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Análise & Opinião

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Opinião: um Oscar sobre a vida, o luto, a culpa e a superação

15/4/2021

A marca do último ano atingiu a todos nós, e certamente influenciou muito as produções cinematográficas, que tentaram entender o que se passou e encontrar uma explicação para tudo isso. Esse fato é visível em vários dos indicados ao Oscar desse ano.

escrito por
Luis Henrique Franco

A marca do último ano atingiu a todos nós, e certamente influenciou muito as produções cinematográficas, que tentaram entender o que se passou e encontrar uma explicação para tudo isso. Esse fato é visível em vários dos indicados ao Oscar desse ano.

escrito por
Luis Henrique Franco
15/4/2021

Assim como os próprios filmes, as premiações acabam por abordar temas em destaque na sociedade mundial, refletindo de alguma forma os acontecimentos e a sensação reinante no mundo em um determinado período. Se analisamos premiações do passado e percebemos quais os tipos de filme que vigoravam em maior número, temos uma certa noção do tipo de mensagem que as Academias de cinema desejavam passar à sociedade e conseguimos visualizar a forma como essas sociedades viam a si mesmas e ao período em que se encontravam.

Tendo isso em mente, ao analisarmos os filmes que estão disputando o Oscar esse ano, percebemos uma certa aproximação entre algumas de suas mensagens, que acabam refletindo um pouco do momento recente que o mundo viveu. Após um 2020 bastante conturbado e os primeiros meses de um 2021 que não parece melhorar muito, vemos um reflexo forte dessa situação social tensa nos filmes produzidos, de forma que mesmo tramas extremamente diferentes entre si acabam abordando algumas temáticas em comum em alguns momentos.

Faz sentido que, após esse ano conturbado, alguns dos principais concorrentes deste ano tragam alguma reflexão sobre a vida em sociedade, assim como também trazem questões a respeito do luto, de sentimentos negativos como culpa e incapacidade e também sobre processos de superação e recuperação. Como é comum entre os filmes em geral, esses longas buscam trazer um final agradável para seu público, mesmo após situações tão sérias e trágicas. O que fica conosco, no entanto, também é uma reflexão sobre esses sentimentos que, muitas vezes, procuramos evitar e deixar de lado.

Apesar de se tratar mais de um drama histórico, Judas e o Messias Negro traz uma abordagem bastante comovente sobre um dos maiores líderes do Partido dos Panteras Negras e sobre o homem que o traiu e o entregou ao FBI. Mais do que a tensão de o traidor ser descoberto ou não, há também um trabalho extremamente bem feito a respeito da culpa de seus atos, e de como essa culpa o afetou pelo resto da sua vida.

Bela Vingança também expõe uma discussão parecida sobre culpa, luto e superação. Afastando-se de outros filmes focados na vingança de uma pessoa contra um grupo de agressores, o longa de Emerald Ferrell inova ao fazer com que a protagonista não seja aquela que sofreu os ataques iniciais que motivaram sua vingança. Além disso, o filme evita, ao longo de toda a trama, um foco na violência realizada, preferindo um debate sobre o sentimento de culpa da protagonista com relação ao ocorrido à sua melhor amiga, o que a impossibilita de seguir em frente com sua própria vida e a leva a buscar essa justiça e vingança como um dos seus únicos motivos de vida.

Mais profundamente, os filmes Meu Pai e Nomadland exploram essa temática. O primeiro expõe um ensaio bastante sensível e profundo sobre a os problemas da velhice e aborda questões como a dificuldade de se cuidar de um idoso e o problema de pessoas que precisam de ajuda, mas se recusam a aceitar esse fato. Já o segundo trabalha a ideia de se reencontrar após uma crise ou perda de algo importante, trazendo uma jornada tanto exterior quanto interior. Ainda entre os indicados a Melhor Filme, O Som do Silêncio traz uma mensagem bastante comovente sobre como superar uma perda de um dos sentidos e se adaptar a uma nova vida, além de mostrar como uma deficiência não o torna menor que ninguém, e que é possível levar uma vida normal mesmo após uma perda tão grande.

Em todos os casos acima, há uma séria discussão sobre assuntos que não são muito falados na sociedade. As ideias de luto e de sentimentos à mostra são evitadas por muitas pessoas, como se fossem algum tipo de conversa que, simplesmente por ser abordada, traria fragilidade para quem falasse sobre ela. Como se um momento de fragilidade fosse algo ruim. É algo que já foi muito abordado no cinema, mas dificilmente o é em uma escala tão grande quanto no Oscar desse ano. E é ainda mais marcante que essa grande quantidade de filmes dentro dessa temática tenha surgido durante um ano tão incomum quanto foi 2020.

