Tendo começado como um dos maiores sucessos dos Anos 90 e um dos grandes filmes de ficção científica de todos os tempos, Jurassic Park foi vítima de algo que, atualmente, condena cada vez mais filmes de todos os gêneros: a insistência em fomentar franquias. Com dois filmes subsequentes, a saga dos dinossauros sofreu uma ressurreição em 2015, vinte e dois anos após o longa original, iniciando assim uma nova trilogia para dar continuidade à sua história.
O caso dessa franquia não é algo específico dela, mas sim algo que podemos notar em muitas outras produções no cinema atual: no papel, os filmes deveriam, em geral, ser um sucesso. Salvo pelo cansaço de inúmeros longas consecutivos, a ideia original de Jurassic Park vem evoluindo a cada filme de uma maneira que, feita de outra forma, seria orgânica e poderia resultar em uma boa franquia. Mas não foi esse o caso.
Diante da liberação de um novo filme, que deve encerrar a história iniciada em Jurassic World, vamos revisitar os filmes dessa franquia e analisar de que maneira eles abordaram a ideia original, o que trouxeram de novo a ela e qual foi o resultado.
A IDEIA ORIGINAL: A CIÊNCIA NÃO PODE CONTROLAR A NATUREZA
Baseado no romance de ficção científica de Michael Crichton, Jurassic Park uniu uma excelente história a efeitos práticos alucinantes e resultou em um dos maiores clássicos do cinema. Na história, o excêntrico milionário John Hammond (Richard Attenborough) reúne um grande número de cientistas e geneticistas para criar um parque temático onde dinossauros andam livremente. Tendo conquistado seu sonho, ele convida o paleontólogo Alan Grant (Sam Neill) e a paleobotânica Ellie Sattler (Laura Dern) para visitarem o local e darem o seu parecer.
Com essa temática, era esperado que as coisas dariam errado no filme. E obviamente, seja pela força das próprias criaturas ou pelas ações de vigaristas, os dinossauros saem de suas cercas e causam destruição no parque. Mas essa libertação de certa forma reforçou um dos pontos fundamentais do filme: o de que a vida sempre encontra um meio. Ao longo de toda a trama, são visíveis os esforços dos cientistas para conter as criaturas, sendo pela alteração genética, a criação de grandes cercas ou mesmo a manipulação dos genes para fazer com que todos os animais do parque sejam fêmeas. E mesmo assim, a natureza encontra um meio de se libertar da ciência, usando até mesmo de características que a própria ciência inseriu, como é o caso do DNA anfíbio usado para reconstituir o DNA de dinossauro permitindo aos animais mudarem de sexo no ambiente dominado só por fêmeas e sendo, assim, capazes de reproduzir.
Essa fuga da natureza das mãos da ciência não constitui somente um poderoso argumento sobre o qual se constrói o filme, mas também é a fonte principal de suspense e de conflito na trama. Com a natureza solta e os dinossauros libertos, o passeio no parque se transforma em uma jornada perigosa e uma luta pela sobrevivência, na qual o contato entre humanos e dinossauros é catastrófico para o primeiro grupo. E é a partir da imprevisibilidade desses encontros que se criam situações de tensão, no qual vemos os riscos aos personagens principais e tememos pela sua sobrevivência, vendo-os passar por situações cada vez mais perigosas sempre com aquela ponta de ansiedade de que eles não vão conseguir. Essa tensão reforça a seriedade da mensagem e a torna ainda mais poderosa.
MUNDO PERDIDO: UM DINOSSAURO EM MEIO ÀS PESSOAS
O segundo filme da franquia, O Mundo Perdido, não obteve o mesmo sucesso que o original, apesar de não ser um filme ruim. E mesmo com suas falhas, o longa ainda assim conseguiu expandir a temática e a mensagem do primeiro, trazendo de volta uma situação semelhante e ampliando-a para um horizonte ainda não visto.
O filme se inicia quando Hammond chama de volta o doutor Ian Malcolm (Jeff Goldblum) para investigar uma segunda instalação de dinossauros e averiguar como os animais conseguiram sobreviver nesse meio sem o apoio dos cientistas. Mais uma vez, existe a premissa de que a natureza sempre encontra um meio, e ao menos dessa vez os esforços de Hammond são para entender o que aconteceu na ilha, de forma que ele possa argumentar em favor do seu isolamento do resto do mundo. Ao mesmo tempo, um outro grupo, pertencente à empresa InGen, chega à mesma ilha para caçar os dinossauros e levá-los a um novo parque, a ser construído em San Diego.
