unto com os longas que exaltam a história do cinema e da Academia, outra produção queridinha do Oscar são as biografias, longas que exaltam a história de vida de alguma personalidade, extremamente conhecida ou nem tanto assim, ligada ao cinema, à política, à economia ou às artes, alguém que teve um momento de grande importância na história que definiu seu tempo e o consagrou em toda a história ou alguém com uma vida inteira de feitos para ser lembrado.
O contexto do “baseado em fatos reais” inspira tanto filmes focados na pessoa em questão quando aqueles que se dedicam a um momento mais do que à pessoa em si, mas ressaltam sua importância como protagonista no evento. A biografia pode se dedicar apenas ao momento em si, destacando talvez algumas horas anteriores ou posteriores, pode se prolongar por alguns dias, meses, anos ou cobrir o período de uma vida inteira, dependendo do seu objetivo.
A ATUAÇÃO COMO O GRANDE FOCO

Dentro da competição do Oscar, as biografias nem sempre são selecionadas como o Melhor Filme do Ano. Elas, no entanto, são as principais concorrentes em categorias de atuação, principalmente quando falamos dos prêmios de Protagonistas. Isso porque, quando se faz um filme sobre alguma personalidade e influente ou extremamente conhecida, a história dessa pessoa ganha enfoque e vira tema de debate e pesquisa pelos interessados por filmes. Logo, fica-se curioso para saber como o ator/atriz selecionado(a) para o papel irá interpretá-lo, se será fiel ao personagem real e se convencerá o público diante da situação apresentada pela trama.

Em geral, as biografias mais promissoras envolvem sempre grandes nomes para o papel principal, atores e atrizes que se assemelhem de alguma forma ao personagem a ser destacado ou que consigam retratar suas maneiras e hábitos com mais proximidade. Em muitos casos, uma grande quantidade de maquiagem é envolvida, para que eles se aproximem mais da realidade física de seus personagens, mas a realidade emocional e psicológica fica por conta deles e da maneira como eles interpretam o roteiro.

Por conta disso, esses atores acabam tendo um grande peso em suas mãos. Porque, se analisarmos bem, todas as biografias no cinema são extremamente parecidas entre si, e não apresentam muito de novidade, com exceção de seus temas específicos. Assim sendo, o ator ou a atriz que decide mergulhar em um personagem histórico deve estar disposto a fazer muito mais em sua atuação para se sobressair entre os demais. Biografias são um dos gêneros mais comuns atualmente, e se não foram protagonizadas por alguém capaz de dar mais peso, mais força e mais veracidade ao personagem em questão, serão simplesmente esquecidas.
O PESO DOS FATOS REAIS
Baseando-se em eventos ocorridos de verdade, as biografias não necessariamente são verdadeiras em sua total natureza. Aliás, ser completamente fiel à realidade é um ato impossível para o cinema: em primeiro lugar porque um mesmo fato pode apresentar diferentes versões contadas por diferentes pessoas, e o simples ato de contar um acontecimento pela visão de um personagem específico já elimina de cena uma grande infinidade de verdades possíveis; em segundo porque a própria visão do diretor, mesmo nos raros casos em que não segue algo que lhe é dito por algum envolvido ou por algum livro/jornal/documento sobre o assunto, já é uma versão distorcida pelas próprias ideologias do homem por trás da câmera; e em terceiro, porque o ato do cinema é o ato da dramatização, o que envolve uma certa exageração de alguns momentos da história em detrimento de outros, conturbando o andar da realidade e distorcendo aquilo que chamados de real.
Sendo assim, “baseado em fatos reais” realmente não significa nada além do “baseado”, o ter como base para o início da construção de um filme, o que não significa que mudanças não ocorrerão ao longo da história. Para a maioria das pessoas, que não estão familiarizadas com a história da personalidade retratada, essas mudanças passam despercebidas, e é preciso que pesquisas feitas em documentos da época ou a existência de pessoas que vivenciaram o momento venham para nos apontar essas diferenças entre a ficção e a realidade.
A GLORIFICAÇÃO DOS CHAMADOS “HERÓIS”

Muitas das biografias realizadas para o cinema são geralmente destinadas a exaltar os feitos daqueles que, na história da maneira como veio a ser contada para nós, são ditos como heróis. Através dessa noção de heroísmo, algo que o cinema adora cultivar, diversos personagens icônicos são exaltados por suas ações e por sua moral, mesmo que alguns momentos possam ser problemáticos para eles e mesmo que em outros momentos suas ações não sejam as mais corretas possíveis. Mas somos tentados a perdoar esses momentos pois a construção do filme nos leva a acreditar no heroísmo do protagonista e a enxerga-lo como a figura triunfal na maioria dos casos.
Grandes biografias que acompanham a vida de pessoas famosas, como é o caso de Bohemian Rapsody ou A Teoria de Tudo, são capazes de mostrar tanto os lados positivos quanto os negativos de seus protagonistas, mas são levadas a focar um pouco mais nos primeiros em razão de se tratarem de pessoas bem-vistas ainda hoje. E mesmo em momentos negativos, somos levados por um caminho onde a narrativa aponta uma rápida redenção para esses problemas, como se não fossem nada além de maus momentos passageiros. Em se tratando do cinema americano, uma grande parte dos “heróis” glorificados pelos filmes são aqueles que tiveram seu papel em guerras, como é o caso de Até o Último Homem e Sniper Americano, talvez dos exemplos mais radicais dos últimos anos.