Para além dos indicados a Melhor Filme, outros filmes abordam essas ideias de perda, culpa e sobre o andamento da vida. Pieces of a Woman é completamente construído sobre a história de uma mulher e sua jornada de luto pela perda de sua primeira filha. Com uma trama completamente focada em sua protagonista, o filme mostra todos os passos de sua jornada, desde a negação até a raiva, os momentos de insensibilidade e de tristeza, o desmoronamento das suas relações e a sua lenta reconstrução com o passar do tempo, até chegar à aceitação do ocorrido.

A história de Destacamento Blood também segue para essa tendência, apresentando um grupo de veteranos da Guerra do Vietnã que retornam ao país após décadas para reaver um tesouro perdido, junto com os remanescentes de seu velho comandante. Em meio a essa viagem, os antigos traumas vão reaparecendo para confrontá-los, assim como a culpa por tudo o que fizeram durante e depois da guerra. Em meio a todas essas lembranças, eles precisam aprender como superar sua culpa e seguir com sua missão, chegando assim a algum tipo de conclusão para suas feridas causadas pelo conflito.

Relatos do Mundo também é outro filme que explora essa ideia de superação, acompanhando uma viagem de um veterano de guerra e uma criança órfã pelo oeste dos Estados Unidos. Uma viagem que acaba também sendo uma jornada interna para ambos superarem traumas e perdas do passado e conseguirem seguir normalmente com suas vidas sem o peso da culpa que ambos carregam. E mesmo que seja mais despretensioso nesse sentido, Amor e Monstros, indicado apenas a Melhores Efeitos Especiais também traz uma mensagem importante sobre enfrentar medos e inseguranças, aprender com os erros e nunca se acomodar com uma situação só porque ela é difícil de se vencer.

Na categoria de animação, essas temáticas foram extremamente exploradas também. Dois Irmãos e A Caminho da Lua seguiram um caminho parecido, mostrando famílias que enfrentam uma perda e a dificuldade de seus membros de aceitá-la, as tentativas de, de alguma forma, consertar o que ocorreu, e a dificuldade de se seguir em frente após o ocorrido. O curta animado Se Algo Acontecer, Te Amo também apresenta uma história semelhante, mas de uma forma mais contundente e pesada, expondo toda a dificuldade de se seguir em frente com a vida após uma tragédia. De certa forma, são animações que mostram que a perda nunca será totalmente reparada, e o que se pode fazer é aceitá-la da forma que se puder e tentar, aos poucos, retomar uma vida "normal".

Soul é outro exemplo de uma animação que explora esses temas, apesar de não o fazer da mesma forma. Enquanto os outros filmes exploram a vida após uma perda e a tentativa de reparar algo irreparável, Soul faz uma análise mais profunda sobre a vida em si. Sua temática navega entre as ideias de vida e morte e a percepção de propósito na vida e como ela pode ser nociva quando deixamos que ela domine nosso dia-a-dia, impedindo-nos de aproveitar as pequenas maravilhas de cada dia. Uma animação mais reflexiva, Soul traz uma mensagem muito bonita sobre aproveitar a vida em seus pequenos momentos e não se prender a uma noção arbitrária de se estar destinado a alguma coisa obrigatoriamente.

OS EFEITOS DE UM ANO ATÍPICO

Não é por mera coincidência que filmes com essa mesma mensagem tenham sido produzidos durante um mesmo ano. 2020 foi um ano de perdas, um ano onde sobrevivemos a algo terrível e permanecemos em um estado quase contínuo de luto ou de negação. E 2021 não trouxe melhoras. Diante dessa situação, somos dominados por uma sensação de incapacidade, impossibilidade de fazer alguma coisa, uma sensação de aprisionamento que nos impede de seguir em frente. A carga emocional negativa que veio junto com os recentes acontecimentos ainda nos sobrecarrega dia após dia.

O cinema, como arte, é capaz de reconhecer esses efeitos. E, ao decidir trabalhar essas questões em seus filmes, não pode deixar de mostrar esses mesmos sentimentos que sentimos em suas cenas, tramas e personagens. Mas o trabalho do cinema não é apenas o de mostrar essas sensações que já conhecemos, mas de refletir sobre elas. E, ao fazer isso, conseguiu produzir filmes que trazem um debate bastante rico sobre todos esses problemas que nos afligem nos últimos tempos. E sua reflexão não nega o mal que está sendo causado, mas procura alguma forma de superarmos esse mal. Os filmes acima afirmam que deve haver uma mudança e reconhecem que a velha normalidade não irá mais retornar.

