Sabe aqueles filmes que até apresentam uma boa proposta, mas que ficam apenas martelando o mesmo ponto que já foi batido inúmeras vezes por vários outros filmes anteriores? O remake de 2022 de Nada de Novo no Front é exatamente isso. Com um enorme primor técnico, uma atenção aos detalhes narrativos e uma reflexão poderosa sobre a guerra, o remake cai na armadilha de repetir o que as versões anteriores, e o que muitos outros filmes de guerra, já falaram inúmeras vezes.
Assim como a versão original de 1930, baseada no livro de Erich Maria Remarque, o filme retrata a história de Paul Bäumer (Felix Kammerer), um jovem alemão que se mostra ansioso para entrar no exército e servir a seu país durante a Primeira Guerra Mundial. Enviado para as trincheiras do front ocidental, ele fica amigo do veterano Katczinsky (Albrecht Schuch), que o ensina a sobreviver na guerra. Mas logo Paul descobre que a vida de glória dos soldados que tanto lhe falavam é uma mentira, e a guerra logo mostra seus verdadeiros horrores a ele.
Nada de Novo no Front não demora para expor seu ponto de discussão. Assim que chegam às trincheiras, Paul e seus amigos são acometidos por uma infinidade de ataques, males e horrores diferentes. E o filme não poupa o espectador da visão desses horrores, sejam as coisas mais simples como a sujeira e a imundície da trincheira, sejam os piores horrores como ataques brutais e mortes por morteiro, lança-chamas e baionetas. A temática de que a guerra é ruim assume todo o seu potencial nessa trama que, ao contrário de outros filmes do gênero, como Resgate do Soldado Ryan e o mais recente 1917, não coloca os personagens em alguma missão de busca ou jornada. Aqui, os protagonistas ficam presos às trincheiras, alternando apenas entre a zona de combate e o posto do quartel.
A pouca movimentação, assim como no filme anterior, ajuda a criar o clima de tensão. Momentos sem conflito são comuns, mas ao contrário de outros filmes, esses momentos não dão ao espectador um sentimento de avanço. Com os personagens parados, a expectativa de que algo deve acontecer cria uma ansiedade que perdura conforme os personagens permanecem parados, presos às trincheiras. Mas, enquanto o filme original se dedica completamente a essa vida nas trincheiras e, assim, nos força a acompanhar a falta de progresso dos protagonistas e aumenta ainda mais essa ansiedade, a versão de 2022 quebra esse sentimento, alternando entre os soldados nas trincheiras e duas outras histórias: a visão do general que comanda o front (Devid Striesow) e que deseja a continuação da guerra para sua própria glória, e a luta de um embaixador (Daniel Bruhl) para conquistar a paz e acabar com as mortes. Apesar de visões importantes para a mensagem do filme, essas duas tramas tiram o foco dos protagonistas e, com isso, diminuem a tensão que o acompanhamento ininterrupto das trincheiras poderia causar.
Esse acaba sendo o principal problema do filme: a falta de uma construção progressiva da tensão em cima dos personagens. Façamos uma comparação sobre esse ponto: a primeira versão do filme, de 1930, começa com um clima ameno e de camaradagem, reforçando a amizade de Paul e seus colegas, e vai alterando lentamente o tom conforme eles passam tempo na guerra, construindo uma agonia desesperadora à medida que acompanha um conflito que não evolui, na qual a única mudança é que o número de personagens vivos continuamente diminui. A nova versão trabalha muito bem a tensão da guerra, mas esta não segue um crescimento no mesmo sentido. Os horrores e o tom pesado são estabelecidos logo de início, a trilha sonora nunca deixa de provocar uma sensação de ansiedade e as cenas são construídas tendo sempre em vista essa ideia de um pesadelo. É uma construção efetiva, que certamente transmite a mensagem desejada, mas que perde a essência do original de transmitir a decadência dos homens durante a guerra.
Mais do que isso, a presença dos outros arcos narrativos paralelos cria novos pontos de tensão, que também possuem o seu crescimento ao longo da trama. Este crescimento, porém, é paralelo à tensão dos personagens no campo de batalha. Sua influência no arco principal é vital no último ato, mas por todo o filme as tensões são paralelas. Assim, por dividir sua história em diversos segmentos, o filme não conquista o mesmo crescimento da ansiedade e do terror que o primeiro, pois nossa atenção é dividida em três histórias, cada uma com seu próprio conflito e objetivo. A união dessas histórias recompensa o espectador com um final realmente desesperador e que provoca raiva, mas este se torna mais um pico solitário de ansiedade do que o resultado de um prolongado crescimento rumo ao desespero.
