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Biográfico

Biográfico

Cem Anos de Clarice

10/12/2020

No centenário de Clarice Lispector, relembramos a autora que usou do fluxo de consciência e de uma escrita extremamente inovadora para introduzir as paixões e questões existenciais na literatura brasileira.

escrito por
Luis Henrique Franco

No centenário de Clarice Lispector, relembramos a autora que usou do fluxo de consciência e de uma escrita extremamente inovadora para introduzir as paixões e questões existenciais na literatura brasileira.

escrito por
Luis Henrique Franco
10/12/2020
"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

2020 é um ano histórico. Nele celebramos o centenário de uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos. Clarice Lispector teve uma obra marcada por tramas psicológicas e momentos de epifanias associados a episódios comuns do cotidiano. Seu uso do de técnicas como o fluxo de consciência e a ruptura com o enredo factual são marcantes pela forma como ela coloca a subjetividade em crise em suas obras.

Clarice foi escritora e jornalista, autora de contos, romances e ensaios e uma das figuras mais influentes da literatura nacional ao longo do Século XX, além de uma das escritoras de maior destaque durante a Terceira Fase do Modernismo, a chamada Geração de 45. Seus trabalhos trouxeram importantes reflexões sobre a pesquisa e o uso da linguagem, e sua obra influenciou diversos autores e estudos sobre Literatura Brasileira.

No Centenário dessa grande autora, relembraremos a sua vida, seus maiores livros e o que fez de sua obra uma das mais importantes para o nosso país.

CHEGADA AO BRASIL E PRIMEIROS ANOS

"O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?"
Clarice Lispector com a beca da formatura em direito

Chaya Pinkhasovna Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920, na cidade de Tchetchelnik, na Ucrânia. Filha de judeus, passou os primeiros momentos de sua vida fugindo da perseguição deflagrada pela Guerra Civil Russa. E foi assim que, em 1921, com apenas dois meses de idade, ela chega com sua família a Maceió, no Alagoas.

Por iniciativa de seu pai, a família toda mudou o seu nome ao chegarem à nova moradia, e Chaya passou a se chamar Clarice. Pouco depois de sua chegada ao Brasil, a família se mudou para Recife, onde Clarice estudou durante sua infância, tendo frequentado o Grupo João Barbalho e feito colégio no Ginásio Pernambucano. Aprendeu a ler e a escrever muito jovem e estudou um grande número de línguas diferentes (português, francês, hebraico, inglês e Ídiche), dedicando-se já desde pequena a escrever pequenos contos e poemas.

Em 1932, mudou-se novamente com a sua família para o Rio de Janeiro, onde frequentou o Colégio Silvio Leite até completar o ginasial. Em 1939, quanto tinha 19 anos, ingressou no curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde começa a se dedicar à sua paixão pela Literatura, o que a leva a publicar seu primeiro conto, Triunfo, em 1940.

A CARREIRA DE JORNALISTA E PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM

"Já que se há de escrever... que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas."
Clarice em seu ambiente de trabalho, nos anos 1970.
Clarice em seu ambiente de trabalho, nos anos 1970. A imagem está no livro 'Clarice Fotobiografia', organizado por Nádia Battella Gotlib para a Edusp. Foto: Acervo Paulo Gurgel Valente

Ainda em 1940, no entanto, a morte de seu pai a leva a buscar uma carreira de jornalista, trabalhando como redatora e repórter na Agência Nacional, Correio da Manhã e no Diário da Noite, ao mesmo tempo em que continua o seu curso de Direito, que ela completaria em 1944.

Em 1943, casa-se com o seu colega de turma, Maury Gurgel Valente, com quem tem dois filhos, Pedro e Paulo. No ano seguinte, publica o seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, que provocou um enorme espanto na crítica e no público da época por apresentar uma narrativa que quebra a sequência de começo, meio e fim e a ordem cronológica dos fatos, além de misturar prosa e poesia.

A história de Perto do Coração Selvagem acompanha a protagonista Joana em dois momentos da sua vida: sua infância e o início de sua vida adulta. Com uma problemática de caráter existencial e um estilo de escrita solto, elíptico e fragmentário, o livro destoou completamente da tendência regionalista e que abordava personagens contando sobre as dificuldades da realidade social do país que impregnava a literatura brasileira na época. Muitos críticos associaram seu estilo com o de autores como James Joyce e Virginia Woolf, apesar de Clarice afirmar que não lera nenhum dos dois antes de escrever sua obra.

O livro marcou uma nova forma de escrever na Literatura brasileira e inaugurou um estilo que foi extremamente presente na escrita de diversos autores da terceira Geração do Modernismo, a chamada Geração de 45. O sucesso do livro foi tamanho que Clarice recebeu o Prêmio Graça Aranha por ele.

