ESSE É UM TEXTO OPINATIVO. OS ARGUMENTOS APONTADOS AQUI REFEREM-SE APENAS AOS PENSAMENTOS E OPINIÕES DO AUTOR
Antes de começar realmente esse texto, quero dizer que não sou um super fã de Star Wars, mas carrego um grande carinho pela saga e acompanhei essa jornada por um longo tempo. Assim, mesmo que não seja o meu filme ou a minha franquia favorita, com certeza figura entre as minhas sagas favoritas, e é um pouco triste que as minhas expectativas para o futuro dela não sejam muito animadoras. Dito isso, deixo aqui alguns pontos sobre os quais tenho refletido faz um tempo.
No começo desse ano, Dave Filoni e os executivos da Disney lançaram a tão aguardada última temporada de Star Wars: The Clone Wars, série animada que narra os acontecimentos ocorridos entre os Episódios II e III de Star Wars. O que parecia ser uma série sem um fim definitivo logo ganhou a sua aclamada conclusão, e eu, como grande fã dessa produção em particular, adorei ver a maneira como eles concluíram alguns arcos deixados de fora das temporadas anteriores.
Assistir The Clone Wars novamente me deu ânimo para revisitar a saga dos filmes, algo que eu não fazia há um bom tempo. Então, alguns meses depois de concluir a série, me pus a assistir todos os onze filmes lançados até agora de Star Wars. E apesar de ter sido uma experiência maravilhosa revisitar essa icônica aventura e todos os seus personagens, quando finalmente cheguei na nova trilogia, algo rapidamente começou a me incomodar. Na minha cabeça, não conseguia imaginar que a Disney e a Lucasfilm tinham sido as mesmas companhias responsáveis tanto pelos Episódios VII, VIII e IX de Star Wars quanto pelo final de The Clone Wars, pois a diferença entre essas produções é notável. Após alguns meses pensando, cheguei a um ponto sobre essa diferença: ao contrário dos filmes anteriores e da série animada, a trilogia sequel não apresenta cenas com o mesmo impacto emocional que as produções anteriores. Esse não é nem de longe o único problema que esses filmes apresentam, mas é um sobre o qual vale a pena refletirmos um pouco, comparando o final de The Clone Wars com algumas das cenas mais marcantes dos episódios VII, VIII e IX.

UMA SAGA DE CENAS IMORTAIS
Star Wars é uma saga que se construiu desde o seu início sobre uma aventura grandiosa e recheada de momentos emocionantes e memoráveis. Seja pela construção da cena em si, ou pelo apego que temos aos personagens, ou pelo uso exemplar da trilha sonora, esses momentos recheiam a memória de todos os fãs e são constantemente lembrados e citados a todo o momento.
O primeiro filme, Uma Nova Esperança, já se constrói sobre algumas cenas memoráveis. A própria cena de abertura, que coloca a diferença alarmante entre o veículo de fuga da rebelião e o destroier imperial, o ataque dos stormtroopers e a entrada de Darth Vader já é suficiente para nos colocar na ponta da cadeira, antes mesmo de sabermos direito o que estamos assistindo.
Depois dessa cena inicial, o primeiro filme introduz uma grande sequência de cenas que atacam o emocional dos fãs, e mesmo aqueles que começaram a assistir a saga agora sentem o impacto dessas cenas: Luke olhando o pôr do sol em Tatooine ao som de Binary Sunset; a destruição de Alderaan; a morte do Velho Ben Kenobi; a destruição da Estrela da Morte. Todas elas são cenas extremamente memoráveis e que iniciam uma longa saga de maneira chocante e intrigante.
O Império Contra-Ataca apresentou também uma grande quantidade de cenas que praticamente moldaram toda a saga a partir de então. O ataque em Hoth, o treinamento com Yoda, a relação entre Han e Léia, o confronto entre Luke e Vader e, principalmente, a revelação da identidade de Vader.
Quando eu falo sobre momentos realmente impactantes, esse é talvez o melhor exemplo dentro dessa saga. Sua importância e o choque que é trazido com ela moldam a saga emocionalmente e narrativamente. O objetivo de Luke no Episódio VI muda completamente de derrotar Vader para redimi-lo por causa dessa cena. Toda a trilogia prequel é pensada para explicar essa única cena. Resumindo, praticamente toda a saga de Star Wars se molda a partir desse breve episódio.
