Analisar e criticar o mundo da arte na era da tecnologia e das redes sociais é um trabalho ao qual muitos filmes já se dedicaram. Alguns foram mais bem sucedidos do que outros, em parte por conseguir colocar suas críticas dentro de uma história que, por si só, já é envolvente para o público e capta sua atenção antes mesmo de propor a reflexão à qual se destina. O Menu, novo filme do diretor Mark Mylod, parece se encaixar bem nesse quesito, pois sua análise social não peca em trazer também uma história divertida e envolvente para o público.
A trama acompanha um jovem casal, Margot (Anya Taylor-Joy) e Tyler (Nicholas Hoult), que são convidados a participarem de um jantar especial no restaurante do renomado Chef Slowik (Ralph Fiennes). Uma celebridade gastronômica, Slowik sempre surpreende seu público com seus pratos mirabolantes, cada um deles trazendo uma história e uma reflexão profunda. Mas o que os convidados desse seu mais recente evento logo descobrirão é que o jantar do qual participam esconde um plano muito mais macabro por parte do chef.
É no mundo da gastronomia que O Menu trabalha seus temas, e as temáticas em torno da comida e do seu preparo convidam o espectador a se envolver, imergir no filme, "degustar" a narrativa como um grande jantar, cada momento da trama constituindo um prato especial rumo ao grande finale. Tendo em mente esse preparo para o final, a construção do suspense é feita de forma escalonada ao longo da trama, que inicialmente se assemelha mais a uma comédia sem grandes ricos para os personagens. É só depois que o jantar começa e os pratos começam a serem servidos que o público vai criando um sentimento de ansiedade que só cresce a cada prato, aumentando ainda mais o sentimento catártico ao final.
O roteiro permite essa construção justamente por se igualar ao dito Menu do restaurante, cada prato abordando a temática central do filme sob um ponto de vista diferente, cada prato descrito de forma a parecer uma sátira bem elaborada e uma piada de mal gosto ao mesmo tempo. A gastronomia é usada aqui como ponto central para a crítica social que o filme busca estabelecer, apontando as falhas na maneira como a sociedade atual consome coisas, seja a a comida, a arte, os filmes ou nossas próprias vidas. Cada personagem representa um aspecto nocivo da sociedade, e cada prato tece a sua crítica de forma singela e ácida, mirando exatamente nos pontos de falha mais visíveis em cada grupo, como a incapacidade de apenas apreciar algo sem postar uma foto dele; a rapidez com que consumimos, sem prestar atenção ao que estamos consumindo; a ambição de se buscar sempre o topo; a superficialidade da crítica daqueles que dizem saber sobre o assunto. Os temas abordados são os mais variados.
Mas talvez a crítica mais voraz do filme seja sem dúvida no que diz respeito à obsessão. Permeando todo o filme e os protagonistas, essa ideia faz parte do tema central do longa, e o roteiro a explora por dois ângulos. De um lado, temos a obsessão por um perfeccionismo inalcançável, que tira o prazer da arte e a transforma em um trabalho infrutífero e ingrato. Do outro lado, porém, temos a obsessão de pessoas por uma celebridade, o culto a alguém notório, que faz com que muitos não se dediquem a questioná-lo, mesmo quando suas ações são completamente absurdas. Esse tipo de crítica é menos sutil e se escancara em cenas de um absurdo que chega ao ridículo, mas seu ponto de reflexão se encontra na reação dos presentes, sempre apoiando o chef mesmo quando suas vidas estão em risco, como um culto à personalidade com consequências perigosas.
Tudo isso é carregado por um elenco estelar, liderado por Ralph Fiennes e Anya Taylor-Joy, que constroem entre si uma química interessante que os colocam em pontos opostos do tabuleiro e alimentam a tensão quanto os pontos de vista de seus personagens se chocam de maneira sublime e poderosa. Fiennes mantém sua costumeira pose de cavalheirismo e controle que, no seu papel, aumenta o nervosismo do espectador pela sua frieza em tratar todos ao seu redor, enquanto Anya constrói uma personagem rebelde, uma outsider em meio ao grupo que a permite se destacar como uma excelente protagonista. Nicholas Hoult também se destaca por seu personagem mais caricato, que fornece uma crítica divertida de se assistir, mas que acaba se tornando repetitivo com o passar do longa.
Mesmo entre os coadjuvantes, existem várias atuações de destaque, e o filme permite que tais papéis recebam atenção, construindo para cada mesa e cada parte um subenredo próprio que, se não é essencial para a trama principal, permite que nos aproximemos dos personagens e tenhamos certa empatia por eles. O destaque entre os coadjuvantes certamente vai para Hong Chau, que interpreta a ajudante de Slowik e estabelece uma posição de calma e controle que a tornam marcante e muito divertida ao longo da trama.
Se todos esses comentários sociais e críticas enriquecem o filme, é preciso também dizer que não são os mais originais já feitos. De fato, O Menu repete alguns clichês na hora de abordar essas temáticas, e muitos de seus comentários são repetidos de outras produções, o que enfraquece um pouco a história. O roteiro e as atuações conseguem manter o espectador e proporcionam ainda um filme muito bem feito e extremamente bem conduzido, mas ainda é um longa que não chega a ser tão profundo quanto gostaria.