E, se não podemos voltar ao que antes era normal, o que nos resta? Esses filmes não trazem uma resposta concreta. Suas tramas não terminam com uma conclusão definitiva, mas com um sentimento de esperança, que pode nos levar à superação, mesmo que ela demore a chegar. Os acontecimentos de 2020 e 2021 ainda estão ocorrendo, e não temos certeza do que acontecerá no futuro. Tudo o que podemos fazer é deixar que essas emoções fluam e trabalhar, cada um a nossa maneira, para a melhora da situação.

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Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
Ator 3
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A marca do último ano atingiu a todos nós, e certamente influenciou muito as produções cinematográficas, que tentaram entender o que se passou e encontrar uma explicação para tudo isso. Esse fato é visível em vários dos indicados ao Oscar desse ano.

crítica por
Luis Henrique Franco
15/4/2021

Assim como os próprios filmes, as premiações acabam por abordar temas em destaque na sociedade mundial, refletindo de alguma forma os acontecimentos e a sensação reinante no mundo em um determinado período. Se analisamos premiações do passado e percebemos quais os tipos de filme que vigoravam em maior número, temos uma certa noção do tipo de mensagem que as Academias de cinema desejavam passar à sociedade e conseguimos visualizar a forma como essas sociedades viam a si mesmas e ao período em que se encontravam.

Tendo isso em mente, ao analisarmos os filmes que estão disputando o Oscar esse ano, percebemos uma certa aproximação entre algumas de suas mensagens, que acabam refletindo um pouco do momento recente que o mundo viveu. Após um 2020 bastante conturbado e os primeiros meses de um 2021 que não parece melhorar muito, vemos um reflexo forte dessa situação social tensa nos filmes produzidos, de forma que mesmo tramas extremamente diferentes entre si acabam abordando algumas temáticas em comum em alguns momentos.

Faz sentido que, após esse ano conturbado, alguns dos principais concorrentes deste ano tragam alguma reflexão sobre a vida em sociedade, assim como também trazem questões a respeito do luto, de sentimentos negativos como culpa e incapacidade e também sobre processos de superação e recuperação. Como é comum entre os filmes em geral, esses longas buscam trazer um final agradável para seu público, mesmo após situações tão sérias e trágicas. O que fica conosco, no entanto, também é uma reflexão sobre esses sentimentos que, muitas vezes, procuramos evitar e deixar de lado.

Apesar de se tratar mais de um drama histórico, Judas e o Messias Negro traz uma abordagem bastante comovente sobre um dos maiores líderes do Partido dos Panteras Negras e sobre o homem que o traiu e o entregou ao FBI. Mais do que a tensão de o traidor ser descoberto ou não, há também um trabalho extremamente bem feito a respeito da culpa de seus atos, e de como essa culpa o afetou pelo resto da sua vida.

Bela Vingança também expõe uma discussão parecida sobre culpa, luto e superação. Afastando-se de outros filmes focados na vingança de uma pessoa contra um grupo de agressores, o longa de Emerald Ferrell inova ao fazer com que a protagonista não seja aquela que sofreu os ataques iniciais que motivaram sua vingança. Além disso, o filme evita, ao longo de toda a trama, um foco na violência realizada, preferindo um debate sobre o sentimento de culpa da protagonista com relação ao ocorrido à sua melhor amiga, o que a impossibilita de seguir em frente com sua própria vida e a leva a buscar essa justiça e vingança como um dos seus únicos motivos de vida.

Mais profundamente, os filmes Meu Pai e Nomadland exploram essa temática. O primeiro expõe um ensaio bastante sensível e profundo sobre a os problemas da velhice e aborda questões como a dificuldade de se cuidar de um idoso e o problema de pessoas que precisam de ajuda, mas se recusam a aceitar esse fato. Já o segundo trabalha a ideia de se reencontrar após uma crise ou perda de algo importante, trazendo uma jornada tanto exterior quanto interior. Ainda entre os indicados a Melhor Filme, O Som do Silêncio traz uma mensagem bastante comovente sobre como superar uma perda de um dos sentidos e se adaptar a uma nova vida, além de mostrar como uma deficiência não o torna menor que ninguém, e que é possível levar uma vida normal mesmo após uma perda tão grande.

