É praticamente impossível falar do cinema estadunidense dos anos 60 a 80 e sem mergulhar profundamente nos trabalhos de Francis Ford Coppola. O renomado diretor esteve por trás de alguns dos maiores clássicos da época, filmes que não se curvaram às tendências hollywoodianas e buscaram promover reflexões sobre a sociedade e sobre o que ocorria no mundo. Seus longas são intensos, longos e cheios de momentos emblemáticos que chocam o espectador e o forçam a analisar os momentos do filme com redobrada atenção.
Aos 82 anos de idade, Coppola ainda segue com sua carreira, planejando filmes futuros ao mesmo tempo em que usa qualquer oportunidade que tenha na mídia para tecer pesadas críticas à situação do cinema atual. Com a celebração dos cinquenta anos de O Poderoso Chefão, essas críticas se tornaram mais visíveis e frequentes, colocando o diretor novamente como uma das grandes vozes contra as tendências hollywoodianas no momento. E, já que o aniversário de um de seus maiores filmes se aproxima, decidimos relembrar a carreira e a vida desse diretor tão consagrado.
A VIDA ANTES DO CINEMA
Nascido em Detroit, Michigan, em 1939, Francis Ford Coppola cresceu nos subúrbios de Nova York dentro de uma família ítalo-americana já bastante ligada às artes. Seu pai, Carmine Coppola, era um compositor e um flautista da Orquestra Sinfônica de Detroit, e sua mãe, Italia Coppola, era conhecida por sua cozinha italiana e chegou a publicar um livro de receitas, além de ter participado de alguns filmes do filho. O sobrenome "Ford" foi dado em homenagem ao inventor Henry Ford, em razão do pai de Coppola ser, à época de seu nascimento, assistente diretor da orquestra do programa The Ford Sunday Evening Hour.
Os anos da infância não foram fáceis para o diretor, que contraiu pólio quando criança e teve de passar um longo período de tempo em quarentena, no qual ele desenvolveu um enorme interesse por marionetes e começou a criar suas próprias produções caseiras. Aos 15 anos, adquiriu um interesse por teatro após ler "Um Bonde Chamado Desejo", e o interesse logo se voltou para o cinema, levando-o a produzir pequenos filmes caseiros ao longo dos anos.
Contrariando a vontade de seu pai, que queria que ele se tornasse engenheiro, Coppola entrou no Hofstra College em 1955 no curso de teatro, onde recebeu uma bolsa para estudar roteiro. Após assistir a Outubro, de Sergei Eisenstein, no entanto, Coppola decidiu mudar o seu curso para cinema. Nesse aspecto, ele foi o fundador da oficina de cinema da faculdade e contribuiu enormemente para a revista literária do campus. Tendo completado seu curso em 1960, Coppola seguiu para a UCLA.
PROBLEMAS NA FACULDADE E OS PRIMEIROS TRABALHOS
"Eu trago para minha vida uma certa quantidade de bagunça."
Em seus primeiros anos dentro da UCLA, Coppola enfrentou sérios problemas envolvendo dinheiro. Completamente quebrado, o diretor sobrevivia com pouco mais de 10 dólares por dia e tentava se sustentar com alguns curtas, como o horror The Two Christophers. Uma outra forma que ele obteve para conseguir dinheiro extra foi através da gravação de pequenos curtas envolvendo cenas de nudez sem implicar em nenhum ato sexual, os chamados "nudie-cuties".
Um desses curtas, intitulado The Peeper, chamou a atenção de uma pequena produtora, que ofereceu a Coppola 500 dólares para reeditar um filme antigo deles usando cenas do curta do jovem, lançando o novo filme em 1962 sob o título Tonight for Sure. Esse trabalho levou Coppola a conseguir outros projetos de reedição de materiais, até ser contratado como assistente do diretor Roger Corman.
