Ao longo dos anos, os filmes do MCU foram caracterizados por, em geral, seguirem uma determinada fórmula já bastante conhecida, tornando-se muito previsíveis para o público. Por isso, quando uma nova produção da Marvel traz a liderança de um diretor mais independente e autoral, é motivo para muita expectativa, pois mesmo que eles não quebrem a fórmula por completo, oferecem mudanças bem-vindas à maneira como os filmes se constroem. Sob a liderança de Chloe Zhao, vencedora do Oscar por Nomadland, Eternos é uma dessas produções que traz alguns traços especiais dentro de si.
A trama acompanha um grupo de guerreiros poderosos enviados para a Terra há 7000 anos para destruir as criaturas conhecidas como Deviantes. Após todo esse tempo, a equipe, conhecida como os Eternos, criou afeições com os humanos e desenvolveu laços mais profundos. Por isso, quando sua missão se revela algo diferente do que eles pensavam, eles se juntam novamente para lutar pelo planeta que adoram tanto.
Como filme de origem, Eternos já é diferente dos outros do MCU. Ao invés de acompanharmos todo o processo de descoberta dos poderes pela equipe e seu entrosamento inicial, acompanhamos os personagens no tempo presente, já bastante adaptados à vida contemporânea e vivendo cada um a sua própria vida. Em meio às aventuras nos tempos atuais, são passados flashbacks dos diversos momentos em que a equipe atuou em grandes sociedades históricas, mostrando como o entrosamento deles foi se alterando ao longo dos anos e como cada um deles reagiu após milênios na Terra. Sacrificando essa fórmula batida de história de origem, o filme se permite trabalhar com personagens já desenvolvidos, focando nas mudanças em suas relações, como elas amadureceram ou não. Isso faz com que a equipe de heróis trabalhe bem quando juntos, nos fazendo acreditar tanto nos momentos em que concordam quanto nos momentos de discordância.
Com um trabalho bastante criativo, o filme dá a cada personagem uma característica única que afeta como eles interagem uns com os outros e o seu papel na trama. Ikaris (Richard Madden) é o soldado devoto à sua missão, o guerreiro perfeito para o seu propósito; Sersi (Gemma Chan) possui um contato muito maior com humanos, tornando-a mais ligada aos humanos, por quem demonstra enorme compaixão; Ajak (Salma Hayek) é a líder sábia, cujo poder de cura, a faz ser muito empática e caridosa.
Essas características também ditam os problemas e os conflitos que cada um deles enfrenta: Thena (Angelina Jolie) é uma guerreira formidável, mas cujo passado de conflitos a torna instável quando em luta; Druig (Barry Keoghan) sabe que tem o poder de controlar as mentes humanas e impedir seus conflitos, o que o faz se afastar da equipe quando ele vê que a sua não-interferência permite que genocídios e tragédias sejam realizadas; Phastos (Brian Tyler Henry) é um gênio capaz de criar qualquer coisa, mas cujas interferências na sociedade humana levaram à criação de armas e objetos destrutivos demais, levando-o a perder a fé na humanidade.
Com tantas personalidades diferentes convivendo, o filme se permite um espaço maior para a reflexão de diversos temas, aprofundando os problemas de seus protagonistas a um nível que não se vê com frequência em filmes da Marvel. Diversos temas são debatidos ao longo da trama, desde questões mais abrangentes como a não interferência dos Eternos em conflitos humanos, o que poderia ter evitado guerras e genocídios, até problemas mais individuais, como a dor de Duende (Lia McHugh) de nunca deixar de parecer uma criança, o que a impede de viver uma vida normal entre humanos. Mais interessante, esses conflitos não são todos resolvidos na trama. Após tanto tempo na Terra, cada Eterno desenvolveu suas próprias ideias, e a discordância entre os membros da equipe não é totalmente superada.
Esse é outro aspecto bastante genial introduzido pelo caráter mais reflexivo de Zhao: o filme parecer trazer um peso maior para as consequências de seus atos. Em vários momentos, principalmente durante os flashbacks, vemos as decisões da equipe carregarem uma consequência que pesa sobre cada um deles de forma diferente e que não se apaga com o desenvolver da trama. Além disso, mesmo que os Eternos sejam extremamente poderosos, existe uma certa fragilidade na equipe, causada não só pela discordância constante entre seus membros, mas também porque o roteiro se permite sacrificar alguns membros do elenco, nos dando a ideia de que esses heróis podem sim ser derrotados e nos fazendo carregar uma preocupação maior com o seu destino ao fim da trama.
mas o filme também possui defeitos muito visíveis. O principal deles é que, ao se dedicar a esse caráter mais reflexivo, o filme assume um ritmo mais calmo e lento que outros do MCU, o que não é um problema em si, mas que faz com que os momentos de exposição através do diálogo se tornem mais cansativos do que o costume. Para piorar, o filme é carregado desses momentos, o que dispersa a atenção do público e cria momentos muito agoniantes no roteiro. O principal deles é quando Arishem (David Kaye), o grande Celestial, conta para a Sersi sobre a origem dos Celestiais, Eternos e Deviantes, sobre o ciclo que eles defendem e sobre a real missão na Terra. A cena não passa de um enorme monólogo do Celestial, que já começa cansativo e se torna pior conforme sua longa duração se revela.
Além disso, não é como se Eternos fugisse completamente da fórmula Marvel. As temáticas são mais aprofundadas e trazem reflexões incomuns nos filmes do universo, mas a sequência de momentos de luta com momentos de reunificação e descanso, de vitórias momentâneas, perdas e novas vitórias, ainda se encontra presente. Na verdade, a presença desses aspectos já conhecidos acaba prejudicando o filme de certa forma, impedindo-o de ser completamente inovador como poderia ter sido. Com apenas Chloe Zhao por trás das decisões, esse filme poderia ser mais denso e, talvez, menos chamativo para o público em geral, mas ao menos seria uma experiência nova para o público que o assistisse. Com esses elementos já reconhecidos, no entanto, a ideia que fica é de que, embora queira transmitir uma ideia de algo diferente, a Marvel realmente não pretende se arriscar a algo inovador.
Ainda assim, é preciso reconhecer o trabalho de Chloe Zhao e seu elenco que, presos a aspectos de uma fórmula já cansativa, conseguiram introduzir novidades o suficiente para fazer de Eternos uma obra mais reflexiva e única no MCU. Seja o efeito disso bom ou ruim para o filme no fim das contas, é preciso reconhecer que esse é um risco que a Marvel geralmente não corre. Um risco que apenas diretores ou diretoras independentes e autorais podem trazer.