AS VIAGENS COM O MARIDO E AS NOVAS PUBLICAÇÕES

"Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar."
Clarice, em seu apartamento, em meados dos anos 1960, ao redor do lançamento de "A Paixão Segundo G.H." Foto: Bluma Wainer / Acervo Paulo Gurgel Valente

Diplomata de carreira, Maury Gurgel viajava com frequência para fora do Brasil, o que fez com que Clarice o acompanhasse e morasse em diversos países diferentes ao longo dos anos. Ainda em 1944, os dois viajaram para Nápoles, na Itália, onde Clarice atuou como voluntária na equipe de assistentes de enfermagem do hospital da Força Expedicionária Brasileira.

A vida viajando não impediu Clarice de continuar a escrever. Em 1946, publica O Lustre enquanto mora em Berna, na Suíça. Em 1949, publica A Cidade Sitiada, que retrata a solidão e a angústia de Lucrécia Neves, jovem que mora no subúrbio de São Geraldo e que procura por um marido que a tire do tédio e da solidão. Apesar de não ter fluxo de consciência, o romance ainda carrega as grandes marcas de Clarice, como o problema existencial, abordando questões como nostalgia e identidade, a busca por algum evento que a tire da mesmice. Lucrécia é definida por aquilo que vê. Com um narrador em terceira pessoa, a voz da protagonista se cala e dá espaço ao olhar como forma de comunicação. Ao mesmo tempo, temos uma protagonista que se contenta em não ver além da superfície das coisas e que considera a sua vida íntima como algo sem valor.

Em 1952, Clarice publica Alguns Contos, sua primeira coletânea de contos. Após uma temporada de seis meses na Inglaterra, vai para Washington em 1954. Nesse mesmo ano, seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, é publicado em francês.

Em 1959, Clarice e Maury se separam, o que a faz retornar ao Rio de Janeiro. Tão logo voltou ao Brasil, ela retomou sua carreira jornalística, trabalhando para o Correio da Manhã na coluna "Correio Feminino". Em 1960, passou a trabalhar para o Diário da Noite com a coluna "Só Para Mulheres". Ainda em 1960, publicou seu segundo livro de contos, Laços de Família, que recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro.

OS ANOS 60 E OS LIVROS INFANTIS

"Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio."
Foto: Maureen Bissiliat / Acervo Instituto Moreira Salles

Em 1961, Clarice publicou A Maçã no Escuro, que acompanha a história de Martim, fugitivo de uma cena de crime, enquanto ele se refugia em um hotel e sofre diversos pensamentos existencialistas a respeito do crime que acha que cometeu. O livro deixa transparecer a agonia física de Martim e faz do corpo dele o artífice onde Clarice relata as sensações e vai construindo o nosso entendimento aos poucos. Por esse trabalho, ela recebeu o Prêmio Carmem Dolores Barbosa.

Em 1964, publica A Paixão Segundo G.H., onde retoma o fluxo de consciência ao tratar de uma mulher chamada G.H. que, após demitir sua empregada e tentar limpar seu quarto, relata a perda de individualidade sentida após ter esmagado uma barata. O livro fornece à linguagem o lugar de sujeito e constrói ao seu redor um labirinto. É um monólogo em primeira pessoa que se dá pelo jorro ininterrupto da linguagem, que se torna instrumento possível para se tocar o intocável.

Em 1967, Clarice faria sua entrada na Literatura infantil ao publicar O Mistério do Coelhinho Pensante, que recebeu o Prêmio Calunga da Campanha Nacional da Criança. Após essa publicação, a autora ainda publicaria outros quatro títulos de Literatura Infantil ao longo dos anos.

OS ÚLTIMOS ANOS, AS ÚLTIMAS OBRAS

"Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde."
Clarice em seu apartamento, no Rio de Janeiro, na década de 1960

Ainda em 1967, Clarice sofreria um terrível acidente, na qual sofreu queimaduras no corpo e na mão direita após dormir com um cigarro aceso. O acontecimento e fez passar por diversas cirurgias, e ela então se isolou do restante do mundo, mas sem nunca deixar de escrever. No ano seguinte, publicou inúmeras crônicas no Jornal do Brasil.

Clarice Lispector contribuiu com muitas obras para a Literatura brasileira. Por todos os seus feitos, ela passou a integrar o Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Livro no final dos Anos 60 e, em 1976, recebeu o primeiro prêmio do X Concurso Literário Nacional de Brasília, pelo conjunto de sua obra.