Se de um lado existe a evolução da ideia de que, ao invés de controle, deve haver entendimento, do outro temos humanos cometendo os mesmos erros. O que por si só não é algo ruim, visto que pessoas não aprenderem com erros gigantescos é algo esperado e comum, mas também porque esse novo erro gera uma catástrofe muito maior quando um Tiranossauro é solto no meio de San Diego. Com todos os esforços para contê-lo, todos os soníferos aplicados e toda a confiança dos homens da InGen, a imprevisibilidade da força do animal ainda assim levou a melhor e promoveu caos e destruição na cidade.
O filme termina com uma mensagem do próprio Hammond, alertando as pessoas para a existência dos dinossauros na Ilha Sorna e pedindo que as pessoas simplesmente deixem que eles existam ali, isolados. É esse contraste interessante entre a evolução de Hammond e a catástrofe em San Diego que reforça a ideia de que a vida e a natureza sempre encontrarão um meio de se sobrepor ao controle criado por humanos. Então, ao invés de impormos barreiras, deveríamos nos esforçar para compreender o que está acontecendo.
O TERCEIRO FILME: SÃO SÓ... MAIS DINOSSAUROS
Já demonstrando os limites da ideia original, Jurassic Park III não promove a expansão das ideias criadas pelo original e continuadas no segundo. Trazendo de volta Sam Neill como Alan Grant, a trama agora gira em torno da busca desesperada de dois pais, que contratam Grant para guiá-los pela Ilha Sorna enquanto eles buscam pelo seu filho desaparecido. Nesse cenário, o aspecto científico e de investigação que havia sido a base dos primeiros filmes é completamente deixado de lado, e o mesmo pode ser dito sobre a sua mensagem. Em outras palavras, Jurassic Park III não serviu para nada além de introduzir novos dinossauros um pouco mais aterrorizantes que os anteriores.
Sendo justo, existem dois momentos em que a ideia dos filmes anteriores retornam: o começo e o final. No começo do filme, vemos o evento causador, em que o filho do casal, acompanhado de um amigo da mãe, sai para um passeio na costa da Ilha Sorna, quando seu grupo é atacado e ele acaba preso dentro da ilha. Essa cena serve como reforço para o argumento final dos dois primeiros filmes de que a natureza é incontrolável e imprevisível, e que não deveríamos tentar lidar com aquilo que desconhecemos. Já a cena final mostra um grupo de pterossauros que, tendo sido libertos de sua gaiola, agora acompanha os helicópteros de volta ao mundo humano, dando nova ênfase à ideia de que, não importa nosso esforço, a natureza sempre achará um meio de se libertar.
JURASSIC WORLD: A IDEIA REVISITADA
Mais de vinte anos depois do lançamento do primeiro filme, a franquia foi revivida com Jurassic World, que trouxe efeitos especiais avançados e um novo elenco para a saga, além de novas ameaças. O contexto do novo filme traz de volta a ideia original do parque dos dinossauros, mas dessa vez não é apenas um pequeno grupo, e sim um público imenso. Em funcionamento há anos, o Jurassic World é uma atração mundial, mas seus chefes querem expandir essa atração para outros níveis.
O quarto filme é o primeiro a ingressar no arriscado projeto de alteração genética. Tentando chamar o público para uma nova atração, os cientistas do Jurassic World combinam DNA de diferentes dinossauros para criar uma nova espécie, o Indominus Rex, sem perceber que, com isso, criaram um monstro inteligente que escapa de sua jaula e promove o caos pelo parque. Logo, diversos dinossauros perigosos são soltos em um parque lotado de turistas, levando a diversos ferimentos e inúmeras mortes.
Apesar de seu sucesso, Jurassic World já demonstrou como a franquia perdera a sua essência original. Toda vez que uma saga corre para ideias de alteração genética, é sinal de que sua ideia principal já se esgotou há tempos. Nesse sentido, o quarto filme não contribui muito para elevar a ideia e a discussão dos originais. Sua maior contribuição é a ideia de que a natureza e o instinto selvagem sempre vão sobrepujar os esforços do homem, mesmo quando este manipula a natureza à sua vontade. De certo modo, ao introduzir um parque em funcionamento e cheio de turistas, Jurassic World só reforça o argumento do filme original sobre as consequências desse tipo de "controle" sobre a natureza e torna o resultado da fuga dos animais mais impactante.
Ainda podemos apontar a relação de Owen (Chris Pratt) com os velocirraptores como uma mensagem importante de que o caminho certo para a coexistência de humanos e animais é o entendimento, o respeito e a confiança mútua. Mas a forma como o filme trabalha essa relação propõe um tipo de inteligência sobrenatural por parte dos dinossauros e coloca essas cenas como um elemento mais fantástico e menos natural dentro do filme.
