O tempo é talvez um dos aspectos mais fascinantes da sociedade. Está sempre presente em nossas vidas, seja pelos ponteiros do relógio ou pelo lento passar da luz do Sol. Pode ser definido pelas horas, pelas estações ou pelos anos. Cronometrado ou não, está sempre conosco, nos acompanhando e muitas vezes ditando as nossas atividades. Inúmeros teóricos já se dedicaram ao estudo do tempo, mas nunca chegaram a uma resposta definitiva sobre sua natureza.
Assim como a sociedade continua a buscar respostas para as questões envolvendo o tempo, o cinema também explorou esse fenômeno em inúmeros de seus filmes, associando-o principalmente ao gênero da ficção científica, onde suas ideias e aplicações podem ser exploradas a limites que ainda não foram alcançados e, inclusive, que não podem nem ser imaginados ainda pelos seres humanos. Tempo tem sido uma questão de debate extremamente presente tanto nas discussões sobre filosofia e física quando nos roteiros de cinema.
O TEMPO PARA CHRISTOPHER NOLAN

Um dos diretores mais bem sucedido ao trabalhar com questões envolvendo o tempo talvez seja Christopher Nolan. Seus filmes de ficção científica abordam a temática com profundidade, ao mesmo tempo em que propiciam narrativas cheias de ação e suspense, sendo assim filmes que agradam o público e o fazem refletir ao mesmo tempo. Não é à toa que muitos desses filmes são discutidos até os dias de hoje.
Amnésia talvez seja o primeiro longa mais marcante do diretor a mexer com uma ideia de tempo. Nesse caso, porém, esse uso se dá mais na montagem do roteiro e na elaboração da narrativa. Isso porque Amnésia é um filme contado de trás para a frente. Acompanhando Leonard(Guy Pearce), um homem com amnésia que procura pelo assassino de sua mulher, começamos o filme com ele matando o seu parceiro (Joe Pantoliano) e depois somos levados aos fatos passados que o conduziram a essa atitude. Nesse caso, o uso dessa técnica torna-se essencial para preservar o segredo do filme e a revelação surpreendente, que seria mostrada logo no início em um filme que seguisse o tempo linear, acaba sendo guardada para o final nesta produção e dá um novo significado a todo o longa.
Mais controverso do que o primeiro, Interestelar aborda uma grande quantidade de teorias espaciais e as coloca em prática em um drama de ficção sobre o amor paternal e as promessas feitas. Com o objetivo de garantir a sobrevivência humana após os recursos da Terra começarem a se esgotar em escala extrema, um time de exploradores viaja para os confins do universo, na esperança de encontrar um novo planeta para a humanidade. O filme lida com várias teorias ainda não comprovadas, que vão desde o buraco de minhoca até aspectos referentes aos buracos negros. A todo momento, o tempo é constantemente relembrado, seja na manobra pelo buraco de minhoca que custa anos para a tripulação, seja na chegada a um planeta onde cada hora passada equivale a sete anos na Terra, e mesmo na possibilidade de se interferir no tempo passado ao se ingressar em um buraco negro. A ideia principal colocada é de como o tempo é relativo, e em cada lugar a passagem dos anos é sentida de maneira diferente. No caso do planeta, por exemplo, anos e anos se passam enquanto a equipe se encontra na superfície, e o homem deixado para trás para cuidar da nave envelhece muito nesse tempo, mas nenhum dos outros tripulantes sofre nenhum sinal de envelhecimento, pois apenas algumas horas se passaram para eles.
Interestelar é talvez um dos filmes mais controversos de Nolan e um dos que mais dividiu fãs. No entanto, sua forma de ver a relatividade do tempo e explorá-la como tema narrativo é realmente marcante.
Recentemente, o diretor investiu em um novo projeto com o nome de Tenet, que segue a história de um agente da CIA (John David Washington), que entra para uma organização misteriosa com a missão de impedir um oligarca russo (Kenneth Branagh) de iniciar a Terceira Guerra Mundial. O interessante da trama é que esta agência domina o poder de “inversão do tempo”, onde eles usam a habilidade de fazer o tempo correr ao contrário como uma forma de impedir a catástrofe que está por vir. A ideia de manipulação do tempo é uma aposta arriscada, onde os personagens sofrem as ações na ordem inversa em que elas ocorreram, seja a bala que retorna para a pistola ao invés de sair dela, seja a demolição de um prédio que se tornar sua “reconstrução”. O mais complicado é que as mesmas personagens não regressam junto com as ações em um nível mental, de forma que eles sabem exatamente o que vai acontecer em seguida.
O TEMPO COMO UMA VIAGEM

