Atuação metódica é um tipo de atuação na qual os atores se submetem a uma simulação dos aspectos psicológicos, sociológicos e comportamentais de seus personagens, de forma a deixar a interpretação das personalidades mais marcantes e realistas. Por meio desse método de atuação, os atores muitas vezes passam a viver em situações completamente diferentes do seu costumeiro, como uma forma de se aproximar à condição de vida de seus personagens e tornar suas características mais realistas durante a interpretação.
Embora nos dias de hoje existam muitos atores que se valem desse método em seus trabalhos, levando a si mesmos a extremos para interpretar um papel com mais naturalidade, Daniel Day-Lewis é talvez um dos que mais se destaca dentro desse grupo. Tendo obtido enorme prestígio ao longo de sua carreira, o ator venceu três Oscars de Melhor Ator em um período de pouco mais de 20 anos e se consagrou como um dos grandes nomes da indústria. Lewis também é muito famoso por se dedicar ao máximo aos seus papéis e estudá-los com enorme atenção, colocando-se muitas vezes em situações exageradas para aderir à personalidade de um personagem.
Nesse texto, abordaremos a vida e a obra desse grande ator, bem como alguns dos maiores extremos aos quais ele se entregou pelos seus papéis.
OS PRIMEIROS PAPÉIS E COMPROMETIMENTOS EXAGERADOS
Daniel Day-Lewis nasceu em Londres, em 29 de abril de 1957. Segundo filho do poeta Cecil Day-Lewis com sua segunda esposa, a atriz Jill Balcon, o ator vem de uma família extremamente ligada às artes, sendo o seu avô o chefe dos Estúdios Ealing e sua irmã mais velha, uma documentarista, o que o levou a ingressar na Bristol Old Vic School para aprender atuação.
Seu primeiro papel no cinema foi em 1971, quando atuou em Domingo Maldito em um papel menor. Depois disso, no entanto, Lewis passou a trabalhar no teatro, tanto com a companhia Bristol Old Vic quanto com a Royal Shakespeare Company, mantendo-se longe dos cinemas até 1982, quando novamente voltou a interpretar um papel menor em Gandhi. No mesmo ano, ele atuou na série televisiva britânica Frost in May.
O ator só recebeu o seu primeiro grande papel em Rebelião em Alto-Mar, de 1984. Em 1985, estreou em Minha Adorável Lavanderia e Uma Janela para o Amor. Em todos esses filmes, seus papéis, embora mais importantes, ainda eram coadjuvantes. No entanto, essas estreias deram ao público e aos críticos uma noção bem grande de seu talento e começaram a estabelecê-lo como um grande ator. O New York Film Critics chegou ainda a nomeá-lo como Melhor Ator Coadjuvante por suas performances, abrindo caminho para seus papéis mais conhecidos. Em 1988, atuou na adaptação de Philip Kaufman de A Insustentável Leveza do Ser, onde começou a mostrar os primeiros sinais de sua extrema dedicação a seus papéis. Recusando-se a sair do papel pelos oito meses de duração das filmagens, Lewis se dedicou a aprender tcheco, língua em que o livro original foi escrito, mesmo que o filme inteiro tenha sido falado em inglês.
Em 1989, Daniel Day-Lewis protagonizou o longa Meu Pé Esquerdo como o pintor Christy Brown, que, devido a uma severa paralisia cerebral, só podia mover seu pé esquerdo, que ele usava para escrever e para pintar quadros magníficos. Mais uma vez, o ator se recusou a sair do personagem enquanto durassem as filmagens, permanecendo o tempo todo em sua cadeira de rodas e não movendo nenhum dos seus membros além do pé esquerdo. Esse comprometimento o fez quebrar algumas costelas por permanecer sempre na mesma posição e causou grande irritação entre seus colegas de trabalho, que tinham que empurrar sua cadeira para todos os lugares e inclusive alimentá-lo a colheradas. Essa dedicação, porém, certamente rendeu frutos, visto que foi por causa dela que Lewis ganhou seu primeiro Oscar de Melhor Ator.