Em 1977, publica A Hora da Estrela, sua última publicação em vida. O romance narra a história da datilógrafa Macabéa. Sonhadora e ingênua, Macabéa se muda do Alagoas para o Rio de Janeiro, e logo se vê às voltas com valores culturais completamente diferentes. Vivendo uma vida simples e sem grandes emoções, ela passa por inúmeras desventuras enquanto tenta viver a vida na capital carioca. A Hora da Estrela apresenta um texto exploratório e de caráter bastante reflexivo, cuja narrativa se dá através de um autor fictício que está em conflito consigo mesmo sobre se deve ou não contar essa história. Rodrigo S.M. se estende em questionamentos demorados e pessoais e muitas vezes abandona o enredo, soltando informações sobre a protagonista aos poucos e em meio a esse conflito interno que possui.

Mais uma vez, Clarice apresenta uma crise identitária na sua personagem, que se relaciona muito com os nordestinos que migram para o Sudeste e encontram uma cultura completamente diferente da sua. Macabéa não se percebe como pessoa, apenas sobrevive. É uma protagonista que não compreende muito da vida e sua única ligação com o mundo é um rádio-relógio, que a informa sobre conhecimentos e curiosidades, que ela traz para suas conversas mesmo que não entenda o que está falando.

O livro recebeu grande apreço da crítica e inspirou uma versão cinematográfica, dirigida por Suzana Amaral em 1985. O filme conquistou os maiores prêmios do Festival de Cinema de Brasília, e a atriz principal da trama, Marcelia Cartaxo, recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1986.

Clarice Lispector nunca parou de escrever, e suas obras conquistaram público e crítica com seu estilo inovador e provocante. A escritora faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu aniversário de 57 anos.

A ETERNIDADE DE CLARICE

"Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever."
Clarice Lispector em 10 de março de 1964, em entrevista ao GLOBO

Quando falamos de Clarice Lispector, falamos de uma escritora que trouxe uma enorme inovação para a Literatura Brasileira. Seus trabalhos podem ser considerados como fundadores da Terceira Geração Modernista, e suas obras marcaram a entrada da nossa literatura em um estilo mais intimista, psicológico e reflexivo sobre questões existenciais, mas que também não deixa de abordar aspectos sociais e críticas à sociedade de sua época.

Com um grande uso de monólogos e conflitos internos na trama, Clarice buscou expressar paixões e estados da alma e não se ateve à ordem estabelecida de começo, meio e fim. Por conta disso, suas obras transcendem o tempo e o espaço e a linguagem se sobrepõe aos fatos narrados e, inclusive, ao enredo.

Seu estilo abriu as portas para uma nova infinidade de possibilidades que muitos autores contemporâneos e subsequentes a ela exploram até os dias de hoje. Mais do que isso, a própria obra de Clarice é extremamente atual, e suas questões existenciais refletem problemas que até hoje se encontram presentes em toda a nossa sociedade.

É por isso que, mesmo após mais de 40 anos de sua morte, Clarice Lispector continua sendo uma das autoras mais importantes e mais reverenciadas da cultura brasileira. E é por isso que, no seu aniversário de 100 anos, homenageamos a autora que conseguiu demonstrar paixão em sua escrita de uma forma que poucos conseguiram, e que produziu textos ao mesmo tempo extremamente complexos e dotados de simplicidade.

Esses foram apenas os seus primeiros 100 anos. Os primeiros de sua eternidade.

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Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
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No centenário de Clarice Lispector, relembramos a autora que usou do fluxo de consciência e de uma escrita extremamente inovadora para introduzir as paixões e questões existenciais na literatura brasileira.

crítica por
Luis Henrique Franco
10/12/2020
"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

2020 é um ano histórico. Nele celebramos o centenário de uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos. Clarice Lispector teve uma obra marcada por tramas psicológicas e momentos de epifanias associados a episódios comuns do cotidiano. Seu uso do de técnicas como o fluxo de consciência e a ruptura com o enredo factual são marcantes pela forma como ela coloca a subjetividade em crise em suas obras.

Clarice foi escritora e jornalista, autora de contos, romances e ensaios e uma das figuras mais influentes da literatura nacional ao longo do Século XX, além de uma das escritoras de maior destaque durante a Terceira Fase do Modernismo, a chamada Geração de 45. Seus trabalhos trouxeram importantes reflexões sobre a pesquisa e o uso da linguagem, e sua obra influenciou diversos autores e estudos sobre Literatura Brasileira.

No Centenário dessa grande autora, relembraremos a sua vida, seus maiores livros e o que fez de sua obra uma das mais importantes para o nosso país.

CHEGADA AO BRASIL E PRIMEIROS ANOS

"O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?"
Clarice Lispector com a beca da formatura em direito

Chaya Pinkhasovna Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920, na cidade de Tchetchelnik, na Ucrânia. Filha de judeus, passou os primeiros momentos de sua vida fugindo da perseguição deflagrada pela Guerra Civil Russa. E foi assim que, em 1921, com apenas dois meses de idade, ela chega com sua família a Maceió, no Alagoas.

