Vamos direto ao ponto: se você vai no cinema assistir a um filme chamado O Urso do Pó Branco e espera algo realmente bom, suas expectativas precisam cair urgentemente. Mesmo baseado em fatos reais, o novo filme da diretora Elizabeth Banks traz em si mesmo uma proposta que, aos olhos de qualquer um, é ridícula. E o filme sabe disso, explorando a história verídica de uma ursa que encontrou um carregamento de cocaína na floresta de uma forma mais cômica do que aterrorizante, abusando de exageros ao retratar a ursa completamente enlouquecida pela droga e atacando os pobres humanos que entram desavisados na reserva ambiental.
Mas mesmo admitindo essa natureza de galhofa, o filme ainda assim não satisfaz por completo seu público. Isso porque, em meio a essa narrativa absurda, o roteiro tenta encaixar dramas demais para seus personagens e dá a eles mais seriedade do que deveria. É uma tentativa admirável de nos fazer sentir empatia pelos personagens do filme, construindo uma relação possível entre eles e o público através de traumas, conflitos, sonhos e objetivos reconhecíveis para a maioria das pessoas. Mas a atenção dada a esses conflitos, e a quantidade absurda de núcleos colocados na narrativa, atrasa a verdadeira ação do filme e cansa o expectador.
E esse cansaço causa um enorme problema para o filme por vir logo nos momentos iniciais. A introdução em si dos personagens não é o problema, pois como já disse, é necessário ter esse tipo de conexão com o público. Por causa disso, o primeiro ato é dedicado a nos apresentar os arcos narrativos a serem explorados: a mãe solteira (Keri Russell) com dificuldade de se conectar com a filha adolescente (Brooklyn Prince); os traficantes (Alden Ehrenreich e O'Shea Jackson Jr.), enviados por um chefão da máfia (Ray Liotta) para recuperar a cocaína perdida; a guarda florestal (Margo Martindale) com o sonho de ir para Yellowstone; o detetive (Isiah Witlock Jr.) que procura pelos traficantes. Entre os vários personagens apresentados, o filme se perde ao tentar acompanhar todos, gastando tempo demais com seus dramas clichês e caricatos sem, contudo, conseguir dar a nenhum deles um desenvolvimento mais do que superficial.
Vários desses dramas também possuem um certo problema de tom. Voltando-se mais para a comédia e para o absurdo, O Urso do Pó Branco não se entrega por completo à sua estupidez e insiste em tentar dar aos seus personagens um peso e seriedade maior. Mas, em um filme como este, esses momentos de seriedade entram em conflito com as cenas de ação exageradas e até inverossímeis, causando um problema duplo: por um lado, as cenas sérias nunca conseguem impactar o público com toda a profundidade que pretendem, pois sempre são seguidas de um momento em que o filme abandona a seriedade e abraça o ridículo; por outro, as cenas de comédia e terror escrachado são visivelmente enfraquecidas por causa desse conflito, perdendo a sua força por se tornarem pontos isolados em uma narrativa indecisa sobre o rumo que quer dar à sua história.
Sobre esse segundo ponto, seu impacto mais notável é a diminuição da presença da verdadeira estrela do longa: a ursa. Com um efeito especial bastante questionável, mas que não demora muito para ser aceito pelo público, o grande animal conquista a audiência em suas aparições por seu comportamento genuinamente espalhafatoso, ora agindo de maneira tosca e desatenta, ora sendo consumida por um frenesi brutal que a faz realizar proezas impossíveis. Em qualquer outro filme, essas cenas seriam taxadas de idiotice e levariam o longa à ruína. Nesse caso, porém, são elas que justamente salvam o filme, entregando ao público o espetáculo de exageros idiotas que ele quer ver. Por causa disso, é triste ver que o filme não se entregou mais a essas cenas, cortando momentos desnecessários com os humanos para propiciar mais cenas de comédia e de terror gore com o protagonismo do urso.
Na história do cinema, existe um espaço enorme reservado aos filmes que, de tão ruins, se tornam clássicos. filmes que receberam a alcunha de "trash" e se tornaram favoritos do público justamente por, intencionalmente ou não, abraçarem o seu lado mais tosco e propiciarem um divertimento genuíno por não pretenderem nada realmente sério. O Urso do Pó Branco, infelizmente, não chegou a esse ponto. Não é o tipo de filme que se torna esquecível, e certamente tem muitas cenas a seu favor quando abraça o seu lado mais ridículo, mas também não se deixa levar por esse seu lado durante toda a narrativa e compromete os seus exageros genuinamente bons com momentos que tentam ser dramáticos e sérios, mas que se perdem em clichês desnecessários e momentos que são vergonhosos pelos motivos errados.
É uma produção que ainda assim diverte o público, mas que poderia ter se tornado muito mais memorável se não tivesse tanto medo de admitir-se completamente idiota.