo, mas eu estou na torcida por Bacurau e na esperança, talvez ingênua, que uma simples indicação pode ter.
