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Análise & Opinião

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Três Questões para se Debater com Liga da Justiça e o Snydercut

18/3/2021

A chegada do Snydercut e todo o seu processo e história é certamente um tema muito debatido, que reflete algumas questões importantes para refletirmos sobre o processo de produção cinematográfica atual e a relação entre produtores e estúdios de cinema.

escrito por
Luis Henrique Franco

A chegada do Snydercut e todo o seu processo e história é certamente um tema muito debatido, que reflete algumas questões importantes para refletirmos sobre o processo de produção cinematográfica atual e a relação entre produtores e estúdios de cinema.

escrito por
Luis Henrique Franco
18/3/2021

De todos os acontecimentos dos últimos dois anos, a chegada do chamado Snydercut é talvez o mais aguardado e discutido. Com o fiasco do filme Liga da Justiça, de 2017, sob a direção de Joss Whedon, os fãs começaram a demandar que a versão feita por seu diretor original, Zack Snyder, fosse lançada. Para muitos, estava claro que o estúdio havia alterado muito do que Snyder havia feito até a sua saída, e as novidades trazidas por Whedon só serviram para tornar o filme pior e alimentar esse ódio dos fãs.

Após muito tempo e valendo-se da situação de pandemia, foi anunciado que, finalmente, o Snydercut seria lançado, uma versão de Liga da Justiça com 4 horas de duração, completamente dirigida e finalizada por Zack Snyder, a ser lançada na plataforma HBO Max, ficando disponível no Brasil para aluguel digital (PVOD - Premium Video on Demand) até o dia 7 de abril e retornando novamente em junho, quando a nova plataforma da HBO chegar por aqui.

Com uma animação gigantesca dos fãs, o Snydercut já é, de longe, um dos eventos mais aguardados do ano. Envolvido em antecipação, não deixa também de ser um momento um tanto quanto polêmico para os grandes filmes populares e as grandes franquias. Um momento onde podemos lançar algumas dúvidas e questões sobre o futuro dos grandes estúdios a partir da influência que esse lançamento deve ter.

QUANTOS OUTROS "CUTS" PODEM EXISTIR?

O primeiro ponto é ser debatido diz respeito à própria existência do Snydercut e à maneira como ele está sendo veiculado nos tempos atuais. Versões do diretor não são algo novo, sendo que vários filmes, uma vez saídos do cinema, têm a possibilidade de receber uma versão extra em mídias físicas e digitais contendo cenas a mais ou alterações em cenas que foram para a versão teatral, mas que não eram exatamente aquilo que o realizador planejava. Exemplos famosos disso são a versão do diretor para Blade Runner e a versão estendida da trilogia O Senhor dos Anéis.

Dito isso, a existência do Snydercut de Liga da Justiça, dentro desses aspectos, não é surpreendente, e poderia ter sido lançada dessa maneira. É a forma como esse corte está sendo propagandeado e impulsionado ao público que torna esse exemplo tão especial. Não apenas criaram um marketing e expectativa incomum sobre esse corte, como também essa versão está programada para ser lançada em um serviço de streaming como um filme à parte e completamente diferente do original lançado em 2017.

E isso não é algo exclusivo de Liga da Justiça. Batman vs. Superman também apresentou uma versão do diretor que foi lançada para combater o fracasso da versão teatral. Outros filmes, como Star Wars: A Ascensão Skywalker, também revelaram versões diferentes daquelas que foram lançados no cinema. Não só isso, mas grandes sucessos como Apocalipse Now também revelaram uma nova versão sob controle total de seus diretores. Como eu já disse, versões dos diretores não são incomuns, mas são geralmente tratadas como um extra. O clamor popular pelo Snydercut e a forma como ele está sendo propagado pode fazer com essas versões se tornem muito mais cobiçadas, a ponto de se tornar algo que o público anseie por ver como algo por si só, não como um extra.

Por conta disso, temos que nos perguntar: quantos outros "cuts" de diversos outros diretores existem por aí? Devem todos ser tratados da mesma maneira como o Snydercut está sendo tratado? E, se for este o caso, o que deve ser feito das versões teatrais?

