Nas últimas semanas, têm circulado notícias que são preocupantes. Todas dizem respeito à recepção negativa que alguns filmes têm recebido por parte do público, o que não seria algo alarmante se não fosse por um detalhe: esses filmes ainda não estrearam, portanto ainda não foram assistidos pelo público em geral. Sendo assim, como esse grupo de pessoas estão publicando opiniões sobre lançamentos que elas ainda não tiveram a chance de assistir? E, se elas não os assistiram, em que se baseia o seu ódio?
A primeira situação diz respeito ao lançamento dessa semana da Marvel, Os Eternos, filme dirigido pela vencedora do Oscar Chloe Zhao e que tratará de uma equipe de heróis imortais que vigiam a Terra contra a ação dos chamados Deviantes, sem, contudo, interferir nos conflitos humanos. O longa tem recebido críticas mistas dos veículos especializados que já tiveram acesso ao filme por cabines de imprensa, mas também vem enfrentando uma onda de opiniões negativas vindas do público comum, que não teria acesso antecipado à produção e estaria falando sem conhecimento do filme.
Entretanto, muitas dessas opiniões negativas têm um aspecto em comum: parecem se voltar contra a introdução de um personagem gay na equipe de heróis. Várias dessas pessoas reclamaram do fato de que o personagem Phastos (Brian Tyler Henry), um dos integrantes dos Eternos, seria um homem gay que viveria com um outro homem e teria um filho adotado com ele. A inclusão é importante para o MCU pelo fato de que Phastos é o primeiro herói assumidamente gay dentro do Universo Cinematográfico e viveria também a primeira cena de beijo gay de todos os 26 filmes já lançados. Tal inclusão, no entanto, desagradou inúmeros fãs da saga, que passaram a publicar críticas pesadas e ataques à produção, forçando o site IMDB a impedir que novas críticas do público fossem lançadas até o lançamento do filme.
Situação parecida vem ocorrendo com a produção nacional Marighella. Dirigido por Wagner Moura, o filme que conta a história do líder revolucionários Carlos Marighella e sua luta contra a ditadura militar no Brasil vem recebendo inúmeras críticas negativas por parte do público antes mesmo de sua estreia no Brasil. Os ataques foram tantos que, mais uma vez o IMDB teve de tomar medidas contra esse tipo de atitude, valorizando mais as críticas publicadas por pessoas de outros lugares do mundo onde o filme já estreou. Com a estreia adiada por muito tempo, Marighella vem sendo alvo de constantes discussões por causa de sua temática, atraindo tanto apoiadores do personagem real quanto seus opositores. Era previsível que opiniões contrárias se levantassem contra o seu conteúdo, mas era de se esperar que essas opiniões surgissem com mais força entre pessoas que já o tivessem assistido.
E estes não são os únicos filmes a sofrerem com isso. Nos últimos anos, diversas produções, entre as quais podemos destacar Capitã Marvel, Star Wars: O Despertar da Força e As Caça-Fantasmas, foram alvos de atitudes semelhantes por uma parte do público que repudiava a inclusão de questões sociais e mudanças em personagens trazidas por esses filmes. A questão é que, após esses lançamentos, esses filmes também sofreram críticas negativas por parte de sites e analistas especializados. Ou seja, não é uma questão de que esses filmes devem ser adorados por todos, ou de que ninguém pode falar mal deles. O problema está em expressar uma opinião sem ter visto o filme, baseado apenas na sua raiva ou discordância com algum aspecto da produção.
Já diziam as mães de todos nós: "como você pode não gostar de algo que nunca experimento?". Bom, como essas pessoas podem ter uma opinião tão negativa a respeito de filmes que nunca viram? Elas não se preocupam sequer em assistir aos filmes para julgarem outros aspectos além da questão político-social incluída neles. Aspectos estes que poderiam tornar o filme interessante até mesmo para estas pessoas. Para deixar bem claro, esse lado da discussão se refere principalmente ao filme Marighella, que desde o início foi pensado como uma obra política, que aborda um determinado lado social a partir de um ponto de vista específico. Assim sendo, é uma obra que não deve agradar a todos e cuja principal intenção é promover um debate entre opiniões opostas. Ao julgar o filme sem assisti-lo, porém, essas pessoas estão fugindo ao debate, mesmo que na cabeça delas estejam defendendo uma opinião.