Por iniciativa de seu pai, a família toda mudou o seu nome ao chegarem à nova moradia, e Chaya passou a se chamar Clarice. Pouco depois de sua chegada ao Brasil, a família se mudou para Recife, onde Clarice estudou durante sua infância, tendo frequentado o Grupo João Barbalho e feito colégio no Ginásio Pernambucano. Aprendeu a ler e a escrever muito jovem e estudou um grande número de línguas diferentes (português, francês, hebraico, inglês e Ídiche), dedicando-se já desde pequena a escrever pequenos contos e poemas.

Em 1932, mudou-se novamente com a sua família para o Rio de Janeiro, onde frequentou o Colégio Silvio Leite até completar o ginasial. Em 1939, quanto tinha 19 anos, ingressou no curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde começa a se dedicar à sua paixão pela Literatura, o que a leva a publicar seu primeiro conto, Triunfo, em 1940.

A CARREIRA DE JORNALISTA E PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM

"Já que se há de escrever... que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas."
Clarice em seu ambiente de trabalho, nos anos 1970.
Clarice em seu ambiente de trabalho, nos anos 1970. A imagem está no livro 'Clarice Fotobiografia', organizado por Nádia Battella Gotlib para a Edusp. Foto: Acervo Paulo Gurgel Valente

Ainda em 1940, no entanto, a morte de seu pai a leva a buscar uma carreira de jornalista, trabalhando como redatora e repórter na Agência Nacional, Correio da Manhã e no Diário da Noite, ao mesmo tempo em que continua o seu curso de Direito, que ela completaria em 1944.

Em 1943, casa-se com o seu colega de turma, Maury Gurgel Valente, com quem tem dois filhos, Pedro e Paulo. No ano seguinte, publica o seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, que provocou um enorme espanto na crítica e no público da época por apresentar uma narrativa que quebra a sequência de começo, meio e fim e a ordem cronológica dos fatos, além de misturar prosa e poesia.

A história de Perto do Coração Selvagem acompanha a protagonista Joana em dois momentos da sua vida: sua infância e o início de sua vida adulta. Com uma problemática de caráter existencial e um estilo de escrita solto, elíptico e fragmentário, o livro destoou completamente da tendência regionalista e que abordava personagens contando sobre as dificuldades da realidade social do país que impregnava a literatura brasileira na época. Muitos críticos associaram seu estilo com o de autores como James Joyce e Virginia Woolf, apesar de Clarice afirmar que não lera nenhum dos dois antes de escrever sua obra.

O livro marcou uma nova forma de escrever na Literatura brasileira e inaugurou um estilo que foi extremamente presente na escrita de diversos autores da terceira Geração do Modernismo, a chamada Geração de 45. O sucesso do livro foi tamanho que Clarice recebeu o Prêmio Graça Aranha por ele.

AS VIAGENS COM O MARIDO E AS NOVAS PUBLICAÇÕES

"Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar."
Clarice, em seu apartamento, em meados dos anos 1960, ao redor do lançamento de "A Paixão Segundo G.H." Foto: Bluma Wainer / Acervo Paulo Gurgel Valente

Diplomata de carreira, Maury Gurgel viajava com frequência para fora do Brasil, o que fez com que Clarice o acompanhasse e morasse em diversos países diferentes ao longo dos anos. Ainda em 1944, os dois viajaram para Nápoles, na Itália, onde Clarice atuou como voluntária na equipe de assistentes de enfermagem do hospital da Força Expedicionária Brasileira.

A vida viajando não impediu Clarice de continuar a escrever. Em 1946, publica O Lustre enquanto mora em Berna, na Suíça. Em 1949, publica A Cidade Sitiada, que retrata a solidão e a angústia de Lucrécia Neves, jovem que mora no subúrbio de São Geraldo e que procura por um marido que a tire do tédio e da solidão. Apesar de não ter fluxo de consciência, o romance ainda carrega as grandes marcas de Clarice, como o problema existencial, abordando questões como nostalgia e identidade, a busca por algum evento que a tire da mesmice. Lucrécia é definida por aquilo que vê. Com um narrador em terceira pessoa, a voz da protagonista se cala e dá espaço ao olhar como forma de comunicação. Ao mesmo tempo, temos uma protagonista que se contenta em não ver além da superfície das coisas e que considera a sua vida íntima como algo sem valor.

Em 1952, Clarice publica Alguns Contos, sua primeira coletânea de contos. Após uma temporada de seis meses na Inglaterra, vai para Washington em 1954. Nesse mesmo ano, seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, é publicado em francês.