REINO AMEAÇADO: COMEÇAMOS A NOS REPETIR DEMAIS
Reino Ameaçado promove uma continuação para Jurassic World que é, na verdade, apenas uma junção de outras coisas que já vimos na franquia. Quando um vulcão na Ilha Nublar entra em atividade, colocando em risco todos os dinossauros ainda vivos, é iniciada uma força tarefa para ir ao local resgatar o máximo possível de dinossauros antes do evento. Nesse meio tempo, porém, uma empresa cobiçosa se vale dos dinossauros capturados para iniciar projetos genéticos para criar armas vivas para serem vendidas no mundo humano.
Unindo não só a ideia de experiências genéticas que criam dinossauros aterradores, o novo filme também criou a ideia de clonagem de humanos, buscando ampliar a área de atuação da ciência empregada nos filmes até então e tentar, assim, trazer algo de novo à discussão. Isso não funciona da maneira como planejado, e a clonagem humana acaba sendo extremamente nociva ao filme. No âmbito geral, esse é o filme que introduz menos à discussão geral da franquia, tendo talvez um debate interessante no começo, quando se cogita a possibilidade de deixar o vulcão extinguir os dinossauros novamente. Esse é talvez o ponto mais interessante que a nova trilogia introduz: o quanto criações da ciência e manipuladas por ela podem realmente ser consideradas algo natural? Uma pena que tal aspecto não foi trazido com mais profundidade.
DOMÍNIO: ESTÁ NA HORA DE ACABAR
Jurassic World: Domínio parte do final do último filme, introduzindo um mundo onde os dinossauros escaparam do cativeiro e, agora, convivem entre humanos, causando enormes problemas e sendo vítimas da cobiça de diversos grupos. Esse seria um ponto interessante de se explorar, visto que o próprio filme procura para si um argumento de defesa da natureza e de coexistência entre humanos e outras criaturas, mas aqui parece que os dinossauros e suas consequências no mundo são deixadas em segundo plano.
Domínio é o filme no qual as últimas grandes ideias da franquia são deixadas de lado em prol de uma abordagem rasa e que visa apenas ser chocante. Não só o convívio de dinossauros com humanos não é o foco do filme, como também o arco principal, que relata o uso de DNA Cretáceo por uma empresa para criar gafanhotos mutantes, causando assim uma catástrofe ecológica, é pouco aprofundado e facilmente resolvido, tirando a seriedade de sua mensagem. O filme é mais um daqueles que quer se mostrar atento à forma como grandes corporações e empresários estão explorando ao extremo os recursos naturais e promovendo tragédias incalculáveis, mas que não parece ter a coragem de realmente criticar essas empresas e pessoas ou de promover uma reflexão pesada sobre o assunto.
CONCLUSÃO: É IMPORTANTE EVOLUIR, MAS TAMBÉM É IMPORTANTE SABER PARAR
Jurassic Park é uma franquia que, como muitas outras, se desenvolveu a partir de uma ideia excelente, mas que se perdeu nas diversas tentativas de expandi-la para se continuar a saga. É um erro repetido muitas vezes em uma indústria que depende cada vez mais de ideias antigas e reciclagem de elementos para se manter viva. E é horrível ver tal destino recair sobre uma saga que, a bem da verdade, não precisaria se tornar uma saga.
O mundo dos dinossauros no cinema sobreviveria muito bem na memória das pessoas com apenas um, ou mesmo dois filmes. Atingindo o que foi o ápice da sua ideia e argumento central, proporcionou ao público uma enorme diversão ao mesmo tempo em que permitia uma reflexão mais aprofundada. Ambos esses aspectos foram derrubados pela insistência dos estúdios em continuar algo que já não tinha muito mais para onde ir, levando-os a forçar saídas para tornar os novos filmes interessantes, abandonando assim o essencial que tornou os primeiros tão icônicos e deixando em segundo plano seus aspectos mais cruciais.
Franquias cinematográficas sempre existiram e sempre irão existir. E enquanto houver uma boa ideia por trás dos filmes, uma ideia que possua um espaço natural para se desenvolver, é interessante dar continuidade à história até se atingir a conclusão esperada. Mas também é preciso perceber que essa conclusão é onda a sua saga deve acabar, do contrário você acaba com uma saga que ou exagera demais os novos filmes para tentar continuar um argumento já finalizado, ou acaba caindo na repetição de pontos já estabelecidos.
É triste perceber que ninguém na indústria vai dar valor a isso. Dinheiro fala mais alto para eles do que qualquer lógica, e o que aconteceu com Jurassic Park deve se repetir em inúmeras outras franquias e sagas. Isso, contudo, não tira o valor dos filmes que realmente exploraram a ideia a sério e a conduziram para uma evolução e elevação natural e correta. Incapaz de corrigir os erros causados pela intensa exploração dessa saga, sobre Jurassic Park: defendam o primeiro filme, e talvez o segundo, que exploram bem os temas propostos; o resto é bobagem fadada à extinção.