Seu primeiro trabalho como assistente do diretor foi reeditar a ficção científica soviética Nebo zovyot, lançado em 1962 sob o título Battle Beyond the Sun. Impressionado com o trabalho do jovem, Corman o escalou como diretor de diálogos no filme A Torre de Londres (1962) e como produtor associado do filme Sombras do Terror (1963). Foi durante essa época que Coppola dirigiu seu primeiro longa, Demência 13 (1963), um terror de baixo orçamento feito com o que restara dos fundos de um dos filmes de Corman, mas cujo roteiro impressionou tanto o diretor mais velho que o levou a investir na produção.
Em 1965, Coppola recebeu o Samuel Goldwyn Award de melhor roteiro escrito por um estudante da UCLA. O prêmio lhe garantiu um trabalho no estúdio Seven Arts como roteirista, o que o levou a trabalhar em importantes projetos como This Property Is Condemned (1966) e Paris Está Em Chamas? (1966). Ainda em 1966, Coppola dirigiu o filme Agora Você É um Homem, que recebeu muita aclamação e levou a atriz Geraldine Page a ser indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar.
Após o sucesso de Agora Você É um Homem, Coppola assumiu a direção do musical O Caminho do Arco-Íris (1968), aonde conheceu George Lucas, que se tornaria seu grande amigo e contribuinte em vários projetos. Em 1969, ele dirigiu Caminhos Mal Traçados, que o colocou em conflito com as políticas do estúdio, que mais tarde o levariam a criar o seu próprio estúdio alternativo, em uma tentativa de usar os lucros de grandes produções para financiar projetos independentes de diretores novatos. O estúdio, construído por ele e por Lucas, recebeu o nome de Zoetrope e se tornou pioneiro no uso de diversas tecnologias inovadoras, em especial o uso de filmagem digital.
ANOS 70: A NOVA HOLLYWOOD E OS GRANDES SUCESSOS
A chegada da Década de 70 viu a explosão do movimento conhecido como Nova Hollywood, do qual Coppola foi um dos principais expoentes. Reunindo outros grandes diretores como Martin Scorsese, Steven Spielberg, Robert Altman, Brian de Palma e Woody Allen, o movimento visava revolucionar a forma de fazer cinema de Hollywood, introduzindo conceitos e técnicas que desafiavam a forma convencional de cinema usada até então. Os Anos 70 também foram o momento em que Coppola lançou alguns de seus projetos mais famosos e revolucionários.
Logo no início da década, o diretor conquistou seu primeiro Oscar por Roteiro pelo filme Patton: Rebelde ou Herói?, filme que também deu o Oscar de Melhor Ator a George C. Scott (que notoriamente o recusou) por viver o famoso general americano responsável por algumas das mais importantes vitórias do exército na Segunda Guerra Mundial, mas que também se tornou uma figura polêmica dentro do exército por suas opiniões exageradas e métodos brutos de ação. Mas mesmo com o filme sendo um sucesso, Coppola enfrentou problemas durante a produção, tendo que lutar com o diretor Franklin J. Schaffner para preservar sua versão do roteiro e só conseguindo após George C. Scott se recusar a fazer o filme se a versão não fosse mantida.
Em 1972, Coppola lançou seu maior projeto: O Poderoso Chefão. Baseado no livro de Mario Puzo, a obra se tornou um clássico do cinema e um dos filmes mais importantes de todos os tempos, narrando a saga da família Corleone enquanto eles crescem em poder dentro da máfia siciliana nos Estados Unidos. Ironicamente, Coppola a princípio teria hesitado em dirigir o filme, por medo de que a história pudesse ser interpretada como uma glorificação da máfia. Foi só depois de pensar a história como uma metáfora para o capitalismo americano que ele concordou em participar do projeto, e mesmo assim houveram inúmeros conflitos com a Paramount, que não concordava com a forma do diretor de conduzir o filme ou com a escalação de Marlon Brando para o papel principal.