Em 1959, Clarice e Maury se separam, o que a faz retornar ao Rio de Janeiro. Tão logo voltou ao Brasil, ela retomou sua carreira jornalística, trabalhando para o Correio da Manhã na coluna "Correio Feminino". Em 1960, passou a trabalhar para o Diário da Noite com a coluna "Só Para Mulheres". Ainda em 1960, publicou seu segundo livro de contos, Laços de Família, que recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro.

OS ANOS 60 E OS LIVROS INFANTIS

"Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio."
Foto: Maureen Bissiliat / Acervo Instituto Moreira Salles

Em 1961, Clarice publicou A Maçã no Escuro, que acompanha a história de Martim, fugitivo de uma cena de crime, enquanto ele se refugia em um hotel e sofre diversos pensamentos existencialistas a respeito do crime que acha que cometeu. O livro deixa transparecer a agonia física de Martim e faz do corpo dele o artífice onde Clarice relata as sensações e vai construindo o nosso entendimento aos poucos. Por esse trabalho, ela recebeu o Prêmio Carmem Dolores Barbosa.

Em 1964, publica A Paixão Segundo G.H., onde retoma o fluxo de consciência ao tratar de uma mulher chamada G.H. que, após demitir sua empregada e tentar limpar seu quarto, relata a perda de individualidade sentida após ter esmagado uma barata. O livro fornece à linguagem o lugar de sujeito e constrói ao seu redor um labirinto. É um monólogo em primeira pessoa que se dá pelo jorro ininterrupto da linguagem, que se torna instrumento possível para se tocar o intocável.

Em 1967, Clarice faria sua entrada na Literatura infantil ao publicar O Mistério do Coelhinho Pensante, que recebeu o Prêmio Calunga da Campanha Nacional da Criança. Após essa publicação, a autora ainda publicaria outros quatro títulos de Literatura Infantil ao longo dos anos.

OS ÚLTIMOS ANOS, AS ÚLTIMAS OBRAS

"Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde."
Clarice em seu apartamento, no Rio de Janeiro, na década de 1960

Ainda em 1967, Clarice sofreria um terrível acidente, na qual sofreu queimaduras no corpo e na mão direita após dormir com um cigarro aceso. O acontecimento e fez passar por diversas cirurgias, e ela então se isolou do restante do mundo, mas sem nunca deixar de escrever. No ano seguinte, publicou inúmeras crônicas no Jornal do Brasil.

Clarice Lispector contribuiu com muitas obras para a Literatura brasileira. Por todos os seus feitos, ela passou a integrar o Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Livro no final dos Anos 60 e, em 1976, recebeu o primeiro prêmio do X Concurso Literário Nacional de Brasília, pelo conjunto de sua obra.

Em 1977, publica A Hora da Estrela, sua última publicação em vida. O romance narra a história da datilógrafa Macabéa. Sonhadora e ingênua, Macabéa se muda do Alagoas para o Rio de Janeiro, e logo se vê às voltas com valores culturais completamente diferentes. Vivendo uma vida simples e sem grandes emoções, ela passa por inúmeras desventuras enquanto tenta viver a vida na capital carioca. A Hora da Estrela apresenta um texto exploratório e de caráter bastante reflexivo, cuja narrativa se dá através de um autor fictício que está em conflito consigo mesmo sobre se deve ou não contar essa história. Rodrigo S.M. se estende em questionamentos demorados e pessoais e muitas vezes abandona o enredo, soltando informações sobre a protagonista aos poucos e em meio a esse conflito interno que possui.

Mais uma vez, Clarice apresenta uma crise identitária na sua personagem, que se relaciona muito com os nordestinos que migram para o Sudeste e encontram uma cultura completamente diferente da sua. Macabéa não se percebe como pessoa, apenas sobrevive. É uma protagonista que não compreende muito da vida e sua única ligação com o mundo é um rádio-relógio, que a informa sobre conhecimentos e curiosidades, que ela traz para suas conversas mesmo que não entenda o que está falando.

O livro recebeu grande apreço da crítica e inspirou uma versão cinematográfica, dirigida por Suzana Amaral em 1985. O filme conquistou os maiores prêmios do Festival de Cinema de Brasília, e a atriz principal da trama, Marcelia Cartaxo, recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1986.

Clarice Lispector nunca parou de escrever, e suas obras conquistaram público e crítica com seu estilo inovador e provocante. A escritora faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu aniversário de 57 anos.

A ETERNIDADE DE CLARICE

"Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever."
Clarice Lispector em 10 de março de 1964, em entrevista ao GLOBO

Quando falamos de Clarice Lispector, falamos de uma escritora que trouxe uma enorme inovação para a Literatura Brasileira. Seus trabalhos podem ser considerados como fundadores da Terceira Geração Modernista, e suas obras marcaram a entrada da nossa literatura em um estilo mais intimista, psicológico e reflexivo sobre questões existenciais, mas que também não deixa de abordar aspectos sociais e críticas à sociedade de sua época.