Na ficção científica, um dos usos mais tradicionais do tempo como elemento narrativo é relativo à possibilidade de viagens para o passado ou para o futuro. A viagem no tempo é um sonho antigo da humanidade pela possibilidade de visitar momentos que já aconteceram, mas também pela capacidade de se visitar eventos que ainda não ocorreram. No mundo do entretenimento, essas ideias se tornaram fonte para inúmeros filmes e séries que brincam com as possibilidades que a viagem no tempo pode proporcionar.
Talvez a saga mais famosa a empregar a ideia de viagem no tempo seja a trilogia De Volta para o Futuro, de Robert Zemeckis. Nessa saga, o doutor Emmett Brown (Christopher Lloyd) inventa uma máquina do tempo e a acopla a um DeLorean para poder visitar qualquer época, tanto do passado quanto do futuro. No primeiro filme, devido a um ataque sofrido, o doutor não consegue viajar e é seu companheiro, Marty (Michael J. Fox) quem volta trinta anos no passado, onde conhece seus pais quando adolescentes e acaba afetando a maneira como eles se conheceram, causando enormes repercussões no futuro. Essa é a origem da grande tensão do filme: os atos de Marty no passado alteram completamente o seu futuro, chegando a inclusive criar uma situação onde ele praticamente pode deixar de existir.
O segundo filme explorou a viagem para o futuro (na época, o ano de 2015), cheio de carros voadores, máquinas que fazem o serviço doméstico, televisões gigantes. Nesse filme, a tensão se dá pelo conhecimento da vida futura de Marty e os problemas que virão com ela, o que também cria uma discussão interessante: o futuro está escrito? É possível alterá-lo? Como fazer para viver no presente sabendo o que ocorrerá no futuro?
Ao longo do tempo, inúmeros outros filmes abordaram a ideia de viagem no tempo como uma possibilidade para se alterar o presente mudando o passado. É o caso dos longas Questão de Tempo, MIB: Homens de Preto 3, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban e o mais recente Vingadores: Ultimato. Contudo, a franquia que fez mais uso desse recurso ao longo de toda a sua história é O Exterminador do Futuro, que emprega a ideia de uma guerra futurística entre humanos e máquinas, da qual um ciborgue exterminador é enviado para o passado para eliminar a mãe do futuro líder da resistência, acabando assim com a possibilidade de vitória humana.

Nos filmes subsequentes, o alvo se torna o próprio garoto que virá a ser o líder, tanto na sua adolescência quanto quando ele se torna mais velho. No segundo filme, é abordada a possibilidade de alteração do futuro de outra maneira, na qual a guerra contra as máquinas poderia ser evitada. O terceiro filme volta a abordar essa temática, mas de outra maneira, colocando o futuro como inalterável, pois não importa o que os protagonistas façam, a guerra irá acontecer de qualquer jeito.
Na televisão, a série clássica Doctor Who também faz uso do recurso da viagem no tempo. Essa possibilidade é garantida pela Tardis, o veículo que possui a forma de uma cabine de polícia azul e que possibilita aos Doutores viajarem para diversos lugares remotos e proteger incontáveis civilizações ao longo do tempo e do espaço.

O TEMPO COMO REPETIÇÃO
O conceito de repetição do mesmo dia foi abordado primeiramente no já clássico Feitiço do Tempo, onde um repórter chamado Phil (Bill Murray) é enviado para cobrir a história de uma marmota capaz de prever o tempo, para a sua frustração. Ao acordar no dia seguinte, ele descobre que está revivendo o mesmo dia novamente, e que todos os dias seguintes se tornam esse mesmo dia. A princípio, ele começa a usar isso como uma vantagem, pois agora ele é capaz de fazer o que quiser durante esse dia sem sofrer as consequências no dia seguinte. Contudo, a situação logo se torna uma maldição, mantendo-o preso por toda a eternidade no mesmo período de tempo.

O conceito explorado em Feitiço do Tempo é interessante por dois motivos principais, que são a base para a discussão estabelecida pelo filme: de um lado, um pensamento sobre como seriam as pessoas se pudessem viver sem medo das consequências de suas ações no dia seguinte; do outro, o fardo de estar constantemente revivendo a mesma situação, sem que nada de novo possa de fato acontecer.
Ao longo dos anos após o lançamento do clássico de Bill Murray, muitos outros filmes empregaram esse mesmo conceito. Em vários deles, a ideia colocada é de que, no final de cada dia, o protagonista morre de determinada maneira. Sendo assim, a repetição é como um purgatório, onde ele continua sempre a morrer até conseguir viver aquele dia da “maneira correta” para poder continuar com sua vida. O também clássico Corra, Lolla, Corra mostra a jornada de uma mulher para recuperar uma enorme quantia de dinheiro perdida por seu namorado e apresenta três alternativas diferentes, baseadas em pequenas mudanças nas escolhas que ela faz ao longo de sua “corrida”, algumas possuindo consequências desastrosas enquanto outras são mais benéficas para a personagem.