A INTERFERÊNCIA DOS ESTÚDIOS EM XEQUE?

Não é preciso dizer que Liga da Justiça passou longe do sucesso pretendido. Com uma história apressada, que não explora muitos de seus heróis principais a fundo, efeitos visuais questionáveis e um vilão muito pouco expressivo, o filme não foi a grande reunião dos personagens da DC Comics que prometeu ser. Ao ver o resultado, com mudanças repentinas de personalidades dos protagonistas e cenas de ação pouco emocionantes, vários fãs começaram a questionar se este era realmente o grande trabalho de Zack Snyder. Logo ficou claro que aquele filme não era a versão que Snyder pretendia, mas uma produção começada por ele e terminada por Joss Whedon quando o diretor original se ausentou por problemas pessoais.

Mais do que só as diferenças de visão entre Snyder e Whedon, a versão de Liga da Justiça lançada no cinema deixou clara a interferência dos estúdios, com o objetivo de criar um filme específico que atendesse aos seus ideais em detrimento dos ideais do diretor. Uma interferência que sacrificou bons momentos e ideias em prol de um projeto maior, baseado em análises de outros sucessos que comprometeu a possibilidade de Liga da Justiça ser um filme especial, com algo único de seu. Ao invés disso, se tornou um filme de heróis como tantos outros, e que ainda não fez bem aquilo que esses outros do gênero fizeram para obterem sucesso.

Não é de hoje que a interferência de estúdios se prova nociva para os filmes. Tais interferências tiram as marcas dos diretores e dos criadores em prol de um projeto pasteurizado baseado em fórmulas às quais o público tem reagido positivamente. Mas trabalhar com uma fórmula e minar a capacidade de inovação e as características únicas de um realizador fazem com que seu filme não tenha nada de especial. Para além disso, essas interferências resultam em alterações muito grandes em momentos muito avançados do projeto, deixando lacunas e espaços em branco nas tramas que nem sempre conseguem ser preenchidas, tornando os filmes confusos, incompletos e incoerentes.

O lançamento do Snydercut é, sem dúvida, uma estratégia de um estúdio. Contudo, é uma estratégia que reconheceu os problemas da interferência anterior e se dispôs a arriscar em uma versão com um controle muito maior do diretor. Caso esse projeto obtenha o sucesso pretendido, o futuro dos estúdios apresenta uma importante dúvida: deveriam esses estúdios continuarem a interferir seus filmes? Devem continuar a minar projetos dos diretores em prol de uma visão de universo e franquia que nem sempre se prova a melhor escolha? É improvável que as interferências deixarão de ocorrer, mas como elas irão ocorrer é alvo do debate. Mesmo que isso acarrete em riscos para franquias unificadas, ao menos se garante que os filmes tenham algo de único, um toque que provém de seus realizadores e não de fórmulas batidas e repetitivas.

COMO ESSAS NOVAS VERSÕES DEVEM SER LANÇADAS?

Como uma forma de corrigir os erros que levaram ao fiasco do que deveria ser um filme grandioso para a DC, o Snydercut foi mais do que bem-vindo. Mais do que isto, ele já foi aceito como a versão definitiva de um filme que deveria ser o auge do Universo Estendido da DC Comics. E é por esse apreço e expectativa gigantesca em cima dele que se justifica o lançamento dessa versão como um filme à parte, disponível no serviço de Streaming da HBO Max.

Com tudo isso analisado, há uma última consideração a ser feita sobre esse filme, na qual retornamos mais uma vez à questão de como essas versões do diretor são geralmente lançadas. O normal continua sendo, obviamente, o lançamento das versões definitivas como extras das versões teatrais, mas o enorme sucesso que o SnydecCut já está fazendo pode levar os estúdios e produtores a relançarem suas novas versões diretamente no cinema, tratando-as como filmes diferentes.

