Na era dos serviços de Streaming, mais e mais canais e emissoras buscam criar suas próprias plataformas para colocar suas produções. É um novo modo de consumo de mídia, que atrai mais e mais empresas por sua facilidade para entrar nas casas do público. Não é estranho, portanto, que um gigante do entretenimento como a Disney também busque um espaço nesse novo cenário.
Programado para chegar ao Brasil no dia 17 de julho, o Disney Plus promete reunir todas as grandes produções da empresa do Mickey Mouse, desde suas animações clássicas e remakes live-action até suas grandes franquias, como Star Wars e Marvel. No entanto, esse mesmo serviço também chega ao país recheado de polêmicas, dado o grau de exclusividade que a empresa está impondo em seus produtos para aumentar as vendas na plataforma. Apesar de algumas decisões serem justificáveis, outras beiram a um extremo que pode acabar tendo um impacto negativo.
A EXCLUSIVIDADE ENTRE PLATAFORMAS É JUSTIFICÁVEL

Eu vou começar pela parte menos polêmica. Uma das ações da Disney diante da estreia de sua plataforma foi retirar todos os seus produtos de todos os demais serviços de streaming, ou seja, filmes como Os Vingadores e Star Wars não podem mais serem encontrados na Netflix ou na Amazon Prime. Eles só estarão disponíveis em um lugar: o Disney Plus.
Diante de todas as decisões tomadas pela empresa para garantir a exclusividade do seu produto, essa é talvez a mais justificável. Vivemos, afinal, em uma sociedade capitalista ditada pela lei da oferta e da procura, caracterizada pela competição entre empresas. Sendo assim, é perfeitamente natural que a Disney queira proteger os seus produtos e garantir o seu acesso a eles em detrimento das suas competidoras. Isso, na realidade, não é nem uma manobra exclusiva da Disney, mas comum a todos os serviços de streaming atualmente, seja a Amazon prime ou o Globo Play. A própria Netflix, que antes servia como uma grande biblioteca de diversas produções, está passando a investir cada vez mais em suas próprias produções nos últimos tempos.
O lado ruim dessa atitude é que os produtos se tornam cada vez menos disponíveis para o público, forçando-os a contratar inúmeros serviços diferentes para ter acesso a todos eles, gastando uma quantia considerável de dinheiro. Mas isso não é algo exclusivo nem da Disney nem dos serviços de streaming. Competição é um dos motores do mercado e a valorização de seu próprio produto é o objetivo de toda a empresa. Não é algo realmente bom para os consumidores, mas também não é uma atitude extrema dentro do mundo em que vivemos.
OS PASSOS A MAIS DO EXTREMISMO DISNEY

O problema com a nova plataforma se dá pelo fato de que seu conteúdo não será retirado apenas dos outros serviços de streaming, mas de todas as outras formas de mídia possíveis. A ideia é tornar o Disney Plus a única opção para aqueles que querem assistir uma franquia ou uma produção com o selo Disney. É com base nessa premissa que a companhia já anunciou que vai abandonar o lançamento de mídias físicas (DVDs e Blu-Rays) na América Latina, e que também irá retirar seus filmes e séries de canais pagos e serviços de aluguel e compras digitais. A possibilidade de que muitas produções nem cheguem ao cinema e vão direto para a plataforma é também uma possibilidade real para o futuro.
Como eu disse, exclusividade é algo previsível dentro de um cenário de competição de mercado, mas as imposições da Disney para a chegada de seu serviço ao Brasil assumem uma forma extrema que visa forçar toda e qualquer pessoa interessada nos produtos da empresa e ter uma assinatura Disney Plus. E esse extremismo é bastante perigoso por vários motivos. Primeiro porque muitas pessoas talvez não queiram pagar pelo serviço e busquem opções menos convencionais (mais sobre isso daqui a pouco). Segundo porque, ao impor essa exclusividade, você tem que oferecer uma justificativa para as pessoas manterem o serviço.
Eu não duvido que a Disney consiga manter uma produção de conteúdo grande o bastante para alimentar o seu serviço, mas quando você impõe uma restrição tão extrema, é preciso fornecer algo de novo regularmente para que as pessoas aceitem essa restrição. A enorme biblioteca de filmes clássicos só vai manter o Disney Plus funcionando até certo momento. Depois disso, vai ser preciso trazer novidades, e em quantidade suficiente para suprir todos os interesses de seu público. E isso se torna uma necessidade ainda maior quando constatamos que, ao transformar a sua plataforma na única forma de acesso aos seus produtos midiáticos, a Disney também transforma essa mesma plataforma na sua única fonte de renda através desses produtos.
É claro que esse é um problema de todas as demais plataformas, mas tomemos como exemplo a Netflix. Como eu falei, ela está cada vez mais investindo em suas próprias produções. Ao mesmo tempo, no entanto, ela traz constantemente produções de outros estúdios para o seu canal, de forma a manter a sua biblioteca sempre fresca e cheia de coisas novas. Se a Disney fechar o Disney Plus para conteúdos exclusivamente próprios, ela precisará apresentar uma quantidade muito maior de novidades para manter o seu público interessado em assinar a plataforma. Ela tem capacidade para arcar com esse nível de produção? Com certeza tem, mas aí entramos naquela velha equação: uma produção em larga escala feita em um período de tempo muito curto geralmente cria um resultado muito ruim.

