Quando pensamos nos trabalhos de Guillermo del Toro, imaginamos grandes histórias de terror sobrenatural com monstros lendários e fantasmas aterrorizantes, no geral criados a partir de efeitos práticos e magníficos trabalhos de maquiagem. Ainda que permaneça dentro do gênero de suspense e mistério, O Beco do Pesadelo se afasta desse lado monstruoso e sobrenatural, abordando uma história mais humana e, por causa disso, mais visceral para o público.

Com um foco voltado para a análise do psicológico humano, o filme aborda a ambição como uma forma de construir grandes carreiras, mas também como a grande destruidora das mesmas quando levada ao extremo. No centro dessa trama está Stanley Carlisle (Bradley Cooper), um homem em fuga que acaba sendo contratado pelo traiçoeiro Clem (Willem Dafoe), para trabalhar em seu circo ambulante. Convivendo com os artistas do show, ele aprende inúmeros truques e trapaças que começa a empregar em seu show particular de vigarices. Mas quando a psiquiatra Lilith Ritter (Cate Blanchet) começa a investigá-lo, Stan começa a perceber que ele não é o único que conhece truques para controlar e enganar o público.
Envolto em uma aura de mistério e tensão a todo o momento, o filme não perde tempo em deixar claro que não estamos acompanhando um herói. A construção de Stan Carlisle e a atuação de Bradley Cooper provocam uma insegurança no público desde os primeiros momentos, quando o vemos fugir de uma casa. Uma vez dentro do circo, a trama parece assumir a história de um homem que usa seu trabalho em um show para se redimir dos seus pecados, mas nunca permite que a audiência se acomode nessa ideia e sempre preserva a noção de que há alguma coisa errada com o protagonista e com aqueles que o circundam. A figura de Clem e a maneira como ele conduz seu show desumano servem para deixar qualquer um desconfortável, e o filme não perde tempo em mostrar que as atividades do circo são cruéis e exploratórias da pior maneira possível.
Isso tudo, porém, não parece afetar Stanley, que continua a trabalhar no lugar e a desenvolver relações com esse grupo de trapaceiros e vigaristas, em especial e médium Zeena (Toni Collette) e o mago aposentado Pete (David Strathairn), que o ensinam a como desenvolver truques para enganar e maravilhar a audiência e o aconselham a nunca exagerar em seus truques e perder a noção da realidade. Mas a ambição de Stanley é muito maior do que a dos membros do circo, e ele logo começa a desenvolver uma apresentação própria ao lado de Molly (Rooney Mara), por quem se apaixona, para que os dois possam fugir do grupo.

A construção de Carlisle como personagem é extremamente interessante. Ele nunca se vende como uma pessoa boa, mas sua inteligência e capacidade de manipular os outros é inegável desde o início. Assim, o público ao mesmo tempo quer que ele pague por suas ações abomináveis, das quais ele nunca parece realmente se arrepender, e se entusiasma com a forma como ele manipula todos ao seu redor e constrói uma carreira de sucesso ao lado de Molly.

O Beco do Pesadelo se transforma aos poucos em um estudo do comportamento humano, analisando não só a forma como, muitas vezes, nos deixamos ser enganados por algo simples, mas também como a ambição e o desejo de conseguir ir sempre mais além pode nos colocar em altos riscos quando não controlamos até onde vamos em nossos planos. É também uma interessante história de como traumas moldam uma pessoa, fazendo-a buscar por algo determinado (perdão, castigo, absolvição) em diferentes lugares, permitindo-se inclusive ser enganado para isso. A presença da personagem Lilith Ritter, nesse aspecto, é importante não só para destrinchar os traumas que afetam Carlisle, mas também para revelar como os segredos de diversos personagens podem ser explorados pelas farsas e tramas do protagonista.

Com esse estudo, o filme consegue criar um suspense bastante assustador usando apenas as más intenções humanas e possibilidades bastante centradas na realidade. O que de fato é uma surpresa interessante vinda de Guillermo del Toro, um diretor acostumado a criar essas tramas sombrias e metáforas usando alguma criatura mitológica ou fantasmas misteriosos. E o diretor tem consciência dessa expectativa, propondo em vários momentos um possível flerte com o sobrenatural e deixando o público sempre à espera de um fantasma ou monstro que surgirá na trama. Abdicar desses elementos fantásticos, no entanto, foi uma decisão acertada do diretor, que consegue deixar a sua história ainda mais assustadora diante da certeza de que todas as atrocidades do filme são possíveis de serem cometidas por humanos normais.

Com um grande elenco e atuações marcantes de seus personagens principais, O Beco do Pesadelo propõe um poderoso estudo sobre ascensão e queda, ambição tóxica e manipulação da audiência a partir de uma história cheia de tensão e reviravoltas características do trabalho de Del Toro, mostrando o quanto ele consegue cativar e aterrorizar o público, mesmo sem a presença de seus monstros.