Com um grande uso de monólogos e conflitos internos na trama, Clarice buscou expressar paixões e estados da alma e não se ateve à ordem estabelecida de começo, meio e fim. Por conta disso, suas obras transcendem o tempo e o espaço e a linguagem se sobrepõe aos fatos narrados e, inclusive, ao enredo.

Seu estilo abriu as portas para uma nova infinidade de possibilidades que muitos autores contemporâneos e subsequentes a ela exploram até os dias de hoje. Mais do que isso, a própria obra de Clarice é extremamente atual, e suas questões existenciais refletem problemas que até hoje se encontram presentes em toda a nossa sociedade.

É por isso que, mesmo após mais de 40 anos de sua morte, Clarice Lispector continua sendo uma das autoras mais importantes e mais reverenciadas da cultura brasileira. E é por isso que, no seu aniversário de 100 anos, homenageamos a autora que conseguiu demonstrar paixão em sua escrita de uma forma que poucos conseguiram, e que produziu textos ao mesmo tempo extremamente complexos e dotados de simplicidade.

Esses foram apenas os seus primeiros 100 anos. Os primeiros de sua eternidade.

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Biográfico

Clarice Lispector

No centenário de Clarice Lispector, relembramos a autora que usou do fluxo de consciência e de uma escrita extremamente inovadora para introduzir as paixões e questões existenciais na literatura brasileira.

escrito por
Luis Henrique Franco
10/12/2020
Clarice Lispector
Escritora
nascimento
1920-1977
2020 marca o centenário da escritora e jornalista Clarice Lispector, autora de contos, ensaios e romances que estão entre os mais importantes da literatura brasileira do Século XX. Venha saber mais sobre essa autora tão influente e tão importante para a nossa cultura!

No centenário de Clarice Lispector, relembramos a autora que usou do fluxo de consciência e de uma escrita extremamente inovadora para introduzir as paixões e questões existenciais na literatura brasileira.

escrito por
Luis Henrique Franco
10/12/2020
"Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

2020 é um ano histórico. Nele celebramos o centenário de uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos. Clarice Lispector teve uma obra marcada por tramas psicológicas e momentos de epifanias associados a episódios comuns do cotidiano. Seu uso do de técnicas como o fluxo de consciência e a ruptura com o enredo factual são marcantes pela forma como ela coloca a subjetividade em crise em suas obras.

Clarice foi escritora e jornalista, autora de contos, romances e ensaios e uma das figuras mais influentes da literatura nacional ao longo do Século XX, além de uma das escritoras de maior destaque durante a Terceira Fase do Modernismo, a chamada Geração de 45. Seus trabalhos trouxeram importantes reflexões sobre a pesquisa e o uso da linguagem, e sua obra influenciou diversos autores e estudos sobre Literatura Brasileira.

No Centenário dessa grande autora, relembraremos a sua vida, seus maiores livros e o que fez de sua obra uma das mais importantes para o nosso país.

CHEGADA AO BRASIL E PRIMEIROS ANOS

"O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?"
Clarice Lispector com a beca da formatura em direito

Chaya Pinkhasovna Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920, na cidade de Tchetchelnik, na Ucrânia. Filha de judeus, passou os primeiros momentos de sua vida fugindo da perseguição deflagrada pela Guerra Civil Russa. E foi assim que, em 1921, com apenas dois meses de idade, ela chega com sua família a Maceió, no Alagoas.

Por iniciativa de seu pai, a família toda mudou o seu nome ao chegarem à nova moradia, e Chaya passou a se chamar Clarice. Pouco depois de sua chegada ao Brasil, a família se mudou para Recife, onde Clarice estudou durante sua infância, tendo frequentado o Grupo João Barbalho e feito colégio no Ginásio Pernambucano. Aprendeu a ler e a escrever muito jovem e estudou um grande número de línguas diferentes (português, francês, hebraico, inglês e Ídiche), dedicando-se já desde pequena a escrever pequenos contos e poemas.

Em 1932, mudou-se novamente com a sua família para o Rio de Janeiro, onde frequentou o Colégio Silvio Leite até completar o ginasial. Em 1939, quanto tinha 19 anos, ingressou no curso de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde começa a se dedicar à sua paixão pela Literatura, o que a leva a publicar seu primeiro conto, Triunfo, em 1940.

