Crítica

Crítica

O Farol: o horror da insanidade imparável

7/2/2020

Robert Eggers, diretor de A Bruxa, retorna com mais um filme de terror focado na imersão e na loucura do ser humano. O Farol retrata a lenta decadência de dois homens que cuidam de uma ilha minúscula e claustrofóbica tomada por lendas.

escrito por
Luis Henrique Franco

Robert Eggers, diretor de A Bruxa, retorna com mais um filme de terror focado na imersão e na loucura do ser humano. O Farol retrata a lenta decadência de dois homens que cuidam de uma ilha minúscula e claustrofóbica tomada por lendas.

escrito por
Luis Henrique Franco
7/2/2020
“Morte pálida com um medo agudo, fazendo das cavernas do oceano nossa cama. Deus ouve as ondas rolarem, digna-se a salvar a alma suplicante.” – Thomas Wake

Robert Eggers surpreendeu a todos em 2015 quando lançou A Bruxa, filme de terror e de suspense que dividiu opiniões ao ser lançado. Aclamado por uns e odiado por outros, o longa trouxe uma proposta diferente para o gênero, com uma trama que trabalha muito mais a tensão, o isolamento, a expectativa diante do macabro, abandonando por completo os sustos baratos em prol de um terror que deriva da imersão no filme e na situação dos personagens. Cinco anos depois, o diretor finalmente retornou com uma nova produção própria, e dessa vez, ele não pretendeu confundir ninguém sobre o tipo de filme que pretendia realizar. É por isso que O Farol torna-se um filme difícil e cujo próprio estilo tende a afastar a maioria dos seus espectadores. Mas aqueles que se dispõem a assistir a essa longa são premiados com uma sinistra trama sobre a loucura, mitologia, a lenta destruição de si mesmo e as difíceis relações em um trabalho horrendo.

Contando com praticamente dois personagens apenas, tudo no filme é reduzido: o cenário se resume a uma única ilha extremamente pequena onde funciona um farol antigo; as cores ficam apenas no preto, branco e diferentes tons de cinza; a própria tela é reduzida, assumindo um formato quase quadrado e deixando enormes margens de ambos os lados. Tudo isso é proposital, para que o espectador sinta na pele o que os personagens estão sentindo: isolamento, claustrofobia, incapacidade de ir para qualquer lugar, solidão, monotonia, tédio. Aos poucos, a ideia de uma rotina maçante vai tomando forma, enquanto os personagens enfrentam o duro dia-a-dia de uma profissão que, em tempos passados, exigia demais daqueles que a praticavam e ocasionava sérios problemas naqueles que ficavam isolados nos locais inóspitos onde os faróis eram construídos.

Praticamente todo o filme se molda na relação intensa e instável entre Thomas Howard (Robert Pattinson) e Thomas Wake (Willem Dafoe), os dois faroleiros responsáveis pela ilha. Howard é um novato na profissão e planeja realizar o serviço com o intuito de juntar dinheiro para poder construir sua própria vida. Já Wake é um velho experiente de hábitos grotescos e modos insensíveis que comanda com braço de ferro o seu farol, a quem presta uma lealdade estranha e misteriosa. Esse relacionamento assume várias facetas ao longo da trama, e é essa questão, somada à habilidade de ambos os atores de venderem a situação de seus personagens, que faz a trama se tornar extremamente instável, a ponto de não sabermos mais o que é possível esperar que aconteça entre os dois. Partindo de uma relação abusiva de Wake sobre Howard, os dois compartilham segredos em uma intimidade forçada, onde até os hábitos mais nojentos, grotescos e pessoais de um são testemunhados pelo outro e compartilhados com ele, mesmo que não intencionalmente, criando uma atmosfera de constante e incessante desconforto que se torna mais e mais forte à medida que o filme se prolonga. A monotonia causada pelo espaço pequeno e pela rotina intragável fazem a 1h50 do filme se tornarem muito longas, resultando em um longo processo de ampliação da nossa própria ansiedade, aumentada ainda mais pelos temores causados pelas constantes histórias compartilhadas por Wake a respeito do farol. Muito como A Bruxa, esse filme aterroriza muito mais pela crescente expectativa diante da possibilidade de algo ocorrer do que por sustos a todo momento. É um horror que te pega pela imersão na vida e na vivência de seus personagens.