Já que citamos a trilogia prequel, é importante dizer que os dois primeiros filmes dessa etapa da saga são talvez os mais fracos em momentos emocionantes ou impactantes, o que contribui para que eles sejam os mais fracos da saga. Ainda assim, o confronto com Maul realmente cria um clímax tenso no Episódio I, principalmente pelo uso de Duel of the Fates na trilha sonora. Já o Episódio II sofre muito com seus momentos marcantes, que são praticamente nulos ao longo de boa parte da trama, mas é possível citar o confronto entre Anakin e o povo da areia, talvez o único momento em que a sua passagem para o lado sombrio é mostrada antes de ele se tornar Vader.
A Vingança dos Sith é o momento em que essa trilogia impacta definitivamente na história e apresenta momentos essenciais para a trilogia original, como a ascensão de Vader, a execução da Ordem 66 e o duelo em Mustafar. Essas cenas tornam-se impactantes não apenas pela sua execução, mas também porque os fãs da saga original sabem o que vai resultar desses momentos e podem ver as consequências deles se desenrolando nos episódios posteriores à franquia.
Esse talvez seja o principal ponto sobre Star Wars. Seus momentos épicos não são apenas surpreendentes e impactantes porque desafiam nossas expectativas. Eles são marcantes porque se unem à história contada e afetam ela de uma forma visível para o espectador.
A TRILOGIA DISNEY: NOSTALGIA E IMPACTO VAZIO
Eu não vou dizer aqui que a trilogia sequel não possui momentos impactantes ou marcantes. Muito pelo contrário. Contudo, esses momentos parecem mais interessados em chocar a audiência e provocar um sentimento nostálgico do que efetivamente contribuir para a história como um todo, de forma que várias cenas que poderiam ser épicas acabam se perdendo por influenciarem muito pouco na história.
Começando por O Despertar da Força, temos um filme cheio de potencial. A primeira cena, que mostra o ataque da Primeira Ordem a um vilarejo e a brutalidade exercida, já coloca para nós a existência de uma força tão violenta e aterradora quanto o Império, sensação essa que é reforçada pelo discurso de Hux na inauguração da Base Starkiller. Assim, logo no primeiro filme da trilogia, somos colocados diante de vilões que tem potencial para serem piores do que os vilões anteriores, mais insanos e com menos escrúpulos. Contudo, os filmes subsequentes tratam a Primeira Ordem como uma piada, destruindo toda essa aura séria estabelecida pelo primeiro filme e rompendo com nossas expectativas.
Esse é um dos principais problemas com a nova trilogia. Devido à constante troca de diretores e roteiristas, as cenas estabelecidas em um filme são ignoradas no seguinte, não tendo dessa forma um impacto na história e não repercutindo na memória dos fãs. O sacrifício de Luke em Os Últimos Jedi sofre desse mesmo problema. A premissa é boa, a cena é bem feita e encerra bem o arco do personagem durante aquele filme. Contudo, não só este arco entra em conflito com o desenvolvimento do personagem durante a trilogia original, como o próprio sacrifício perde seu valor sentimental por causa do tom extremamente positivo do final do episódio VIII e do episódio IX, sem que em nenhum momento sua morte seja, de fato, pesada junto à franquia.
Outro grande problema dessa trilogia é o contínuo uso de cenas que pretendem ser impactantes, mas que não oferecem nada além de uma surpresa passageira: a morte prematura de Snoke, o retorno de Lando, o uso do cruzador em velocidade da luz para destruir uma frota, nenhuma dessas cenas possui um resultado a longo prazo, e se tornam facilmente esquecíveis pelo público. Compare qualquer uma dessas cenas com a revelação de Vader, e você entenderá a diferença. Império Contra-Ataca não buscou apenas o choque, mas procurou criar algo desse choque, e conseguiu produzir a cena definitiva de uma saga, lembrada e replicada até hoje e que, mesmo após quarenta anos, continua sendo incrivelmente surpreendente. A trilogia sequel, apesar de produzir cenas visualmente impactantes, não conseguiu criar esse mesmo peso para seus momentos mais impressionantes.