A CARREIRA DE JORNALISTA E PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM

"Já que se há de escrever... que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas."
Clarice em seu ambiente de trabalho, nos anos 1970.
Clarice em seu ambiente de trabalho, nos anos 1970. A imagem está no livro 'Clarice Fotobiografia', organizado por Nádia Battella Gotlib para a Edusp. Foto: Acervo Paulo Gurgel Valente

Ainda em 1940, no entanto, a morte de seu pai a leva a buscar uma carreira de jornalista, trabalhando como redatora e repórter na Agência Nacional, Correio da Manhã e no Diário da Noite, ao mesmo tempo em que continua o seu curso de Direito, que ela completaria em 1944.

Em 1943, casa-se com o seu colega de turma, Maury Gurgel Valente, com quem tem dois filhos, Pedro e Paulo. No ano seguinte, publica o seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, que provocou um enorme espanto na crítica e no público da época por apresentar uma narrativa que quebra a sequência de começo, meio e fim e a ordem cronológica dos fatos, além de misturar prosa e poesia.

A história de Perto do Coração Selvagem acompanha a protagonista Joana em dois momentos da sua vida: sua infância e o início de sua vida adulta. Com uma problemática de caráter existencial e um estilo de escrita solto, elíptico e fragmentário, o livro destoou completamente da tendência regionalista e que abordava personagens contando sobre as dificuldades da realidade social do país que impregnava a literatura brasileira na época. Muitos críticos associaram seu estilo com o de autores como James Joyce e Virginia Woolf, apesar de Clarice afirmar que não lera nenhum dos dois antes de escrever sua obra.

O livro marcou uma nova forma de escrever na Literatura brasileira e inaugurou um estilo que foi extremamente presente na escrita de diversos autores da terceira Geração do Modernismo, a chamada Geração de 45. O sucesso do livro foi tamanho que Clarice recebeu o Prêmio Graça Aranha por ele.

AS VIAGENS COM O MARIDO E AS NOVAS PUBLICAÇÕES

"Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar."
Clarice, em seu apartamento, em meados dos anos 1960, ao redor do lançamento de "A Paixão Segundo G.H." Foto: Bluma Wainer / Acervo Paulo Gurgel Valente

Diplomata de carreira, Maury Gurgel viajava com frequência para fora do Brasil, o que fez com que Clarice o acompanhasse e morasse em diversos países diferentes ao longo dos anos. Ainda em 1944, os dois viajaram para Nápoles, na Itália, onde Clarice atuou como voluntária na equipe de assistentes de enfermagem do hospital da Força Expedicionária Brasileira.

A vida viajando não impediu Clarice de continuar a escrever. Em 1946, publica O Lustre enquanto mora em Berna, na Suíça. Em 1949, publica A Cidade Sitiada, que retrata a solidão e a angústia de Lucrécia Neves, jovem que mora no subúrbio de São Geraldo e que procura por um marido que a tire do tédio e da solidão. Apesar de não ter fluxo de consciência, o romance ainda carrega as grandes marcas de Clarice, como o problema existencial, abordando questões como nostalgia e identidade, a busca por algum evento que a tire da mesmice. Lucrécia é definida por aquilo que vê. Com um narrador em terceira pessoa, a voz da protagonista se cala e dá espaço ao olhar como forma de comunicação. Ao mesmo tempo, temos uma protagonista que se contenta em não ver além da superfície das coisas e que considera a sua vida íntima como algo sem valor.

Em 1952, Clarice publica Alguns Contos, sua primeira coletânea de contos. Após uma temporada de seis meses na Inglaterra, vai para Washington em 1954. Nesse mesmo ano, seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem, é publicado em francês.

Em 1959, Clarice e Maury se separam, o que a faz retornar ao Rio de Janeiro. Tão logo voltou ao Brasil, ela retomou sua carreira jornalística, trabalhando para o Correio da Manhã na coluna "Correio Feminino". Em 1960, passou a trabalhar para o Diário da Noite com a coluna "Só Para Mulheres". Ainda em 1960, publicou seu segundo livro de contos, Laços de Família, que recebeu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro.

OS ANOS 60 E OS LIVROS INFANTIS

"Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio."
Foto: Maureen Bissiliat / Acervo Instituto Moreira Salles

Em 1961, Clarice publicou A Maçã no Escuro, que acompanha a história de Martim, fugitivo de uma cena de crime, enquanto ele se refugia em um hotel e sofre diversos pensamentos existencialistas a respeito do crime que acha que cometeu. O livro deixa transparecer a agonia física de Martim e faz do corpo dele o artífice onde Clarice relata as sensações e vai construindo o nosso entendimento aos poucos. Por esse trabalho, ela recebeu o Prêmio Carmem Dolores Barbosa.

Em 1964, publica A Paixão Segundo G.H., onde retoma o fluxo de consciência ao tratar de uma mulher chamada G.H. que, após demitir sua empregada e tentar limpar seu quarto, relata a perda de individualidade sentida após ter esmagado uma barata. O livro fornece à linguagem o lugar de sujeito e constrói ao seu redor um labirinto. É um monólogo em primeira pessoa que se dá pelo jorro ininterrupto da linguagem, que se torna instrumento possível para se tocar o intocável.