Em outros casos, somos levados desde o começo a perceber os grandes problemas que circundam a personagem, o que a acaba levando por caminhos perigosos. Mas ainda assim, é da natureza do cinema buscar um final feliz, ou pelo menos o mais feliz possível para seus personagens. É o caso de Garota, Interrompida, onde toda a trama foca na relação de Susanna Kaysen (Winona Ryder) com uma outra paciente mental (Angelina Jolie), o que acaba apenas por piorar ainda mais a sua própria condição. Contudo, no final do filme, vemos a mudança de atitude da protagonista e sua luta para melhorar como uma redenção e uma segunda chance que ela não perde tempo em aproveitar.

O MONSTRO EXPLICADO
Diante de tudo isso, por que alguém optaria por uma biografia de uma pessoa que não fosse bem vista? Por que fazer um filme dedicado a um indivíduo famoso por trazer desgraça ao mundo, conhecido por atos maléficos? Um criminoso, um tirano, um assassino ou um corrupto merecem um filme próprio?
Entre os muitos que acreditam que sim, está o diretor Oliver Hirschbiegel, que em 2005 dirigiu o filme A Queda – As Últimas Horas de Hitler. O protagonista desse longa é ninguém menos do que o ditador nazista Adolf Hitler. Durante as mais de duas horas de filme, acompanhamos os dias do ditador e sua família dentro do último bunker de Berlim, enquanto a cidade era lentamente tomada pelas forças russas. Durante esse tempo, Hitler (Bruno Ganz) nos é apresentado em toda a sua loucura e histeria, ainda convencido da superioridade de seu povo e de seu exército e disposto ao sacrifício do último berlinense para manter o nazismo de pé.

Outro que seguiu por esse caminho é o diretor Adam McKay, conhecido pelo filme A Grande Aposta e que retorna ao cinema em 2018 com o filme Vice, que coloca Christian Bale no papel de Dick Cheney, o notório e terrível vice-presidente de George W. Bush (Sam Rockwell) que, através de sua lábia, conseguiu comandar algum dos setores mais importantes do país e ter um papel mais que crucial em eventos como a Invasão do Iraque em 2003. Seus feitos durante o governo Bush o tornaram um dos políticos mais odiados do mundo. Então, por que alguém iria querer fazer um filme sobre ele?

A questão dos filmes com protagonistas odiados tem como base a ideia do conhecimento do mal e de sua influência. Não é porque essas personalidades foram terríveis para a História que não tenham histórias importantes para serem contadas. Em muitos casos, é inclusive de vital importância que elas sejam extremamente bem contadas, para que todos tenham no mínimo uma noção do que foi que aconteceu naqueles momentos e porque essas personalidades são tão mal lembradas. De certa forma, as biografias cinematográficas reforçam a História e ajudam a perpetuar na mente do público acontecimentos que não deveriam ser esquecidos, tanto bons quanto maus.
VERSÕES QUE “PERDOAM”
Ainda dentro das biografias sobre personalidades questionáveis, existem aquelas que buscam dar um outro olhar sobre seus protagonistas, não negando as ações ruins e insanas que eles cometeram, mas fornecendo uma visão alternativa sobre os fatos que acaba por “apaziguar” os atos cometidos. Se analisarmos bem, muitas personalidades só são colocadas como loucas ou como vilãs por causa da versão oficial que se instaurou, mas elas próprias possuem versões dos acontecimentos que nunca chegaram a ser contadas.

Eu,Tonya segue por esse caminho ao abordar a história da polêmica patinadora Tonya Harding, conhecida por seu temperamento e que obteve infâmia após a terrível sabotagem de sua adversária, Nancy Kerrigan, que teve sua perna quebrada, algo que muitos acusaram ter sido feito por Tonya. Com uma pegada de humor ácido, o filme usa de diversos relatos e entrevistas de Tonya, seu marido e sua mãe para construir diferentes versões da vida da patinadora, conseguindo ao mesmo tempo dar toda a situação da vida conturbada da atleta e suas loucuras e nos fazer simpatizar por ela, dando a entender que o incidente com Nancy não foi nem sua obra e nem sua ordem. O final, onde a própria Tonya (Margot Robbie) em sua narração afirma “Os Estados Unidos querem alguém para amar, mas também alguém para odiar” é o resumo perfeito do que as biografias tentam fazer. Enquanto umas tentam criar heróis para serem amados e vilões para serem odiados, algumas mais recentes tentam desconstruir esses conceitos e mostrar o lado daqueles chamados de vilões.
Por qual desses caminhos você acha que o filme Vice, que estreia essa semana, irá seguir? Será um filme que tentará transformar o repudiado Dick Cheney em alguém com uma justificativa para seus atos? Ou será um longa que condenará ainda mais as suas ações diante do público? Deixe nos comentários!