Nesse caso em específico, a imersão nos leva a um cenário de extrema loucura e de degradação constante, em que os dois personagens vão lentamente deslizando rumo à insanidade intratável. Wake nos é apresentado como alguém já completamente dominado pela loucura desde o início (pelo menos, essa é a ideia inicial que temos), mas Howard, mais tímido e calado, é quem realmente sofre toda a transformação, tornando-se agressivo, sujo, inquieto, paranoico e desleixado com o passar dos dias. esse é outro ponto do filme que nos confunde e nos faz ficar ainda mais ansioso: a completa ignorância em que somos colocados com relação a quanto tempo se passou. O que parecem ser dias para nós são ditos como semanas pelos personagens, até que perdemos completamente a noção desse tempo e somos levados a admitir apenas que eles estão no farol a mais tempo do que deveriam.

Indicado apenas a Melhor Fotografia nesta edição do Oscar, O Farol é certamente um dos filmes mais esnobados deste ano. O enquadramento reduzido ajuda na criação de cenas equilibradas, divididas, hora aproximando os personagens (quer por vontade deles, quer por necessidade do espaço pequeno), hora afastando-os o máximo possível (o que alimenta ainda mais a noção de um espaço apertado quando esse afastamento ainda é uma distância muito pequena). O filme também faz uso de uma grande diferença de tons de cinza, hora clareando, hora escurecendo a imagem e fornecendo um aspecto sombrio e tenebroso. Seria um prêmio mais do que justo a ser recebido pelo filme, mas não deveria ser o único.

De alguma forma, a premiação tirou ambos os atores da competição, mesmo que ambas as atuações sejam algo de mais assombroso e bem realizado, principalmente em se tratando de um filme de suspense/horror. Robert Pattinson termina de enterrar o vampiro Edward e todas as críticas negativas que vieram com ele, apresentando um personagem com uma decadência real, lentamente alterando seu comportamento ao longo do filme, demonstrando todos os aspectos de sua insanidade cada vez mais alarmante e forte, exaltando o pânico, a fúria e o descontrole emocional de seu personagem. A sua transformação de homem tímido para louco incorrigível é realizada com uma atuação deslumbrante, mas ainda fica atrás da performance estupenda de Willem Dafoe, que concede a Wake um ar completamente instável e, ainda assim, extremamente sábio devido à sua enorme experiência de vida. Dafoe dá a seu personagem toda a essência de seu autoritarismo como mestre do farol, sua admiração incontida por este, chegando ao ponto de se tornar objeto de sua obsessão. Seus gestos e falas se alteram constantemente de um tom calmo e filosófico a um ar trovejante e enfurecido e imediatamente passam para um modo jocoso, risonho e louco, impedindo o espectador de se acalmar e sendo um dos maiores pilares para a aura insana do filme.

O é um filme difícil. Sua temática e o tratamento dado à história o tornam mais longo do que sua duração real, e o constante clima ruim no cenário e entre os personagens nos faz querer passar por aquilo mais rápido do que realmente conseguimos. É angustiante ter de presenciar a decadência física, emocional e moral de dois homens, e é exatamente por isso que o filme se consagra. Sem sustos gratuitos e sendo capaz de construir uma atmosfera perturbadora desde o seu primeiro segundo, o horror desse longa está na realidade de que os personagens não podem escapar da pequena ilha, e tudo que nos resta é abraçar a lenta e casual insanidade na qual eles mergulham.

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O Farol

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Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
Ator 3
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Robert Eggers, diretor de A Bruxa, retorna com mais um filme de terror focado na imersão e na loucura do ser humano. O Farol retrata a lenta decadência de dois homens que cuidam de uma ilha minúscula e claustrofóbica tomada por lendas.

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Luis Henrique Franco
7/2/2020
“Morte pálida com um medo agudo, fazendo das cavernas do oceano nossa cama. Deus ouve as ondas rolarem, digna-se a salvar a alma suplicante.” – Thomas Wake

Robert Eggers surpreendeu a todos em 2015 quando lançou A Bruxa, filme de terror e de suspense que dividiu opiniões ao ser lançado. Aclamado por uns e odiado por outros, o longa trouxe uma proposta diferente para o gênero, com uma trama que trabalha muito mais a tensão, o isolamento, a expectativa diante do macabro, abandonando por completo os sustos baratos em prol de um terror que deriva da imersão no filme e na situação dos personagens. Cinco anos depois, o diretor finalmente retornou com uma nova produção própria, e dessa vez, ele não pretendeu confundir ninguém sobre o tipo de filme que pretendia realizar. É por isso que O Farol torna-se um filme difícil e cujo próprio estilo tende a afastar a maioria dos seus espectadores. Mas aqueles que se dispõem a assistir a essa longa são premiados com uma sinistra trama sobre a loucura, mitologia, a lenta destruição de si mesmo e as difíceis relações em um trabalho horrendo.