É a questão de se relançar um filme como uma forma de se obter mais lucro. Principalmente entre as pessoas que assistiram a versão teatral, o novo corte deve despertar um interesse grande o suficiente para que a maioria desse público volte ao cinema ou assine uma nova plataforma de streaming para checar o que foi feito de novo. Somado a isso, entra a questão dos diversos filmes que possuem versões do diretor, como os já citados Apocalipse Now e A Ascensão Skywalker. Francis Ford Coppolla já relançou seu grande clássico, e já começaram a circular notícias de como a interferência da Disney e da Lucasfilm teria impedido um trabalho melhor do diretor J.J. Abrams no último filme de Star Wars, do qual também já é exigida a versão original do primeiro diretor, Colin Trevorrow.

Se estas novas versões se tornarem uma realidade, será preciso levantar questões de sua distribuição? Elas devem ir para os cinemas e serviços de streaming como um "novo filme"? Versões do diretor deveriam obter esse tratamento? Até que ponto é aceitável relançar um filme com algumas, ou mesmo várias mudanças, e lucrar sobre as pessoas que estão ansiosas para ver o que há de novo?

Seja qual for o resultado que o Snydercut obtenha, tudo o que foi feito ao seu redor já é o suficiente para despertar essas questões. Não há dúvida de que estamos entrando em uma nova forma de tratamento dos filmes, em especial esses grandes sucessos e franquias populares. Pensar em como esse tratamento será realizado e as possíveis mudanças que pode acarretar entre os produtores de filmes é importante para podermos extrair o melhor dessas múltiplas versões de múltiplos filmes.

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Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
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A chegada do Snydercut e todo o seu processo e história é certamente um tema muito debatido, que reflete algumas questões importantes para refletirmos sobre o processo de produção cinematográfica atual e a relação entre produtores e estúdios de cinema.

crítica por
Luis Henrique Franco
18/3/2021

De todos os acontecimentos dos últimos dois anos, a chegada do chamado Snydercut é talvez o mais aguardado e discutido. Com o fiasco do filme Liga da Justiça, de 2017, sob a direção de Joss Whedon, os fãs começaram a demandar que a versão feita por seu diretor original, Zack Snyder, fosse lançada. Para muitos, estava claro que o estúdio havia alterado muito do que Snyder havia feito até a sua saída, e as novidades trazidas por Whedon só serviram para tornar o filme pior e alimentar esse ódio dos fãs.

Após muito tempo e valendo-se da situação de pandemia, foi anunciado que, finalmente, o Snydercut seria lançado, uma versão de Liga da Justiça com 4 horas de duração, completamente dirigida e finalizada por Zack Snyder, a ser lançada na plataforma HBO Max, ficando disponível no Brasil para aluguel digital (PVOD - Premium Video on Demand) até o dia 7 de abril e retornando novamente em junho, quando a nova plataforma da HBO chegar por aqui.

Com uma animação gigantesca dos fãs, o Snydercut já é, de longe, um dos eventos mais aguardados do ano. Envolvido em antecipação, não deixa também de ser um momento um tanto quanto polêmico para os grandes filmes populares e as grandes franquias. Um momento onde podemos lançar algumas dúvidas e questões sobre o futuro dos grandes estúdios a partir da influência que esse lançamento deve ter.

QUANTOS OUTROS "CUTS" PODEM EXISTIR?

O primeiro ponto é ser debatido diz respeito à própria existência do Snydercut e à maneira como ele está sendo veiculado nos tempos atuais. Versões do diretor não são algo novo, sendo que vários filmes, uma vez saídos do cinema, têm a possibilidade de receber uma versão extra em mídias físicas e digitais contendo cenas a mais ou alterações em cenas que foram para a versão teatral, mas que não eram exatamente aquilo que o realizador planejava. Exemplos famosos disso são a versão do diretor para Blade Runner e a versão estendida da trilogia O Senhor dos Anéis.