O que mais frustra em Nada de Novo no Front é o fato de que o filme é bom e muito bem conduzido. Suas tramas se unem de maneira coerente, a evolução do conflito e dos personagens é muito bem desenvolvida, a reflexão sobre a guerra é forte e contundente. As próprias atuações são marcantes, com Kammerer e Schuch oferecendo enorme profundidade a seus personagens e à relação entre eles e trabalhando seus conflitos internos de uma maneira que atinge um bom equilíbrio entre a sutileza e a explosão dramática. Este é um bom filme, mas que acaba caindo em uma repetição da temática de que "guerra é ruim" que tira a força de sua mensagem. A trama foca tanto em sua mensagem que se esquece de que esta é uma mensagem já usada em diversos filmes do gênero, e que precisa de algo novo para realmente afetar o público de maneira duradoura.
E eu não quero fazer comparações injustas, mas a primeira versão cinematográfica de Nada de Novo no Front foi feita em uma época em que filmes de guerra glamourizavam o combate como uma forma de obter honra e glória. Da maneira como foi feito, sua mensagem se tornou extremamente impactante por destruir esse mito e mostrar que, para os soldados, a guerra não tinha nada de gloriosa. Hoje em dia, essa mensagem já foi tão utilizada que muitos bons filmes de guerra não têm mais o mesmo impacto. Sem nenhuma nova discussão a oferecer sobre o assunto, a versão de 2022 de Nada de Novo no Front falha em obter o mesmo impacto que seu antecessor.
EXPECTATIVAS PARA O OSCAR
Prêmios Indicados: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Trilha Sonora, Melhor Som, Melhor Design de Produção, Melhor Maquiagem
Com nove indicações, incluindo uma de Melhor Filme do ano, é certo dizer que Nada de Novo no Front já tem garantido para si o Oscar de Melhor Filme Internacional. Mesmo competindo contra outros bons concorrentes, como Argentina, 1985, o longa alemão já demonstra o favoritismo da Academia, além de colecionar vitórias importantes, especialmente no BAFTA. Dito isso, tais vitórias podem não lhe conceder o completo favoritismo para Melhor Filme, competindo com outros filmes que chamaram a atenção em outras premiações. Novamente, sua vitória no BAFTA pesa a seu favor e lhe concede uma posição inesperada, mas a ausência de uma indicação em Melhor Direção, geralmente um dos dois prêmios que concedem favoritismo a Melhor Filme, é um peso contrário.
É claro que o filme ainda possui uma possibilidade com sua indicação a Melhor Roteiro Adaptado. Nessa categoria, Nada de Novo no Front parece se destacar como favorito, e sua adaptação do livro de Remarque realmente faz por merecer, apresentando bem os horrores da guerra e a forma como ela afeta os que estavam envolvidos. As mudanças em relação a outras adaptações dão um destaque para esse remake, mesmo que nem sempre positivo, e devem diferenciá-lo o bastante para sustentar um favoritismo na categoria.
Maquiagem e Cabelo é certamente uma categoria na qual o filme não se destaca, e é engraçado ver Nada de Novo no Front competindo contra A Baleia, Elvis e Batman, filmes que enviesam muito mais esse aspecto da produção. Design de Produção é outra dessas categorias que parecem estranhas, mesmo com a produção caprichada e detalhada das zonas de trincheira, retratando a sujeira e a lama do local com perfeição e sem nenhum tipo de censura. Ainda assim, continua sendo um aspecto menos chamativo no filme, que certamente ambienta bem a ação, mas que não obtém o maior destaque entre os indicados.
As demais categorias técnicas, entretanto demonstram um favoritismo do filme por conta de outros prêmios vencidos. Surpreendendo o público, Fotografia e Trilha Sonora podem se tornar vitórias para Nada de Novo no Front após suas vitórias no BAFTA, desbancando possíveis favoritos. No caso de Trilha Sonora, a competição se torna mais acirrada entre este filme e o até então favorito Babilônia, que agora vê sua vitória lentamente escorregar por entre seus dedos. Melhor Som é também outra surpresa, considerando que o longa alemão compete diretamente contra Top Gun: Maverick, um filme que foi especialmente elogiado por sua edição sonora. Ainda longe de se determinar um vencedor nessas categorias, é provável que as vitórias de Nada de Novo no Front em outros prêmios baguncem a competição no que seriam categorias quase que definidas até então.
Dito tudo isso, o longa ainda possui sua maior batalha em Melhor Filme, uma categoria que se tornou infame por, em muitos casos, premiar filmes mais medianos e de apelo mais disseminado do que de fato os melhores do ano. O próprio sistema de votação da categoria facilita essa situação. E Nada de Novo no Front é certamente um filme mais mediano, um que não deve causar enorme euforia, mas que também não deve ocasionar enorme desapontamento. Podemos dizer que o filme está em uma boa situação na competição, mesmo que não tenha o favoritismo garantido. Pode ser que ele repita o feito de Parasita, ganhando tanto Melhor Filme quanto Melhor Filme Internacional, mas com certeza não é o competidor mais memorável dessa edição da premiação.