E a trilogia sequel possui mais um problema: seu excessivo uso de nostalgia. Não é à toa que os momentos mais marcantes dessa fase da saga são aqueles que envolvem os velhos personagens, pois é muito mais fácil criar respostas emotivas dos fãs trazendo personagens que eles já conhecem do que explorando seus novos personagens. Alguns exemplos de cenas desse tipo são a morte de Han, o diálogo entre Luke e Yoda em Os Últimos Jedi, o já mencionado sacrifício de Luke e uma grande sequência de cenas que vai da morte de Leia aos preparativos para a batalha final, e que talvez sejam as únicas boas cenas de A Ascensão Skywalker. O problema de depender da nostalgia é que esta não traz experiências novas, mas constrói suas emoções a partir de sentimentos já vivenciados pelo público, o que o leva apenas a relembrar os momentos épicos já vivenciados, ao invés de experimentar novos momentos marcantes e emocionantes.
THE CLONE WARS: UMA SÉRIE PARA SE LEMBRAR
Eu acredito que não seja preciso falar da série inteira para mostrar como ela é mais impactante para o universo de Star Wars do que toda a trilogia sequel. Tudo o que precisamos é analisar a cena final da série, lançada no começo desse ano. Por causa disso, aqui fica um Alerta de Spoiler, para o caso de alguém não ter assistido à série.

Os últimos episódios de The Clone Wars focam no arco do Cerco de Mandalore e acompanham Ahsoka Tano, ex-aprendiz de Anakin, e o comandante clone Rex enquanto eles tomam o controle do planeta Mandalore das mãos do líder criminal Darth Maul. Esse arco é extremamente bem construído por vários motivos: trabalha muito bem os personagens criados durante a própria série, em especial Ahsoka e Rex, respeitando suas evoluções ao longo das temporadas e a relação que ambos têm entre si; explora temas vistos ao longo das outras temporadas, como a lealdade dos clones, a falha dos jedi e a capacidade de se tomar decisões por conta própria; acompanha os dias finais das Guerras Clônicas e reflete sobre os acontecimentos do Episódio III, criando uma conexão definitiva entre a série e os filmes. Por causa disso, vemos os efeitos dos momentos de a Vingança dos Sith influenciando personagens que não estavam presentes no filme, e percebemos como as decisões deles influenciam o futuro da história da saga, a ser acompanhada em outras produções como Solo: Uma História Star Wars, Rogue One e a série Rebels. Isso não é apenas nostalgia, mas sim a construção de uma nova história que está conectada com uma velha, sendo influenciada por ela ao mesmo tempo em que a influencia.
No fechamento do arco, a ordem 66 é executada e todos os clones que serviram com tamanha lealdade ao lado de Ahsoka se voltam contra ela. Esse momento é ainda mais doloroso do que a Ordem 66 mostrada nos filmes, pois na série estivemos ao lado dos clones desde o princípio e aprendemos a respeitá-los, admirá-los e a vê-los como muito mais do que simples soldados na frente de batalha, percebendo o crescimento individual de cada um dos principais personagens clones abordados. Especialmente no caso de Rex, que também se volta contra Ahsoka, vemos um grande amigo, um dos protagonistas da série e um dos principais clones pelo qual nutrimos sentimentos se tornar um mal que ele não deseja ser, mas que é forçado sobre ele pelos chips implantados nas cabeças de todos os soldados, e que os forçam a seguir a Ordem 66 quando ela for demandada. Os fãs da série sabem o significado de lealdade para os clones, e é doloroso ver essa mesma lealdade ser usada para forçar a execução de uma ordem que eles, por si só, considerariam abominável.