Contando com praticamente dois personagens apenas, tudo no filme é reduzido: o cenário se resume a uma única ilha extremamente pequena onde funciona um farol antigo; as cores ficam apenas no preto, branco e diferentes tons de cinza; a própria tela é reduzida, assumindo um formato quase quadrado e deixando enormes margens de ambos os lados. Tudo isso é proposital, para que o espectador sinta na pele o que os personagens estão sentindo: isolamento, claustrofobia, incapacidade de ir para qualquer lugar, solidão, monotonia, tédio. Aos poucos, a ideia de uma rotina maçante vai tomando forma, enquanto os personagens enfrentam o duro dia-a-dia de uma profissão que, em tempos passados, exigia demais daqueles que a praticavam e ocasionava sérios problemas naqueles que ficavam isolados nos locais inóspitos onde os faróis eram construídos.

Praticamente todo o filme se molda na relação intensa e instável entre Thomas Howard (Robert Pattinson) e Thomas Wake (Willem Dafoe), os dois faroleiros responsáveis pela ilha. Howard é um novato na profissão e planeja realizar o serviço com o intuito de juntar dinheiro para poder construir sua própria vida. Já Wake é um velho experiente de hábitos grotescos e modos insensíveis que comanda com braço de ferro o seu farol, a quem presta uma lealdade estranha e misteriosa. Esse relacionamento assume várias facetas ao longo da trama, e é essa questão, somada à habilidade de ambos os atores de venderem a situação de seus personagens, que faz a trama se tornar extremamente instável, a ponto de não sabermos mais o que é possível esperar que aconteça entre os dois. Partindo de uma relação abusiva de Wake sobre Howard, os dois compartilham segredos em uma intimidade forçada, onde até os hábitos mais nojentos, grotescos e pessoais de um são testemunhados pelo outro e compartilhados com ele, mesmo que não intencionalmente, criando uma atmosfera de constante e incessante desconforto que se torna mais e mais forte à medida que o filme se prolonga. A monotonia causada pelo espaço pequeno e pela rotina intragável fazem a 1h50 do filme se tornarem muito longas, resultando em um longo processo de ampliação da nossa própria ansiedade, aumentada ainda mais pelos temores causados pelas constantes histórias compartilhadas por Wake a respeito do farol. Muito como A Bruxa, esse filme aterroriza muito mais pela crescente expectativa diante da possibilidade de algo ocorrer do que por sustos a todo momento. É um horror que te pega pela imersão na vida e na vivência de seus personagens.

Nesse caso em específico, a imersão nos leva a um cenário de extrema loucura e de degradação constante, em que os dois personagens vão lentamente deslizando rumo à insanidade intratável. Wake nos é apresentado como alguém já completamente dominado pela loucura desde o início (pelo menos, essa é a ideia inicial que temos), mas Howard, mais tímido e calado, é quem realmente sofre toda a transformação, tornando-se agressivo, sujo, inquieto, paranoico e desleixado com o passar dos dias. esse é outro ponto do filme que nos confunde e nos faz ficar ainda mais ansioso: a completa ignorância em que somos colocados com relação a quanto tempo se passou. O que parecem ser dias para nós são ditos como semanas pelos personagens, até que perdemos completamente a noção desse tempo e somos levados a admitir apenas que eles estão no farol a mais tempo do que deveriam.

Indicado apenas a Melhor Fotografia nesta edição do Oscar, O Farol é certamente um dos filmes mais esnobados deste ano. O enquadramento reduzido ajuda na criação de cenas equilibradas, divididas, hora aproximando os personagens (quer por vontade deles, quer por necessidade do espaço pequeno), hora afastando-os o máximo possível (o que alimenta ainda mais a noção de um espaço apertado quando esse afastamento ainda é uma distância muito pequena). O filme também faz uso de uma grande diferença de tons de cinza, hora clareando, hora escurecendo a imagem e fornecendo um aspecto sombrio e tenebroso. Seria um prêmio mais do que justo a ser recebido pelo filme, mas não deveria ser o único.