Dito isso, a existência do Snydercut de Liga da Justiça, dentro desses aspectos, não é surpreendente, e poderia ter sido lançada dessa maneira. É a forma como esse corte está sendo propagandeado e impulsionado ao público que torna esse exemplo tão especial. Não apenas criaram um marketing e expectativa incomum sobre esse corte, como também essa versão está programada para ser lançada em um serviço de streaming como um filme à parte e completamente diferente do original lançado em 2017.

E isso não é algo exclusivo de Liga da Justiça. Batman vs. Superman também apresentou uma versão do diretor que foi lançada para combater o fracasso da versão teatral. Outros filmes, como Star Wars: A Ascensão Skywalker, também revelaram versões diferentes daquelas que foram lançados no cinema. Não só isso, mas grandes sucessos como Apocalipse Now também revelaram uma nova versão sob controle total de seus diretores. Como eu já disse, versões dos diretores não são incomuns, mas são geralmente tratadas como um extra. O clamor popular pelo Snydercut e a forma como ele está sendo propagado pode fazer com essas versões se tornem muito mais cobiçadas, a ponto de se tornar algo que o público anseie por ver como algo por si só, não como um extra.

Por conta disso, temos que nos perguntar: quantos outros "cuts" de diversos outros diretores existem por aí? Devem todos ser tratados da mesma maneira como o Snydercut está sendo tratado? E, se for este o caso, o que deve ser feito das versões teatrais?

A INTERFERÊNCIA DOS ESTÚDIOS EM XEQUE?

Não é preciso dizer que Liga da Justiça passou longe do sucesso pretendido. Com uma história apressada, que não explora muitos de seus heróis principais a fundo, efeitos visuais questionáveis e um vilão muito pouco expressivo, o filme não foi a grande reunião dos personagens da DC Comics que prometeu ser. Ao ver o resultado, com mudanças repentinas de personalidades dos protagonistas e cenas de ação pouco emocionantes, vários fãs começaram a questionar se este era realmente o grande trabalho de Zack Snyder. Logo ficou claro que aquele filme não era a versão que Snyder pretendia, mas uma produção começada por ele e terminada por Joss Whedon quando o diretor original se ausentou por problemas pessoais.

Mais do que só as diferenças de visão entre Snyder e Whedon, a versão de Liga da Justiça lançada no cinema deixou clara a interferência dos estúdios, com o objetivo de criar um filme específico que atendesse aos seus ideais em detrimento dos ideais do diretor. Uma interferência que sacrificou bons momentos e ideias em prol de um projeto maior, baseado em análises de outros sucessos que comprometeu a possibilidade de Liga da Justiça ser um filme especial, com algo único de seu. Ao invés disso, se tornou um filme de heróis como tantos outros, e que ainda não fez bem aquilo que esses outros do gênero fizeram para obterem sucesso.

Não é de hoje que a interferência de estúdios se prova nociva para os filmes. Tais interferências tiram as marcas dos diretores e dos criadores em prol de um projeto pasteurizado baseado em fórmulas às quais o público tem reagido positivamente. Mas trabalhar com uma fórmula e minar a capacidade de inovação e as características únicas de um realizador fazem com que seu filme não tenha nada de especial. Para além disso, essas interferências resultam em alterações muito grandes em momentos muito avançados do projeto, deixando lacunas e espaços em branco nas tramas que nem sempre conseguem ser preenchidas, tornando os filmes confusos, incompletos e incoerentes.

O lançamento do Snydercut é, sem dúvida, uma estratégia de um estúdio. Contudo, é uma estratégia que reconheceu os problemas da interferência anterior e se dispôs a arriscar em uma versão com um controle muito maior do diretor. Caso esse projeto obtenha o sucesso pretendido, o futuro dos estúdios apresenta uma importante dúvida: deveriam esses estúdios continuarem a interferir seus filmes? Devem continuar a minar projetos dos diretores em prol de uma visão de universo e franquia que nem sempre se prova a melhor escolha? É improvável que as interferências deixarão de ocorrer, mas como elas irão ocorrer é alvo do debate. Mesmo que isso acarrete em riscos para franquias unificadas, ao menos se garante que os filmes tenham algo de único, um toque que provém de seus realizadores e não de fórmulas batidas e repetitivas.