No caso de Eternos, a questão é ainda mais ridícula, pois tudo o que o filme fez foi incluir um (UM) personagem LGBT entre seus protagonistas. E mesmo assim, Phastos não deve nem mesmo ser um dos protagonistas principais, visto que o filme deve, pelo que se vê nos trailers focar mais nos personagens Ikaris (Richard Madden) e Sersi (Gemma Chan). A Marvel não está promovendo uma enorme discussão sobre o movimento LGBT nem hasteando uma bandeira em defesa da causa. Ela simplesmente está promovendo o tipo mais básico de inclusão social em seus filmes, mas isso parece o suficiente para irritar inúmeras pessoas.
Não estou dizendo que todas as pessoas devem gostar de Marighella e de Os Eternos. O primeiro, principalmente, deve ser muito divisível para seu público justamente por seu conteúdo político. E pode realmente ocorrer de que ambos os filmes não sejam tão bons, mas para se ter noção disso, é preciso assisti-los.
Mas quer saber? No geral, essas pessoas que criticam sem ter assistido não deveriam receber tanta atenção. Você não quer ver um filme porque ele tem uma temática que te desagrada, ou apresenta um protagonista de uma minoria social? O problema é seu. A questão é que essas pessoas não se contentam em não ver o filme, elas precisam divulgar o seu ódio em todos os lugares que puderem, incluindo redes sociais e, pior ainda, sites especializados, destruindo assim a credibilidade daqueles que assistem às produções e publicam críticas conscientes, negativas ou positivas, que alimentam o debate.
Para essas pessoas, esse seria o maior triunfo de seus atos. Tudo o que elas mais desejam é permanecer em suas bolhas e evitar que tais questões sejam discutidas a fundo. É com esse propósito que elas tentam destruir a imagem de produções que abordem esses temas que elas não desejam ver trazidos à tona. E, querendo ou não, suas atitudes são impactantes, visto que suas críticas publicadas afetam a nota que tais filmes possuem em sites de cinema, fazendo com que o público que frequente esses sites possa ser influenciado por essas notas e evite tais produções.
E isso não ocorre apenas em filmes. Cantores e músicos são atacados por defenderem determinadas posições sociais ou políticas, livros e revistas são rasgados por pessoas que não concordam com suas ideias, novas versões de personagens consagrados não podem sofrer nenhuma alteração ou então sofrem com um ódio descomunal. Recentemente, a revelação de que o filho do Superman, o personagem Jon-El, é bissexual e possui um namorado homem, causou inúmeras manifestações contrárias e gerou inclusive ataques aos artistas responsáveis pela edição em questão. O que alguém teria a ganhar com ameaças desse tipo, a não ser uma intimidação gratuita que, no final das contas, não impedirá tais assuntos de surgirem na mídia? Para os filmes em si, o mal causado é momentâneo. Mas para a sociedade como um todo, essa atitude ajuda a manter assuntos delicados e importantes em segundo plano, quando na realidade eles deveriam ser trazidos à tona e discutidos ferozmente para propor mudanças reais aos grupos afetados e à todas as pessoas.
Não acho que seja viável pedir aos indivíduos que se dedicam a esse ódio gratuito para pararem com tal comportamento. Mas é possível estabelecer uma resposta a esses atos, por parte daqueles que desejam debater ideias e trabalhar para uma melhoria da sociedade e para a introdução de temas relevantes a partir das mídias e da cultura pop. Um primeiro passo já foi dado, com os sites de cinema repensando suas postagens para tornar esses comentários menos relevantes na nota dos filmes, mas isso não é o bastante. É preciso um movimento da própria população para impedir que essas atitudes se propagem, expondo-as e criticando-as mesmo nas redes sociais ou em locais não especializados.
E deixe-me ser bastante claro mais uma vez. VOCÊ TEM O DIREITO DE NÃO GOSTAR DE UM FILME, DE NÃO CONCORDAR COM A VISÃO DE UM CINEASTA E DE PUBLICAR UMA CRÍTICA NEGATIVA SOBRE ALGO QUE VOCÊ ASSISTIU.
Você também tem o direito de não assistir a um filme que você não queira assistir. Mas, se você escolhe não embasar suas opiniões em aspectos da produção, se você opta por não contribuir para o debate sobre tal produção, não tente influenciar tal debate com argumentos de ódio gratuito.