No final, Ahsoka consegue remover o chip de Rex e os dois fogem do cruzador em que se encontram enquanto ele cai na superfície de um planeta. A cena de fechamento mostra Ahsoka prestando homenagem a todos os seus soldados mortos antes de desaparecer na galáxia, para depois cortar para o mesmo local algum tempo depois, quando Darth Vader, já com sua armadura tradicional, encontra o local da queda e o sabre de luz abandonado por ela, e então vira as costas para os capacetes dos clones deixados como homenagem. Essa cena inteira é terrível de se assistir: em um primeiro momento, ficamos tristes com o reconhecimento de Ahsoka pelo valor de seus homens, e a maneira como, mesmo tendo sido “traída” por eles, ela ainda está disposta a lhes prestar homenagens, reconhecendo que eles não tinham culpa e que foram bons homens durante toda a guerra; logo em seguida, sentimos raiva, frustração e ainda mais dor quando Anakin (Agora Vader) dá as costas para os capacetes dos soldados que o serviram por tantos anos, incapaz de prestar o mesmo reconhecimento a eles, mostrando que o jovem jedi sucumbiu e está preso dentro da armadura do lorde sith. O silêncio dessa cena, sem nenhuma narração ou trilha sonora, contribui para dar ao público um sentimento de desesperança completa.
Isso é outro ponto no qual essa cena final se supera dentro da saga. Star Wars não é estranha a momentos extremamente sombrios, principalmente em filmes como O Império Contra-Ataca e A Vingança dos Sith. Mas nesses momentos sombrios existe sempre uma pequena semente de esperança, como que dizendo que, apesar de o momento ser ruim, existe uma expectativa, mesmo que pequena, para a melhora. The Clone Wars, contudo, finaliza com uma cena desesperançosa e sombria até o fim. Sabe-se bem o que vai acontecer em seguida. A dominação do Império apenas começou, e mesmo que Luke e Léia representem uma esperança para o futuro, como é mostrado no final de A Vingança dos Sith, essa não é uma esperança que será reconhecida pelos clones. Para eles, o fim da guerra foi um fim definitivo.
The Clone Wars se supera em seu final não só porque reconhece tudo aquilo que foi trabalhado na própria série, mas porque reflete e trabalha os temas dos filmes, tanto na trilogia prequel quanto na trilogia original, e é pensando nesses temas e nos momentos clássicos que ela constrói um final tão poderoso dentro do universo da saga que imortaliza a série no panteão das grandes produções de Star Wars. Não há, em nenhum momento da trilogia sequel, um momento que transmita o mesmo impacto, emoção, poder e respeito pela saga como um todo da mesma maneira que o final de The Clone Wars
PARA SALVAR E CONTINUAR UMA FRANQUIA

Apesar de tudo isso, e reconhecendo os erros cometidos na trilogia sequel, é preciso lembrar que a temporada final de The Clone Wars também foi uma produção da Disney. Ou seja, não é um problema causado pelo fato de a franquia estar em mãos universalmente ruins no que fazem. Na realidade, produções como The Clone Wars, a série live-action The Mandalorian e o filme Rogue One provam que a Disney ainda é capaz de produzir bons conteúdos dentro do universo de Star Wars.
O fracasso da trilogia sequel nesses aspectos não impede que produções futuras obtenham enorme sucesso ao se tornarem parte desse universo. Contudo, os produtores precisam ter em mente que Star Wars é uma saga que não funciona com cenas meramente impactantes. Seus acontecimentos precisam ter sentido e refletir na história como um todo. Os melhores momentos da franquia são aqueles que causaram muito mais do que um impacto momentâneo. São aqueles que se tornaram tão grandiosos e importantes que alteraram o fluxo da própria história, de forma que esta não poderia continuar sem levar esses momentos em consideração.
No caso dos episódios VII, VIII e IX, o problema foi tanto que eles não tiveram momentos realmente marcantes quanto o fato de que, em nenhum momento, eles pareceram refletir decisivamente a história que veio antes, e seus filmes parecem inclusive querer apagar da existência momentos colocados dentro da própria trilogia. Star Wars teve muitos maus momentos e cenas ruins, mas sempre foi capaz de trabalhá-los e reconhecê-los como parte de sua história. Mesmo que eles sejam inexpressivos no todo da trama, ainda assim são reconhecidos e retornam para a história quando necessário, ajudando a construir novos momentos e novas memórias que se tornam perpétuas nas mentes do público e de todos os fãs.