COMO ESSAS NOVAS VERSÕES DEVEM SER LANÇADAS?

Como uma forma de corrigir os erros que levaram ao fiasco do que deveria ser um filme grandioso para a DC, o Snydercut foi mais do que bem-vindo. Mais do que isto, ele já foi aceito como a versão definitiva de um filme que deveria ser o auge do Universo Estendido da DC Comics. E é por esse apreço e expectativa gigantesca em cima dele que se justifica o lançamento dessa versão como um filme à parte, disponível no serviço de Streaming da HBO Max.

Com tudo isso analisado, há uma última consideração a ser feita sobre esse filme, na qual retornamos mais uma vez à questão de como essas versões do diretor são geralmente lançadas. O normal continua sendo, obviamente, o lançamento das versões definitivas como extras das versões teatrais, mas o enorme sucesso que o SnydecCut já está fazendo pode levar os estúdios e produtores a relançarem suas novas versões diretamente no cinema, tratando-as como filmes diferentes.

É a questão de se relançar um filme como uma forma de se obter mais lucro. Principalmente entre as pessoas que assistiram a versão teatral, o novo corte deve despertar um interesse grande o suficiente para que a maioria desse público volte ao cinema ou assine uma nova plataforma de streaming para checar o que foi feito de novo. Somado a isso, entra a questão dos diversos filmes que possuem versões do diretor, como os já citados Apocalipse Now e A Ascensão Skywalker. Francis Ford Coppolla já relançou seu grande clássico, e já começaram a circular notícias de como a interferência da Disney e da Lucasfilm teria impedido um trabalho melhor do diretor J.J. Abrams no último filme de Star Wars, do qual também já é exigida a versão original do primeiro diretor, Colin Trevorrow.

Se estas novas versões se tornarem uma realidade, será preciso levantar questões de sua distribuição? Elas devem ir para os cinemas e serviços de streaming como um "novo filme"? Versões do diretor deveriam obter esse tratamento? Até que ponto é aceitável relançar um filme com algumas, ou mesmo várias mudanças, e lucrar sobre as pessoas que estão ansiosas para ver o que há de novo?

Seja qual for o resultado que o Snydercut obtenha, tudo o que foi feito ao seu redor já é o suficiente para despertar essas questões. Não há dúvida de que estamos entrando em uma nova forma de tratamento dos filmes, em especial esses grandes sucessos e franquias populares. Pensar em como esse tratamento será realizado e as possíveis mudanças que pode acarretar entre os produtores de filmes é importante para podermos extrair o melhor dessas múltiplas versões de múltiplos filmes.

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A chegada do Snydercut e todo o seu processo e história é certamente um tema muito debatido, que reflete algumas questões importantes para refletirmos sobre o processo de produção cinematográfica atual e a relação entre produtores e estúdios de cinema.

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Luis Henrique Franco
18/3/2021
nascimento

A chegada do Snydercut e todo o seu processo e história é certamente um tema muito debatido, que reflete algumas questões importantes para refletirmos sobre o processo de produção cinematográfica atual e a relação entre produtores e estúdios de cinema.

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Luis Henrique Franco
18/3/2021

De todos os acontecimentos dos últimos dois anos, a chegada do chamado Snydercut é talvez o mais aguardado e discutido. Com o fiasco do filme Liga da Justiça, de 2017, sob a direção de Joss Whedon, os fãs começaram a demandar que a versão feita por seu diretor original, Zack Snyder, fosse lançada. Para muitos, estava claro que o estúdio havia alterado muito do que Snyder havia feito até a sua saída, e as novidades trazidas por Whedon só serviram para tornar o filme pior e alimentar esse ódio dos fãs.

Após muito tempo e valendo-se da situação de pandemia, foi anunciado que, finalmente, o Snydercut seria lançado, uma versão de Liga da Justiça com 4 horas de duração, completamente dirigida e finalizada por Zack Snyder, a ser lançada na plataforma HBO Max, ficando disponível no Brasil para aluguel digital (PVOD - Premium Video on Demand) até o dia 7 de abril e retornando novamente em junho, quando a nova plataforma da HBO chegar por aqui.

