Exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Um Herói é o novo filme do renomado diretor iraniano Asghar Farhadi, já reconhecido pelos longas A Separação (2011), O Apartamento (2016) e Todos Já Sabem (2018).
Na trama, somos introduzidos a Rahim Soltani (Amir Jadidi), que se encontra preso por causa de uma enorme dívida que ele contraiu com o credor Bahram (Mohsen Tanabande). Durante uma saída de dois dias, ele trama com sua noiva Farkhondeh (Sahar Goldust) uma forma de quitar sua dívida a partir do dinheiro encontrado em uma bolsa perdida. Contudo, alguns problemas o evitam de usar o dinheiro, e ele opta por devolver a bolsa à dona. Ao tomarem conhecimento desse ato, os donos da prisão e a mídia local logo transformam Rahim em um herói local e reverenciam a sua bela atitude.
Como em seus outros filmes, Farhadi nos faz refletir sobre aspectos intrínsecos da nossa sociedade e do nosso comportamento. Seu objetivo parece ser o questionamento da forma como elevamos à condição de heróis pessoas que fizeram o básico do esperado de um humano descente, e de como essa adoração transforma aqueles que realizaram a ação e os faz quererem receber mais conhecimento por seus feitos. Com a atenção recebida pela mídia, Rahim desfruta de uma adoração incomum, com diversas pessoas e instituições querendo ajudá-lo a qualquer custo, oferecendo-lhe dinheiro e emprego para quitar sua dívida. Ao mesmo tempo, existe o levantamento de que a versão dos fatos contada por ele não seja totalmente verdadeira.
O filme se constrói primeiro para mostrar a ascensão de Rahim e reconhecer sua boa ação, para logo depois estabelecer dúvidas a respeito da história contada por ele e de seus reais objetivos por trás do gesto. Mesmo para aqueles dispostos a vê-lo como herói, os gestos de Rahim são estranhos: por que ele e sua família não pegaram nenhuma informação da mulher que recuperou a bolsa? Se ele não pretendia transformar a história em algo grande, por que colocou o telefone da prisão nos cartazes de objeto perdido, e não o de sua casa? Ao longo do filme, esses questionamentos colocam a situação cada vez mais contra o protagonista, colocando o público em uma balança moral, julgando todos os aspectos e tudo o que sabemos a respeito do personagem.
Ao mesmo tempo, o filme constrói uma situação tensa quando boatos começam a circular, alegando que Rahim mente sobre o ocorrido. Isso coloca em risco o seu novo emprego, sua relação com as instituições que o ajudaram e seu acordo com seu credor. Trabalhando o seu personagem para torná-lo mais suspeito conforme os problemas vão ocorrendo, o filme faz com que Rahim empregue novas mentiras e maquinações para provar sua versão, complicando ainda mais sua situação quando essas tramas são reveladas ao público. No fim, o que temos é um homem que, por acidente, se tornou o foco de toda a sua sociedade e colheu os benefícios disso, mesmo sem merecê-los. Uma vez comprometido, ele tenta se agarrar a qualquer coisa, mesmo que desonesta, para preservar esses benefícios.
Sem estabelecer um antagonista, Farhadi elabora sua reflexão sem apontar dedos. A situação de Rahim é compreensível, mesmo que suas ações não o sejam. Desesperado para se ver livre da prisão, ele há de tentar todos os métodos disponíveis para quitar a dívida com Bahram. Ao mesmo tempo, questiona-se quais os motivos para ele ter devolvido a bolsa, se foi mesmo apenas uma boa ação ou se ele pretendia, com isso, obter algum crédito para si. Também é questionada as intenções de instituições beneficentes e dos próprios agentes da prisão, que suam a história de Rahim para acobertar seus próprios erros. Com esse objetivo de mostrar todos os lados, o filme inclusive questiona a versão da história que aponta Bahram como o vilão, mostrando todas as vezes em que ele ajudou o protagonista e sofreu com seus fracassos, levando-o a uma situação instável que o forçou a denunciá-lo.
Também é benéfico que o filme não transforme seu protagonista em um mártir, expondo o lado negativo e tóxico de Rahim enquanto o acompanha, colocando-o em situações em que seus atos causam problemas e sofrimento para aqueles que lhe são próximos, principalmente seu filho Siavash (Saleh Karimai), cuja gagueira é explorada pelo pai com o intuito de promover a pena daqueles que o assistem. Seus atos levam o público à compreensão de que ele é o responsável pela situação em que se colocou, mas ao mesmo tempo em que promovem uma certa repulsa por ele, não deixa de nos fazer pensar profundamente sobre toda a situação que o levou a isso.
Com todos esses questionamentos, Um Herói se torna um filme denso, que segue um ritmo mais lento para estabelecer suas questões e promove uma evolução bastante gradual de seus personagens. Por causa disso, acaba sendo um filme cansativo e difícil de ser assistido. Suas reflexões sobre o que é, de fato, uma boa ação e sobre como atos de generosidade são explorados de maneira negativa pela sociedade, são de extrema importância e, somados ao desenvolvimento da trama, criam um sentimento de algo não resolvido no público, forçando-o a desenvolver suas próprias teorias e pensar em suas próprias ações em face do que acabou de ser exposto.
Um Herói foi exibido na Mostra São Paulo de Cinema Internacional e deve chegar ao servidos do prime Video ainda esse ano, sendo também um potencial favorito ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, além de outras categorias.