Tendo passado toda a sua vida embaixo do mar, ouvindo histórias terríveis sobre os seres que vivem na superfície, Luca (Jacob Tremblay), um jovem monstro marinho, vive com medo de se aventurar fora dos oceanos. Mas após conhecer Alberto (Jacob Dylan Grazer), ele acaba sendo levado para uma vila de pescadores italianos e descobre um novo mundo extremamente fascinante.
Luca é um filme que não se arrisca muito em sua fórmula. Qualquer um que já tenha visto algum filme da Pixar consegue perceber para onde a narrativa está se encaminhando, o que torna várias de suas passagens um tanto clichês e não surtem o efeito desejado no público. Conseguimos imediatamente perceber a sequência: garoto apavorado é convencido por outro mais ousado a explorar um novo mundo, os dois desenvolvem uma grande amizade, encontram um desafio que os leva a treinarem e fortalecerem seus laços, e então um momento de raiva os faz se separarem, apenas para no final os dois se unirem novamente. Sim, todos já conhecemos essa história.
Mesmo assim, Luca traz nessa fórmula o melhor da Pixar e revela uma dedicação forte de sua equipe. Mesmo que a fórmula seja conhecida, a forma como as relações entre os personagens é explorada cativa o público e o faz ignorar essas questões. Tanto Luca como Alberto são extremamente carismáticos, e a amizade entre os dois é extremamente convincente. Usando ao máximo as personalidades complexas e sempre em desenvolvimento dos dois, o filme traz momentos extremamente engraçados ao mesmo tempo em que cria uma tensão constante: em uma cidade pesqueira que caça monstros marinhos, nenhum dos dois pode revelar suas verdadeiras formas, o que significa que eles não podem se molhar na frente de humanos (enquanto secos, ambos parecem pessoas normais).
Mas ao mesmo tempo que essa condição é bem explorada para criar situações tensas, também é utilizada como escape cômico, colocando os dois em situações desesperadas e absurdas para manterem suas identidades. O principal ponto onde essas situações são trazidas é quando os garotos conhecem Giulia (Emma Berman), que os faz se unirem a ela em uma competição de verão para derrotar Ercole (Saverio Raimondo), um canastrão que se acha o maioral da cidade e gosta de implicar com as crianças locais. Enquanto se divertem com sua nova amiga, os dois sempre tentam ficar o mais distante possível da água e aprender o mais rápido possível a agirem como humanos normais.
Como o trio principal, Luca, Alberto e Giulia apresentam uma química bastante única que une o melhor de suas personalidades e estabelece uma bela relação de amizade entre eles. E a trama sabe explorar essa amizade, concentrando a maior parte da sua atenção no desenvolvimento dessas relações, caindo em alguns pontos nos mesmos clichês que já mencionamos. Mas mesmo esses momentos são trabalhados ao longo da trama e não surgem do nada, como acontece em outras produções. Ainda assim, é um desenvolvimento bastante conhecido para o público, e a repetição pode se tornar previsível ao público, embora a forma como ela é trazida nesse longa não é cansativa.
Para além do trio principal, Luca também traz um elenco de coadjuvantes com vários momentos marcantes e divertidos. Maya Rudolph e Jim Gaffigan incorporam os pais super protetores de Luca e são muito engraçados na forma como demonstram o desconhecimento dos personagens diante do mundo humano e as formas absurdas que eles trazem para tentar revelar qual das crianças é seu filho, fazendo com que todos os jovens na cidade tentem evitá-los como um casal de esquisitos. Também merece destaque o pai de Giulia, Massimo (Marco Barricelli), uma figura com a aparência de um bruto, mas que demonstra um lado bastante amoroso e carinhoso, inclusive diante dos dois amigos que sua filha traz para casa.
Mas o ponto principal onde Luca supera outras animações é a sua mensagem de aceitação de si mesmo, de amor e amizade. Trazendo em si a ideia de monstros marinhos como uma metáfora bastante abrangente, o filme não nega os perigos de se expor ao mundo e a forma como algumas pessoas podem se tornar agressivas e perigosas diante da descoberta da natureza real de alguém. Com uma visão bastante madura, o filme não nega os riscos de se abrir para o mundo, mas ao mesmo tempo traz um toque de esperança ao retratar a verdadeira amizade entre seus personagens e a forma como aqueles que de fato te amam irão te aceitar da forma como você é. Mais do que isso, o filme explora o amor entre amigos, a forma simples e profunda como alguém pode se importar com outra pessoa, seja de uma forma romântica ou simplesmente a partir de uma relação de amizade. Em sua mensagem mais profunda, Luca fala da importância da amizade, do apoio e da compreensão, e a força que esses laços podem ter no incentivo para uma pessoa ser quem ela deseja ser.
No geral, Luca é mais uma grande produção da Pixar. Com uma narrativa bem estruturada, não foge muito da trama típica de filmes anteriores, o que faz com que alguns de seus momentos caiam na previsibilidade. Dentro dessa história já conhecida, no entanto, está uma mensagem extremamente forte, profunda e universal, que afeta crianças, jovens e adultos da mesma forma. Uma mensagem forte o bastante para superar todos os clichês e transformar o filme em uma experiência enriquecedora para o público de todas as idades.