Apesar desses conflitos, o filme se tornou um enorme sucesso, faturou inúmeros prêmios e obteve enorme aclamação tanto da crítica quanto do público, se tornando matéria de faculdade e objeto de intensas análises ao longo dos anos, sem nunca perder sua relevância histórica. Tudo isso deu a Coppola o sinal verde para dirigir a sequência, O Poderoso Chefão Parte II, que marcou o cinema por sua capacidade de contar duas histórias ao mesmo tempo (uma do jovem Vito Corleone, vivido por Robert De Niro, e outra acompanhando Michael Corleone, vivido por Al Pacino), e se tornou o primeiro filme de Hollywood a usar o termo "parte II" em seu título, iniciando uma longa tradição que segue até hoje nas sequências hollywoodianas. Quase tão grande quanto o primeiro, o novo longa conquistou um grande número de prêmios, aprofundou as discussões do original e deu a Coppola seu Oscar de Melhor Diretor, além do segundo Oscar de Melhor Filme e inúmeros outros prêmios.
Para além dos trabalhos como diretor, Coppola também atuou como produtor de diversos filmes da Zoetrope, muitos dos quais dirigidos por seu amigo George Lucas. O primeiro projeto dos dois foi o filme de ficção científica THX 1138 (1971), que acompanha um casal que se rebela contra uma sociedade distópica rigidamente controlada na qual pessoas têm designações ao invés de nomes, provocando uma reação que os leva a serem duramente reprimidos e perseguidos. Logo em seguida, a dupla trabalhou juntas no filme Loucuras de Verão (1973), filme que recebeu as indicações de Melhor Filme e de Melhor Diretor para Lucas.
Durante essa mesma época, Coppola também dirigiu o filme A Conversação (1974), que o consagrou como um dos grandes autores de Hollywood e recebeu a Palma de Ouro em Cannes, e escreveu o roteiro de O Grande Gatsby (1974). Tendo se consolidado com esses trabalhos, ele só retornaria à direção de um filme em 1979, quando produziu seu grande ensaio sobre a Guerra do Vietnã, Apocalypse Now. Considerado uma das obras-primas da Nova Hollywood, o filme segue um grupo de soldados em uma missão para executar o temível Coronel Kurtz (Marlon Brando), que desertou do exército americano para lançar sua própria guerra em meio à selva do Vietnã. Sua abordagem da guerra é densa e reflete muito mais os horrores emocionais e psicológicos que os soldados enfrentaram, promovendo um imenso debate que o consagrou em Cannes e em diversos festivais, mesmo que não tenha sido agraciado com o Oscar.
A BAIXA NOS ANOS 80 E OS CONFLITOS NOS ANOS 90
Após o enorme sucesso na década de 70, Coppola, saiu um pouco dos holofotes durante os Anos 80. Alguns exemplos de produções do diretor durante essa época são o musical O Fundo do Coração (1982), que se tornou pioneiro no uso de técnicas de edição de vídeo marcantes na época, teve um desempenho péssimo nas bilheterias, e Vidas Sem Rumo (1983), que marcou o início da carreira de muitos atores como Rob Lowe, Matt Dillon e Ralph Macchio.
Devido a vários fracassos de bilheteria durante esses anos, Coppola contraiu pesadas dívidas que afetaram seu trabalho ao longo dos próximos anos, além de ter enfrentado nesse mesmo período a morte de seu filho, Gian-Carlo Coppola.
Em 1990, foi lançado O Poderoso Chefão: Parte III, o qual tinha o objetivo de ser o epílogo para a história contada nos dois primeiros filmes. Ainda assim, Coppola só aceitou o trabalho devido à grave situação financeira em que se encontrava devido ao fracasso de O Fundo do Coração. O filme se tornou um grande sucesso comercial, mesmo com várias críticas mistas e análises negativas principalmente a respeito da atuação de Sofia Coppola, a filha do diretor, como Mary Corleone. O filme também foi o único da trilogia a não conquistar nenhum prêmio no Oscar.
Em 1992, Coppola dirigiu o filme Drácula de Bram Stoker, adaptação do grande romance que tinha o objetivo de seguir a história do livro de maneira mais precisa do que adaptações anteriores. Com Gary Oldman, Winona Ryder, Keanu Reeves e Anthony Hopkins, o filme se tornou um enorme sucesso comercial tanto nos Estados Unidos quanto no restante do mundo, marcando o retorno do diretor ao topo da lista dos grandes sucessos do ano. Também conquistou os prêmios de Melhor Figurino, Maquiagem e Edição de Som no Oscar.