Com uma animação gigantesca dos fãs, o Snydercut já é, de longe, um dos eventos mais aguardados do ano. Envolvido em antecipação, não deixa também de ser um momento um tanto quanto polêmico para os grandes filmes populares e as grandes franquias. Um momento onde podemos lançar algumas dúvidas e questões sobre o futuro dos grandes estúdios a partir da influência que esse lançamento deve ter.

QUANTOS OUTROS "CUTS" PODEM EXISTIR?

O primeiro ponto é ser debatido diz respeito à própria existência do Snydercut e à maneira como ele está sendo veiculado nos tempos atuais. Versões do diretor não são algo novo, sendo que vários filmes, uma vez saídos do cinema, têm a possibilidade de receber uma versão extra em mídias físicas e digitais contendo cenas a mais ou alterações em cenas que foram para a versão teatral, mas que não eram exatamente aquilo que o realizador planejava. Exemplos famosos disso são a versão do diretor para Blade Runner e a versão estendida da trilogia O Senhor dos Anéis.

Dito isso, a existência do Snydercut de Liga da Justiça, dentro desses aspectos, não é surpreendente, e poderia ter sido lançada dessa maneira. É a forma como esse corte está sendo propagandeado e impulsionado ao público que torna esse exemplo tão especial. Não apenas criaram um marketing e expectativa incomum sobre esse corte, como também essa versão está programada para ser lançada em um serviço de streaming como um filme à parte e completamente diferente do original lançado em 2017.

E isso não é algo exclusivo de Liga da Justiça. Batman vs. Superman também apresentou uma versão do diretor que foi lançada para combater o fracasso da versão teatral. Outros filmes, como Star Wars: A Ascensão Skywalker, também revelaram versões diferentes daquelas que foram lançados no cinema. Não só isso, mas grandes sucessos como Apocalipse Now também revelaram uma nova versão sob controle total de seus diretores. Como eu já disse, versões dos diretores não são incomuns, mas são geralmente tratadas como um extra. O clamor popular pelo Snydercut e a forma como ele está sendo propagado pode fazer com essas versões se tornem muito mais cobiçadas, a ponto de se tornar algo que o público anseie por ver como algo por si só, não como um extra.

Por conta disso, temos que nos perguntar: quantos outros "cuts" de diversos outros diretores existem por aí? Devem todos ser tratados da mesma maneira como o Snydercut está sendo tratado? E, se for este o caso, o que deve ser feito das versões teatrais?

A INTERFERÊNCIA DOS ESTÚDIOS EM XEQUE?

Não é preciso dizer que Liga da Justiça passou longe do sucesso pretendido. Com uma história apressada, que não explora muitos de seus heróis principais a fundo, efeitos visuais questionáveis e um vilão muito pouco expressivo, o filme não foi a grande reunião dos personagens da DC Comics que prometeu ser. Ao ver o resultado, com mudanças repentinas de personalidades dos protagonistas e cenas de ação pouco emocionantes, vários fãs começaram a questionar se este era realmente o grande trabalho de Zack Snyder. Logo ficou claro que aquele filme não era a versão que Snyder pretendia, mas uma produção começada por ele e terminada por Joss Whedon quando o diretor original se ausentou por problemas pessoais.

Mais do que só as diferenças de visão entre Snyder e Whedon, a versão de Liga da Justiça lançada no cinema deixou clara a interferência dos estúdios, com o objetivo de criar um filme específico que atendesse aos seus ideais em detrimento dos ideais do diretor. Uma interferência que sacrificou bons momentos e ideias em prol de um projeto maior, baseado em análises de outros sucessos que comprometeu a possibilidade de Liga da Justiça ser um filme especial, com algo único de seu. Ao invés disso, se tornou um filme de heróis como tantos outros, e que ainda não fez bem aquilo que esses outros do gênero fizeram para obterem sucesso.