De alguma forma, a premiação tirou ambos os atores da competição, mesmo que ambas as atuações sejam algo de mais assombroso e bem realizado, principalmente em se tratando de um filme de suspense/horror. Robert Pattinson termina de enterrar o vampiro Edward e todas as críticas negativas que vieram com ele, apresentando um personagem com uma decadência real, lentamente alterando seu comportamento ao longo do filme, demonstrando todos os aspectos de sua insanidade cada vez mais alarmante e forte, exaltando o pânico, a fúria e o descontrole emocional de seu personagem. A sua transformação de homem tímido para louco incorrigível é realizada com uma atuação deslumbrante, mas ainda fica atrás da performance estupenda de Willem Dafoe, que concede a Wake um ar completamente instável e, ainda assim, extremamente sábio devido à sua enorme experiência de vida. Dafoe dá a seu personagem toda a essência de seu autoritarismo como mestre do farol, sua admiração incontida por este, chegando ao ponto de se tornar objeto de sua obsessão. Seus gestos e falas se alteram constantemente de um tom calmo e filosófico a um ar trovejante e enfurecido e imediatamente passam para um modo jocoso, risonho e louco, impedindo o espectador de se acalmar e sendo um dos maiores pilares para a aura insana do filme.

O é um filme difícil. Sua temática e o tratamento dado à história o tornam mais longo do que sua duração real, e o constante clima ruim no cenário e entre os personagens nos faz querer passar por aquilo mais rápido do que realmente conseguimos. É angustiante ter de presenciar a decadência física, emocional e moral de dois homens, e é exatamente por isso que o filme se consagra. Sem sustos gratuitos e sendo capaz de construir uma atmosfera perturbadora desde o seu primeiro segundo, o horror desse longa está na realidade de que os personagens não podem escapar da pequena ilha, e tudo que nos resta é abraçar a lenta e casual insanidade na qual eles mergulham.

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Robert Eggers, diretor de A Bruxa, retorna com mais um filme de terror focado na imersão e na loucura do ser humano. O Farol retrata a lenta decadência de dois homens que cuidam de uma ilha minúscula e claustrofóbica tomada por lendas.

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Luis Henrique Franco
7/2/2020
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Robert Eggers, diretor de A Bruxa, retorna com mais um filme de terror focado na imersão e na loucura do ser humano. O Farol retrata a lenta decadência de dois homens que cuidam de uma ilha minúscula e claustrofóbica tomada por lendas.

escrito por
Luis Henrique Franco
7/2/2020
“Morte pálida com um medo agudo, fazendo das cavernas do oceano nossa cama. Deus ouve as ondas rolarem, digna-se a salvar a alma suplicante.” – Thomas Wake

Robert Eggers surpreendeu a todos em 2015 quando lançou A Bruxa, filme de terror e de suspense que dividiu opiniões ao ser lançado. Aclamado por uns e odiado por outros, o longa trouxe uma proposta diferente para o gênero, com uma trama que trabalha muito mais a tensão, o isolamento, a expectativa diante do macabro, abandonando por completo os sustos baratos em prol de um terror que deriva da imersão no filme e na situação dos personagens. Cinco anos depois, o diretor finalmente retornou com uma nova produção própria, e dessa vez, ele não pretendeu confundir ninguém sobre o tipo de filme que pretendia realizar. É por isso que O Farol torna-se um filme difícil e cujo próprio estilo tende a afastar a maioria dos seus espectadores. Mas aqueles que se dispõem a assistir a essa longa são premiados com uma sinistra trama sobre a loucura, mitologia, a lenta destruição de si mesmo e as difíceis relações em um trabalho horrendo.

Contando com praticamente dois personagens apenas, tudo no filme é reduzido: o cenário se resume a uma única ilha extremamente pequena onde funciona um farol antigo; as cores ficam apenas no preto, branco e diferentes tons de cinza; a própria tela é reduzida, assumindo um formato quase quadrado e deixando enormes margens de ambos os lados. Tudo isso é proposital, para que o espectador sinta na pele o que os personagens estão sentindo: isolamento, claustrofobia, incapacidade de ir para qualquer lugar, solidão, monotonia, tédio. Aos poucos, a ideia de uma rotina maçante vai tomando forma, enquanto os personagens enfrentam o duro dia-a-dia de uma profissão que, em tempos passados, exigia demais daqueles que a praticavam e ocasionava sérios problemas naqueles que ficavam isolados nos locais inóspitos onde os faróis eram construídos.