ANOS 90: AS GRANDES ATUAÇÕES
Após o sucesso de Meu Pé Esquerdo, Daniel Day-Lewis se tornou um dos atores mais requisitados no cinema, tanto britânico quanto americano. Seguindo na contramão de sua fama, porém, ele decidiu se restringir e se tornar extremamente seletivo em seus papéis. Sua próxima atuação seria em uma adaptação para o teatro de Hamlet, mas ele abandonou o projeto devido à exaustão excessiva, saindo de cena por alguns anos até 1992, quando retornou ao cinema para viver o protagonista de O Último dos Moicanos, filme com críticas mistas, mas que foi um sucesso de bilheteria. Para viver o papel de um índio nativo americano, Lewis novamente se entregou intensamente ao papel, decidindo viver como os nativo-americanos viviam na época retratada. Por causa disso, ele recusou cigarros industrializados e passou a enrolar seu próprio fumo, aprendeu a construir canoas e aprendeu a perseguir, caçar e esfolar animais. Lewis também se comprometeu a comer apenas aquilo que caçava e colhia.
Após o sucesso de bilheteria de O Último dos Moicanos, Lewis voltou a se arriscar em um filme de época, atuando em A Época da Inocência (1993), de Martin Scorsese. O filme, contudo, não obteve o mesmo sucesso. Ainda em 1993, o ator obteria novamente um enorme sucesso com sua atuação em Em Nome do Pai, no qual interpreta um homem forçado a admitir um falso envolvimento em um atentado a bomba realizado pelo IRA, o que o leva a ser injustamente preso por anos. Para esse papel, Lewis ficou em confinamento em uma prisão abandonada antes e durante as filmagens. O papel lhe rendeu mais uma indicação ao Oscar e lhe fez rever sua postura e visão sobre a Irlanda, tanto que ele inclusive chegou a pedir por cidadania irlandesa após o filme.
Após esse sucesso, Lewis se afastou novamente dos cinemas e passou alguns anos sem atuar em nenhum papel. Nesse meio tempo, ele desenvolveu uma relação com Rebecca Miller, com quem está casado até hoje e com quem possui dois filhos. A relação com Rebecca também o colocou em contato com o dramaturgo Arthur Miller, seu sogro, cuja obra mais famosa, As Bruxas de Salem, se tornou o filme que marcaria o retorno do ator aos cinemas. Para a adaptação de 1996, Lewis novamente mostrou um exagerado comprometimento: passou todo o período das filmagens sem tomar banho para viver um personagem do século XVII e construiu sua própria casa, sem eletricidade e água corrente, na qual viveu durante a produção do filme.
Em 1997, ele participou de seu último filme na década de 90 em alguns anos: O Lutador. Interpretando Danny Flynn, que retorna para sua vizinhança na Irlanda após 14 anos de prisão e decide retomar sua carreira como boxeador. E justamente para dar maior veracidade ao seu papel, Lewis se dedicou por 18 meses a estudar e praticar boxe continuamente. Mesmo com todo o seu esforço, porém, o filme acabou não fazendo tanto sucesso. Após O Lutador, o ator ficou cerca de cinco anos sem trabalhar no cinema.
AS ATUAÇÕES NOS ANOS 2000, OS ÚLTIMOS TRABALHOS E A APOSENTADORIA
O retorno de Daniel Day-Lewis ao cinema se deu em 2002, com o icônico longa de Martin Scorsese, Gangues de Nova York. Apesar de receber críticas mistas, todas elas ressaltaram que a atuação de Lewis era o melhor aspecto do filme. O ator foi inclusive indicado ao Oscar mais uma vez, e com razão, visto que, durante as filmagens, Lewis contraiu pneumonia por se recusar a usar qualquer roupa mais quente do que aquelas que as pessoas usavam na época em que o filme se passava. Ele também se recusou a tomar medicamentos modernos para a doença, aprendeu o ofício de açougueiro e se dedicou o tempo todo a falar apenas com um sotaque nova-iorquino.