Após o sucesso de Drácula, Coppola conquistou outro sucesso nas adaptações góticas como produtor do filme Frankenstein de Mary Shelley (1994), dirigido por Kenneth Branagh. Como diretor, no entanto, lançou apenas outros dois filmes, nenhum dos quais foi muito bem sucedido: Jack (1996), que, apesar de uma bilheteria razoável, recebeu pesadas críticas por não conseguir combinar com eficiência comédia e melodrama; e O Homem que Fazia Chover (1997), que conquistou críticas muito positivas e se tornou um marco nas adaptações dos romances de John Grisham, mas que obteve uma bilheteria pequena em comparação a essas outras adaptações.
Os anos 90 também marcaram o momento em que Coppola entrou em disputas e confrontos, principalmente com a Warner Bros. O primeiro desses conflitos envolvia a produção de uma adaptação de Pinóquio, na qual o diretor vinha trabalhando desde o fim dos Anos 80, mas que o estúdio nunca levou para frente. Em 1991, ambas as partes entraram em conflito devido ao montante que deveria ser pago a Coppola pelo seu trabalho no filme antes de seu cancelamento, o que deu ao diretor um retorno bastante substancial.
Em 1996, Coppola voltaria a entrar em confronto com a Warner após iniciar um processo contra o escritor Carl Sagan devido ao filme Contato. Segundo o diretor, ele e Sagan tinham um acordo de produzir um programa de televisão nos Anos 80, que nunca foi ao ar. A editora Simon & Schuster, no entanto, teria publicado o livro de Sagan que inspiraria a produção e vendido os direitos do filme para a Wraner Bros. O caso foi recusado em 1998, porque Coppola teria esperado demais para iniciar o processo.
OS ÚLTIMOS VINTE ANOS: AFASTAMENTO COMO DIRETOR, COMENTÁRIOS E MEGALOPOLIS
Desde o começo dos Anos 2000, Coppola parece ter se afastado da direção de filmes, tendo trabalhado em apenas quatro projetos como diretor nos últimos vinte anos: Velha Juventude (2007), Tetro (2009), Virgínia (2011) e Distant Vision (2016), todos os quatro com críticas mornas, no máximo. Como produtor, no entanto, ele ainda conseguiu alavancar alguns bons projetos, principalmente trabalhando nos filmes de sua filha, Sofia Coppola, como Encontros e Desencontros (2003) e Maria Antonieta (2006).
Após longos anos sem chamar a atenção para suas produções, no entanto, Coppola ressurgiu em anos recentes, anunciando seu mais novo projeto: Megalopolis, filme ainda sem data de estreia e nos primeiros estágios de produção. Pouco se sabe sobre o longo, exceto que é um projeto bastante pessoal do diretor e que vem encontrando dificuldades para obter financiamento, pois nenhum estúdio deseja bancá-lo. Esse empecilho, porém, não parece desanimar o diretor, que recentemente anunciou estar investindo mais de 120 milhões de dólares do próprio bolso para a produção do filme.
Além dessa nova produção, Coppola tem chamado a atenção na mídia por conta de suas crítica e comentários pesados contra produções populares dos últimos anos. Inúmeras de suas críticas se voltam contra a Disney e a Marvel, cujos filmes o diretor afirmou não poderem ser chamados de "cinema". Mais recentemente, diante do aniversário de 50 anos de O Poderoso Chefão, Coppola começou a aparecer muito mais na mídia, e suas críticas se tornaram mais abrangentes, atingindo não só os filmes da Marvel, mas também uma enorme variedade de filmes blockbuster, entre os quais, recentemente, esteve incluído o indicado ao Oscar Duna (2021), de Denis Villeneuve.
E você? Concorda com a visão do diretor? Qual o seu filme preferido de Coppola? Deixe sua opinião nos comentários!