Praticamente todo o filme se molda na relação intensa e instável entre Thomas Howard (Robert Pattinson) e Thomas Wake (Willem Dafoe), os dois faroleiros responsáveis pela ilha. Howard é um novato na profissão e planeja realizar o serviço com o intuito de juntar dinheiro para poder construir sua própria vida. Já Wake é um velho experiente de hábitos grotescos e modos insensíveis que comanda com braço de ferro o seu farol, a quem presta uma lealdade estranha e misteriosa. Esse relacionamento assume várias facetas ao longo da trama, e é essa questão, somada à habilidade de ambos os atores de venderem a situação de seus personagens, que faz a trama se tornar extremamente instável, a ponto de não sabermos mais o que é possível esperar que aconteça entre os dois. Partindo de uma relação abusiva de Wake sobre Howard, os dois compartilham segredos em uma intimidade forçada, onde até os hábitos mais nojentos, grotescos e pessoais de um são testemunhados pelo outro e compartilhados com ele, mesmo que não intencionalmente, criando uma atmosfera de constante e incessante desconforto que se torna mais e mais forte à medida que o filme se prolonga. A monotonia causada pelo espaço pequeno e pela rotina intragável fazem a 1h50 do filme se tornarem muito longas, resultando em um longo processo de ampliação da nossa própria ansiedade, aumentada ainda mais pelos temores causados pelas constantes histórias compartilhadas por Wake a respeito do farol. Muito como A Bruxa, esse filme aterroriza muito mais pela crescente expectativa diante da possibilidade de algo ocorrer do que por sustos a todo momento. É um horror que te pega pela imersão na vida e na vivência de seus personagens.

Nesse caso em específico, a imersão nos leva a um cenário de extrema loucura e de degradação constante, em que os dois personagens vão lentamente deslizando rumo à insanidade intratável. Wake nos é apresentado como alguém já completamente dominado pela loucura desde o início (pelo menos, essa é a ideia inicial que temos), mas Howard, mais tímido e calado, é quem realmente sofre toda a transformação, tornando-se agressivo, sujo, inquieto, paranoico e desleixado com o passar dos dias. esse é outro ponto do filme que nos confunde e nos faz ficar ainda mais ansioso: a completa ignorância em que somos colocados com relação a quanto tempo se passou. O que parecem ser dias para nós são ditos como semanas pelos personagens, até que perdemos completamente a noção desse tempo e somos levados a admitir apenas que eles estão no farol a mais tempo do que deveriam.

Indicado apenas a Melhor Fotografia nesta edição do Oscar, O Farol é certamente um dos filmes mais esnobados deste ano. O enquadramento reduzido ajuda na criação de cenas equilibradas, divididas, hora aproximando os personagens (quer por vontade deles, quer por necessidade do espaço pequeno), hora afastando-os o máximo possível (o que alimenta ainda mais a noção de um espaço apertado quando esse afastamento ainda é uma distância muito pequena). O filme também faz uso de uma grande diferença de tons de cinza, hora clareando, hora escurecendo a imagem e fornecendo um aspecto sombrio e tenebroso. Seria um prêmio mais do que justo a ser recebido pelo filme, mas não deveria ser o único.

De alguma forma, a premiação tirou ambos os atores da competição, mesmo que ambas as atuações sejam algo de mais assombroso e bem realizado, principalmente em se tratando de um filme de suspense/horror. Robert Pattinson termina de enterrar o vampiro Edward e todas as críticas negativas que vieram com ele, apresentando um personagem com uma decadência real, lentamente alterando seu comportamento ao longo do filme, demonstrando todos os aspectos de sua insanidade cada vez mais alarmante e forte, exaltando o pânico, a fúria e o descontrole emocional de seu personagem. A sua transformação de homem tímido para louco incorrigível é realizada com uma atuação deslumbrante, mas ainda fica atrás da performance estupenda de Willem Dafoe, que concede a Wake um ar completamente instável e, ainda assim, extremamente sábio devido à sua enorme experiência de vida. Dafoe dá a seu personagem toda a essência de seu autoritarismo como mestre do farol, sua admiração incontida por este, chegando ao ponto de se tornar objeto de sua obsessão. Seus gestos e falas se alteram constantemente de um tom calmo e filosófico a um ar trovejante e enfurecido e imediatamente passam para um modo jocoso, risonho e louco, impedindo o espectador de se acalmar e sendo um dos maiores pilares para a aura insana do filme.

O é um filme difícil. Sua temática e o tratamento dado à história o tornam mais longo do que sua duração real, e o constante clima ruim no cenário e entre os personagens nos faz querer passar por aquilo mais rápido do que realmente conseguimos. É angustiante ter de presenciar a decadência física, emocional e moral de dois homens, e é exatamente por isso que o filme se consagra. Sem sustos gratuitos e sendo capaz de construir uma atmosfera perturbadora desde o seu primeiro segundo, o horror desse longa está na realidade de que os personagens não podem escapar da pequena ilha, e tudo que nos resta é abraçar a lenta e casual insanidade na qual eles mergulham.

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