Não é de hoje que a interferência de estúdios se prova nociva para os filmes. Tais interferências tiram as marcas dos diretores e dos criadores em prol de um projeto pasteurizado baseado em fórmulas às quais o público tem reagido positivamente. Mas trabalhar com uma fórmula e minar a capacidade de inovação e as características únicas de um realizador fazem com que seu filme não tenha nada de especial. Para além disso, essas interferências resultam em alterações muito grandes em momentos muito avançados do projeto, deixando lacunas e espaços em branco nas tramas que nem sempre conseguem ser preenchidas, tornando os filmes confusos, incompletos e incoerentes.

O lançamento do Snydercut é, sem dúvida, uma estratégia de um estúdio. Contudo, é uma estratégia que reconheceu os problemas da interferência anterior e se dispôs a arriscar em uma versão com um controle muito maior do diretor. Caso esse projeto obtenha o sucesso pretendido, o futuro dos estúdios apresenta uma importante dúvida: deveriam esses estúdios continuarem a interferir seus filmes? Devem continuar a minar projetos dos diretores em prol de uma visão de universo e franquia que nem sempre se prova a melhor escolha? É improvável que as interferências deixarão de ocorrer, mas como elas irão ocorrer é alvo do debate. Mesmo que isso acarrete em riscos para franquias unificadas, ao menos se garante que os filmes tenham algo de único, um toque que provém de seus realizadores e não de fórmulas batidas e repetitivas.

COMO ESSAS NOVAS VERSÕES DEVEM SER LANÇADAS?

Como uma forma de corrigir os erros que levaram ao fiasco do que deveria ser um filme grandioso para a DC, o Snydercut foi mais do que bem-vindo. Mais do que isto, ele já foi aceito como a versão definitiva de um filme que deveria ser o auge do Universo Estendido da DC Comics. E é por esse apreço e expectativa gigantesca em cima dele que se justifica o lançamento dessa versão como um filme à parte, disponível no serviço de Streaming da HBO Max.

Com tudo isso analisado, há uma última consideração a ser feita sobre esse filme, na qual retornamos mais uma vez à questão de como essas versões do diretor são geralmente lançadas. O normal continua sendo, obviamente, o lançamento das versões definitivas como extras das versões teatrais, mas o enorme sucesso que o SnydecCut já está fazendo pode levar os estúdios e produtores a relançarem suas novas versões diretamente no cinema, tratando-as como filmes diferentes.

É a questão de se relançar um filme como uma forma de se obter mais lucro. Principalmente entre as pessoas que assistiram a versão teatral, o novo corte deve despertar um interesse grande o suficiente para que a maioria desse público volte ao cinema ou assine uma nova plataforma de streaming para checar o que foi feito de novo. Somado a isso, entra a questão dos diversos filmes que possuem versões do diretor, como os já citados Apocalipse Now e A Ascensão Skywalker. Francis Ford Coppolla já relançou seu grande clássico, e já começaram a circular notícias de como a interferência da Disney e da Lucasfilm teria impedido um trabalho melhor do diretor J.J. Abrams no último filme de Star Wars, do qual também já é exigida a versão original do primeiro diretor, Colin Trevorrow.

Se estas novas versões se tornarem uma realidade, será preciso levantar questões de sua distribuição? Elas devem ir para os cinemas e serviços de streaming como um "novo filme"? Versões do diretor deveriam obter esse tratamento? Até que ponto é aceitável relançar um filme com algumas, ou mesmo várias mudanças, e lucrar sobre as pessoas que estão ansiosas para ver o que há de novo?

Seja qual for o resultado que o Snydercut obtenha, tudo o que foi feito ao seu redor já é o suficiente para despertar essas questões. Não há dúvida de que estamos entrando em uma nova forma de tratamento dos filmes, em especial esses grandes sucessos e franquias populares. Pensar em como esse tratamento será realizado e as possíveis mudanças que pode acarretar entre os produtores de filmes é importante para podermos extrair o melhor dessas múltiplas versões de múltiplos filmes.

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