Mais recentemente, esse conceito foi explorado na ficção científica por filmes como Contra o Tempo e No Limite do Amanhã. No primeiro, um soldado se torna parte de um experimento do governo onde ele é reencarnado no corpo de outro homem e tem como missão encontrar a bomba em um trem que explodiu e identificar o culpado. A cada vez que ele falha e o trem explode, ele é revivido oito minutos antes da explosão para tentar de novo. Já no segundo filme, temos novamente um soldado, dessa vez colocado em uma guerra contra alienígenas, e toda vez que é morto em combate, ele renasce no começo do mesmo dia e é colocado para lutar novamente.
Em casos mais recentes, essa ideia também foi explorada pelo terror. No filme de horror-comédia A Morte te dá Parabéns, uma garota é morta no dia de seu aniversário apenas para acordar no começo do mesmo dia. Presa nesse loop, ela precisa desvendar rapidamente quem é o assassino, com cada nova morte riscando um nome de sua lista de suspeitos.
O TEMPO COMO QUESTÃO SOCIAL
A ideia de tempo como uma questão social é presente em inúmeras discussões acadêmicas e vai desde a noção de que o tempo cronometrado pelo relógio foi uma invenção da revolução industrial e que submeteu o trabalhador a uma jornada completamente ditada pelos ponteiros, até a exposição do contraste entre a passagem de tempo para os ricos e para os pobres. Contudo, o cinema não pareceu explorar muito essa questão em seus filmes ao longo do tempo.
Um exemplo relativamente recente e mais popular sobre o uso dessa discussão no cinema foi o longa de ficção científica O Preço do Amanhã. Nele, todas as pessoas do mundo nascem com um relógio em seus pulsos que marca o tempo que eles ainda têm de vida. Nesse universo distópico, todas as trocas e compras são feitas com tempo, as pessoas são pagas com tempo a mais de vida e cedem parte de seu tempo para comprar o que necessitam.

O filme usa essa ideia para explorar uma forma pouco vista de desigualdade social, onde os pobres precisam batalhar todos os dias para conseguir mais tempo de vida enquanto os ricos possuem décadas e até mesmo séculos de reserva. Em um mundo onde o tempo de vida pode ser roubado, os ricos se isolam em suas áreas e deixam os pobres para lutarem entre si pelo pouco tempo que têm.
Apesar de não se dedicar completamente à reflexão proposta, caminhando muito mais para um thriller de ação do que para um filme reflexivo e optar por um final que agrade ao público em vez de um que o faça questionar a sua sociedade, O Preço do Amanhã apresenta uma boa premissa e toca em um ponto dificilmente trabalhado: o de que tempo de sobra é um privilégio das pessoas ricas, enquanto os pobres têm de batalhar por cada segundo, sem um momento de descanso.
O TEMPO COMO QUESTÃO FILOSÓFICA
Considerado um grande clássico da ficção científica, 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, é um filme que usa a expansão espacial e o avanço da tecnologia como uma forma de discutir o tempo e a evolução do ser humano. Ao contrário dos outros filmes nesta lista, sua análise não se limita a horas, dias ou meses, mas a séculos, acompanhando os principais avanços do homem em sua busca incessante por conhecimento e por conquista.

O filme começa no princípio da existência humana, quando nossos ancestrais primitivos aprenderam a usar ossos como ferramentas e armas, garantindo a sua sobrevivência em um ambiente inóspito e hostil. Da capacidade de usar um osso como porrete, esses homens primitivos rapidamente avançam para a capacidade de arremessar o osso no ar. Nesse momento, o corte perfeito de Kubrick contrasta o osso em movimento pelo ar com uma nave espacial, rumando em direção à Lua, milênios depois. Depois, realiza outro salto ainda mais à frente e nos coloca dentro de uma nave exploradora, a milhares de anos-luz da Terra, rumando para os confins do universo e sendo guiada por uma inteligência artificial de ponta conhecida como HAL (Douglas Rain). Em cada um desses momentos, o avanço da humanidade parece ser impulsionado por um misterioso monólito negro vindo do espaço, que serve primeiro como objeto de adoração para os humanos antigos, e depois como alvo de interesse de pesquisa.
Mais interessante do que esta evolução através do tempo, no entanto, é a maneira como Kubrick trabalha a ideia do eterno retorno: usando o mesmo osso como simbologia, ele constrói suas naves espaciais de forma que elas se assemelhem em formato ao dito osso lançado pelo humano primitivo de séculos atrás. Ambas as naves são alongadas e com a parte frontal arredondada, sem asas ou qualquer apêndice. A comparação feita entre o osso que é lançado ao céus para dar lugar à nave que avança pelo espaço não só cria uma ideia da capacidade evolutiva do homem ao longo de toda a sua história, como também estabelece uma teoria de que, por mais que avancemos rumo ao futuro, sempre teremos em mente nossos primeiros dias e, de alguma forma, quereremos retornar a eles.
Seja na física, na biologia, na sociologia ou na filosofia, o tempo sempre será uma matéria de discussão para o ser humano, pois há muito ainda sobre ele que não sabemos ou que não conseguimos provar, e pode levar séculos para que desvendamos todos os seus segredos, se é que um dia o faremos. Mas enquanto esse assunto continuar a existir nas diferentes camadas da sociedade humana, o cinema sempre procurará novas formas de trabalhar o tempo em seus filmes, onde tais discussões podem alimentar a imaginação humana e fomentar a reflexão.
E você? Qual o seu filme sobre o tempo favorito? Comente com a gente!