Em 1967, Clarice faria sua entrada na Literatura infantil ao publicar O Mistério do Coelhinho Pensante, que recebeu o Prêmio Calunga da Campanha Nacional da Criança. Após essa publicação, a autora ainda publicaria outros quatro títulos de Literatura Infantil ao longo dos anos.

OS ÚLTIMOS ANOS, AS ÚLTIMAS OBRAS

"Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde."
Clarice em seu apartamento, no Rio de Janeiro, na década de 1960

Ainda em 1967, Clarice sofreria um terrível acidente, na qual sofreu queimaduras no corpo e na mão direita após dormir com um cigarro aceso. O acontecimento e fez passar por diversas cirurgias, e ela então se isolou do restante do mundo, mas sem nunca deixar de escrever. No ano seguinte, publicou inúmeras crônicas no Jornal do Brasil.

Clarice Lispector contribuiu com muitas obras para a Literatura brasileira. Por todos os seus feitos, ela passou a integrar o Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Livro no final dos Anos 60 e, em 1976, recebeu o primeiro prêmio do X Concurso Literário Nacional de Brasília, pelo conjunto de sua obra.

Em 1977, publica A Hora da Estrela, sua última publicação em vida. O romance narra a história da datilógrafa Macabéa. Sonhadora e ingênua, Macabéa se muda do Alagoas para o Rio de Janeiro, e logo se vê às voltas com valores culturais completamente diferentes. Vivendo uma vida simples e sem grandes emoções, ela passa por inúmeras desventuras enquanto tenta viver a vida na capital carioca. A Hora da Estrela apresenta um texto exploratório e de caráter bastante reflexivo, cuja narrativa se dá através de um autor fictício que está em conflito consigo mesmo sobre se deve ou não contar essa história. Rodrigo S.M. se estende em questionamentos demorados e pessoais e muitas vezes abandona o enredo, soltando informações sobre a protagonista aos poucos e em meio a esse conflito interno que possui.

Mais uma vez, Clarice apresenta uma crise identitária na sua personagem, que se relaciona muito com os nordestinos que migram para o Sudeste e encontram uma cultura completamente diferente da sua. Macabéa não se percebe como pessoa, apenas sobrevive. É uma protagonista que não compreende muito da vida e sua única ligação com o mundo é um rádio-relógio, que a informa sobre conhecimentos e curiosidades, que ela traz para suas conversas mesmo que não entenda o que está falando.

O livro recebeu grande apreço da crítica e inspirou uma versão cinematográfica, dirigida por Suzana Amaral em 1985. O filme conquistou os maiores prêmios do Festival de Cinema de Brasília, e a atriz principal da trama, Marcelia Cartaxo, recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1986.

Clarice Lispector nunca parou de escrever, e suas obras conquistaram público e crítica com seu estilo inovador e provocante. A escritora faleceu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu aniversário de 57 anos.

A ETERNIDADE DE CLARICE

"Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever."
Clarice Lispector em 10 de março de 1964, em entrevista ao GLOBO

Quando falamos de Clarice Lispector, falamos de uma escritora que trouxe uma enorme inovação para a Literatura Brasileira. Seus trabalhos podem ser considerados como fundadores da Terceira Geração Modernista, e suas obras marcaram a entrada da nossa literatura em um estilo mais intimista, psicológico e reflexivo sobre questões existenciais, mas que também não deixa de abordar aspectos sociais e críticas à sociedade de sua época.

Com um grande uso de monólogos e conflitos internos na trama, Clarice buscou expressar paixões e estados da alma e não se ateve à ordem estabelecida de começo, meio e fim. Por conta disso, suas obras transcendem o tempo e o espaço e a linguagem se sobrepõe aos fatos narrados e, inclusive, ao enredo.

Seu estilo abriu as portas para uma nova infinidade de possibilidades que muitos autores contemporâneos e subsequentes a ela exploram até os dias de hoje. Mais do que isso, a própria obra de Clarice é extremamente atual, e suas questões existenciais refletem problemas que até hoje se encontram presentes em toda a nossa sociedade.

É por isso que, mesmo após mais de 40 anos de sua morte, Clarice Lispector continua sendo uma das autoras mais importantes e mais reverenciadas da cultura brasileira. E é por isso que, no seu aniversário de 100 anos, homenageamos a autora que conseguiu demonstrar paixão em sua escrita de uma forma que poucos conseguiram, e que produziu textos ao mesmo tempo extremamente complexos e dotados de simplicidade.

Esses foram apenas os seus primeiros 100 anos. Os primeiros de sua eternidade.

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