Pelo menos, podemos afirmar que a Disney não é tão extrema a ponto de fazer do Disney Plus a sua única fonte de acesso aos seus conteúdos. Recentemente, um acordo fechado com a Globo garantiu que The Mandalorian será exibido nas segundas à noite. Para canais fechados, no entanto, a restrição continua a valer.
EXCLUSIVIDADE REAL?
Vivemos em uma era em que os meios digitais tornam muito fácil para alguém acessar uma grande quantidade de informação e de mídias. Hoje em dia, assistir filmes online, através de sites ilícitos, torrents e outros serviços não oficiais, é algo da maior naturalidade para uma grande parte da população. Sendo assim, é preciso colocar em dúvida o quanto essa exclusividade que a Disney busca alcançar realmente vai acontecer.
Se olharmos nos dias de hoje, praticamente todo o conteúdo da companhia do Mickey Mouse está disponível em sites ou aplicativos como o Stremio. Na grande maioria desses desses locais, o conteúdo é gratuito, sem cobrança de assinatura ou nada do tipo. Pode-se argumentar que a qualidade nem sempre é tão boa, ou que tais sites apresentam riscos ao serem acessados, mas para aqueles que possuem conhecimento das redes e uma certa malícia, esses riscos podem ser facilmente contornados.

Longe de mim defender a pirataria ou o acesso a sites desse tipo, mas eles existem e não há uma maneira de extingui-los efetivamente. Isso já foi tentado, e para cada novo site bloqueado, rapidamente surge um novo. Então, mesmo que a Disney tente tornar seu conteúdo o mais exclusivo possível, sempre irá existir essa opção gratuita como uma concorrente invencível.
É por isso que a exclusividade imposta ao Disney Plus pode ser perigosa. Por um lado, você garante que todos aqueles que queiram assistir a seus filmes e séries por meios legais assinem a sua plataforma. Por outro, diante da existência desses outros métodos, essa mesma exclusividade cria uma redução para as suas fontes de lucro, pelo menos no que diz respeito ao seu conteúdo midiático, tornando a questão da pirataria um problema muito mais sério.
Para entender esse problema, basta olharmos para o que está ocorrendo com The Mandalorian, série que só deveria chegar ao Brasil em 17 de novembro, mas cuja primeira temporada já foi totalmente assistida por brasileiros, que também têm acesso aos primeiros episódios da segunda temporada. Provavelmente muitas dessas pessoas assinarão o Disney Plus quando ele chegar no país daqui a alguns dias, mas é certo que uma boa parte deles continuará a optar pelo uso desses sites gratuitos.
O EXCESSO DE CONFIANÇA

Todos os problemas e questões levantados nesse texto são conhecidos pela Disney, e podemos ter certeza que foram levados em consideração pela empresa antes de tomar as suas decisões. Pelo tamanho do investimento na plataforma, é difícil ver a companhia realmente correr riscos não calculados, e o mais certo é que ela fará como a Amazon prime e a Netflix, equilibrando seus conteúdos originais com estreias de outros estúdios e produtoras (ou então, considerando o tamanho da Disney, simplesmente dividindo a entrada de seus filmes mais clássicos ao longo do tempo, para manter o público que está interessado em ver alguns clássicos).
O fato é que a Disney já é muito maior que as demais empresas de streaming, o que permite que ela cometa alguns tropeços no início sem perder uma grande quantidade de dinheiro ou de público. Se essas restrições e exclusividade fossem algo que permitisse ao Disney Plus crescer e apresentar uma plataforma mais moderna e muito mais interessante que as demais, poderiam ser justificados como riscos que a empresa decidiu ter para conquistar mais e mais espaço nesse novo cenário.
Contudo, a julgar pelo histórico recente, é pouco provável que esse seja o caso. O que surge para nós é que essas medidas de exclusividade e restrições tão extremas são fruto de um preocupante excesso de confiança da Disney, ciente de que, no final, tais restrições pouco importarão, pois os brasileiros ainda assim irão assinar para ter acesso ao conteúdo. Temos diante de nós uma empresa tão segura de seu sucesso que descaradamente impõe essas medidas para seus espectadores, sabendo que não irá perdê-los, ou então que as perdas que sofrerá não serão suficientes para derrubá-la por completo. E o pior de tudo é que isso é verdade.
Chegamos a um ponto em que a Disney, assim como muitas outras empresas, sabe que não precisa se esforçar ao máximo para obter resultados. Ela pode se contentar com produções medianas porque sabe que estas ainda assim lhe trarão lucro. E toda essa política em torno do Disney Plus é fruto dessa tendência, que cada vez mais gera resultados medíocres em suas produções, mas eficientes no retorno.
Existem, não há como negar, pessoas dentro desse cenário dispostas a continuar tentando e trazendo conteúdos bem realizados e que realmente despertam a paixão do público, mas no geral o que vemos nos últimos anos é esse caminhar para conteúdos cada vez mais pasteurizados, frutos dessa enorme confiança da Disney de que não há como ela falhar. E o ponto mais triste é que, de certa forma, ela está certa, pois seria necessário um fracasso colossal ou uma série consecutiva de grandes falhas para provocar algum abalo na empresa, e isso é extremamente difícil de acontecer.