Gangues de Nova York foi certamente um grandioso retorno do ator, que voltou a atuar em 2005, no filme O Mundo de Jack e Rose, dirigido por sua esposa, Rebecca Miller. Depois disso, em 2007, Lewis interpretou um de seus papéis mais icônicos: o do magnata do petróleo e empresário ambicioso Daniel Plainview, em Sangue Negro. Abordando o mundo sombrio e selvagem da exploração de óleo na virada do século XX, o filme aborda questões de corrupção, poder, ódio e loucura. Diante de um personagem tão complexo como Plainview, Lewis realizou uma atuação marcada pela intensidade e loucura, o que levou seu parceiro de tela, Kel O'Neill, a abandonar seu papel, que acabou indo para o ator Paul Dano. Lewis teria, inclusive, arremessado bolas de boliche reais contra Dano na icônica cena final do filme.
O trabalho memorável em Sangue Negro concedeu a Lewis seu merecido segundo Oscar de Melhor Ator e até hoje dita como uma das maiores atuações do século.
Em 2009, Lewis fez uma tentativa de entrar no mundo dos musicais com o longa de Rob Marshall, Nine, que faz homenagem ao icônico filme de Federico Fellini, 8 1/2. Para essa atuação, o ator aprendeu a dançar e a cantar e a realizar as performances musicais que lhe eram exigidas. O musical, contudo, não fez muito sucesso e, até hoje, perdura como um dos piores trabalhos do ator.
Após 2010, o mundo do cinema viu muito pouco de Daniel Day-Lewis, conforme o ator lentamente parava de aceitar trabalhos e se tornava cada vez menos vistos. Seus últimos trabalhos, contudo, mostram algumas de suas mais grandiosas atuações de todos os tempos. Três anos após Nine, o ator se envolveu com o projeto de Lincoln, filme dirigido por Steven Spielberg sobre a vida do famoso presidente estadunidense e sua luta para abolir a escravidão, que culminou na Guerra de Secessão. Interpretando o próprio presidente, Lewis se recusava a sair do papel, permanecendo de maquiagem e sobre os calçados altos que usava para igualar a grande altura de Abraham Lincoln. Ele também escolheu ser tratado apenas por "Sr. Presidente" durante toda a filmagem, e inclusive pelo próprio Spielberg. O comprometimento que teve com a atuação lhe valeu o seu terceiro Oscar de Melhor Ator.
Cinco anos após Lincoln, Lewis se envolveu em seu último projeto, Trama Fantasma, do diretor Paul Thomas Anderson, sobre a conturbada relação entre um famoso costureiro dos anos 50 e sua modelo de vestidos. Interpretando o mestre costureiro obcecado por ter tudo sob seu controle, Lewis estudou arquivos e filmagens dos desfiles de moda dos anos 40 e 50 e aprendeu a costurar de verdade, treinando junto de sua esposa. Ele também desenvolveu uma longa amizade com Leslie Manville, que interpreta sua irmã e amiga íntima, seis meses antes das gravações começarem. Trama fantasma marcou a última aparição de Lewis no cinema e lhe rendeu uma nova indicação ao Oscar de Melhor Ator. No ano seguinte, ele anunciou sua aposentadoria.
Agora, aos 64 anos, Daniel Day-Lewis continua se mantendo afastado do cinema, não tendo atuado em nenhum novo filme por quatro anos. Se ele vai continuar com sua aposentadoria ou se alguém vai convencê-lo a voltar a atuar, só o tempo pode dizer. Mas uma coisa é certa: com sua aposentadoria, o cinema perde uma das suas maiores estrelas dos últimos anos. Um ator que, apesar de intenso e exagerado, sabia se entregar aos seus papéis e lhes dar vida.