Sim, Licorice Pizza possui um relacionamento bastante polêmico entre seus dois protagonistas. Paul Thomas Anderson não é estranho a trazer esse tipo de relação para seus filmes, e sua nova produção atraiu alguns olhares indesejados por mostrar uma relação entre uma garota de 25 anos e um adolescente de 15. Relação essa que o filme até demonstra reconhecer como problemática no início, mas que desenvolve sem se adentrar no problema e acaba normalizando-a ao final da trama. É importante reconhecer isso porque, apesar de abordar outros assuntos em sua narrativa, o filme acaba sendo sempre guiado por essa relação, que nunca deixa de parecer estranha e desconfortável ao espectador.
Os protagonistas são Alana Kane (Alana Haim), uma mulher de 25 anos que vive com sua família judia bastante rígida e luta para descobrir o que fazer, e Gary Valentine (Cooper Hoffman), um adolescente arrogante ator mirim atrevido. Os dois se conhecem enquanto Alana trabalha tirando fotos dos estudantes da escola de Gary, e o rapaz imediatamente se apaixona por ela e tenta convencê-la a sair em um encontro com ele. Esse é o pontapé inicial para uma complicada relação, na qual os dois se tornam amigos, confidentes, parceiros de negócios, sócios. Nessa convivência, Gary não esconde seu interesse por Alana, enquanto ela luta para manter o seu em segredo, questionando-se por várias vezes sobre o quão estranho é para ela andar com um grupo de adolescentes de 15 anos.
A química entre Haim e Hoffman é o ponto crucial do filme. Seja nos momentos de amizade, de paixão não mencionada e mesmo nas disputas e brigas, os dois se entregam totalmente a seus papéis e constroem uma relação tocante e realista, podendo assumir tanto ares mesquinhos quanto uma poderosa maturidade na qual os dois se apoiam para atingirem seus objetivos ou se sabotam no intuito de provocar ciúmes no outro.
Para além da atuação como casal, os dois atores também brilham individualmente, colocando seus personagens em jornadas de amadurecimento individuais e extremamente fortes. É impossível acompanhar a relação entre os dois sem perceber o quanto ela é afetada e moldada pelos problemas pessoais de cada um, que refletem a angústia de uma geração jovem de diferentes maneiras. Pela parte de Alana, temos uma mulher já formada e que deseja fazer algo relevante para o mundo e para si mesma, mas que se encontra indecisa sobre o que deseja fazer e ser, o que a empurra para uma convivência imatura com um grupo de adolescentes que a permitem fugir ocasionalmente de suas responsabilidades. Já Gary apresenta um adolescente arrogante que alcançou uma carreira rápida e acha que tem as respostas para tudo, buscando sempre mostrar o quão maduro e independente ele é, mesmo que ainda esteja preso à imaturidade de sua idade.
Como um ponto que talvez deixe sua trama ainda mais polêmica, o filme impossibilita o relacionamento dos dois de se solidificar efetivamente até que esse amadurecimento seja finalizado e os dois completem suas jornadas individuais, como se o filme dissesse que o amadurecimento não é uma questão apenas de idade. Por outro lado, esse desenvolvimento conjunto dos personagens como indivíduos e como casal torna a experiência dos dois algo atrativo para o público e criando um interessante estudo de personagens.
Para além dessa análise do casal, porém, Paul Thomas Anderson também tece um interessante mosaico sobre os anos 70, explorando alguns de seus aspectos mais nostálgicos e mesclando-os com algumas das principais crises do período, como a Crise do Petróleo e a repressão aos grupos LGBTQIA+. Sean Penn, Tom Waits, Bradley Cooper e Benny Safdie aparecem em pequenas participações como personalidades marcantes da época e que enriquecem o filme ao fornecerem um panorama interessante sobre a vida das celebridades e o falso glamour que muitas delas ostentavam. Para além disso, o filme também consegue incorporar as situações da época à vida de seus protagonistas, forçando-os a reagir a eventos e situações que abalavam o mundo naquela época e fornecendo uma visão mais íntima e local dos efeitos de grandes eventos históricos.
Licorice Pizza é um filme que fornece longas reflexões sobre variados temas, principalmente no que diz respeito à temática de amadurecimento, tanto individual quanto como casal. Com um roteiro bem estruturado e atuações fortes de seus dois jovens protagonistas, é uma história que consegue cativar o público e mantê-lo interessado, mas que não consegue esconder a problemática de sua relação principal. Mesmo fornecendo muito mais ao público sobre o que refletir, ainda assim saímos com a sensação de que algo ali não estava certo.
O filme estreia nos cinemas brasileiros em 17 de fevereiro e concorre a três categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original.