Em todos os casos acima, há uma séria discussão sobre assuntos que não são muito falados na sociedade. As ideias de luto e de sentimentos à mostra são evitadas por muitas pessoas, como se fossem algum tipo de conversa que, simplesmente por ser abordada, traria fragilidade para quem falasse sobre ela. Como se um momento de fragilidade fosse algo ruim. É algo que já foi muito abordado no cinema, mas dificilmente o é em uma escala tão grande quanto no Oscar desse ano. E é ainda mais marcante que essa grande quantidade de filmes dentro dessa temática tenha surgido durante um ano tão incomum quanto foi 2020.

Para além dos indicados a Melhor Filme, outros filmes abordam essas ideias de perda, culpa e sobre o andamento da vida. Pieces of a Woman é completamente construído sobre a história de uma mulher e sua jornada de luto pela perda de sua primeira filha. Com uma trama completamente focada em sua protagonista, o filme mostra todos os passos de sua jornada, desde a negação até a raiva, os momentos de insensibilidade e de tristeza, o desmoronamento das suas relações e a sua lenta reconstrução com o passar do tempo, até chegar à aceitação do ocorrido.

A história de Destacamento Blood também segue para essa tendência, apresentando um grupo de veteranos da Guerra do Vietnã que retornam ao país após décadas para reaver um tesouro perdido, junto com os remanescentes de seu velho comandante. Em meio a essa viagem, os antigos traumas vão reaparecendo para confrontá-los, assim como a culpa por tudo o que fizeram durante e depois da guerra. Em meio a todas essas lembranças, eles precisam aprender como superar sua culpa e seguir com sua missão, chegando assim a algum tipo de conclusão para suas feridas causadas pelo conflito.

Relatos do Mundo também é outro filme que explora essa ideia de superação, acompanhando uma viagem de um veterano de guerra e uma criança órfã pelo oeste dos Estados Unidos. Uma viagem que acaba também sendo uma jornada interna para ambos superarem traumas e perdas do passado e conseguirem seguir normalmente com suas vidas sem o peso da culpa que ambos carregam. E mesmo que seja mais despretensioso nesse sentido, Amor e Monstros, indicado apenas a Melhores Efeitos Especiais também traz uma mensagem importante sobre enfrentar medos e inseguranças, aprender com os erros e nunca se acomodar com uma situação só porque ela é difícil de se vencer.

Na categoria de animação, essas temáticas foram extremamente exploradas também. Dois Irmãos e A Caminho da Lua seguiram um caminho parecido, mostrando famílias que enfrentam uma perda e a dificuldade de seus membros de aceitá-la, as tentativas de, de alguma forma, consertar o que ocorreu, e a dificuldade de se seguir em frente após o ocorrido. O curta animado Se Algo Acontecer, Te Amo também apresenta uma história semelhante, mas de uma forma mais contundente e pesada, expondo toda a dificuldade de se seguir em frente com a vida após uma tragédia. De certa forma, são animações que mostram que a perda nunca será totalmente reparada, e o que se pode fazer é aceitá-la da forma que se puder e tentar, aos poucos, retomar uma vida "normal".

Soul é outro exemplo de uma animação que explora esses temas, apesar de não o fazer da mesma forma. Enquanto os outros filmes exploram a vida após uma perda e a tentativa de reparar algo irreparável, Soul faz uma análise mais profunda sobre a vida em si. Sua temática navega entre as ideias de vida e morte e a percepção de propósito na vida e como ela pode ser nociva quando deixamos que ela domine nosso dia-a-dia, impedindo-nos de aproveitar as pequenas maravilhas de cada dia. Uma animação mais reflexiva, Soul traz uma mensagem muito bonita sobre aproveitar a vida em seus pequenos momentos e não se prender a uma noção arbitrária de se estar destinado a alguma coisa obrigatoriamente.

OS EFEITOS DE UM ANO ATÍPICO

Não é por mera coincidência que filmes com essa mesma mensagem tenham sido produzidos durante um mesmo ano. 2020 foi um ano de perdas, um ano onde sobrevivemos a algo terrível e permanecemos em um estado quase contínuo de luto ou de negação. E 2021 não trouxe melhoras. Diante dessa situação, somos dominados por uma sensação de incapacidade, impossibilidade de fazer alguma coisa, uma sensação de aprisionamento que nos impede de seguir em frente. A carga emocional negativa que veio junto com os recentes acontecimentos ainda nos sobrecarrega dia após dia.

O cinema, como arte, é capaz de reconhecer esses efeitos. E, ao decidir trabalhar essas questões em seus filmes, não pode deixar de mostrar esses mesmos sentimentos que sentimos em suas cenas, tramas e personagens. Mas o trabalho do cinema não é apenas o de mostrar essas sensações que já conhecemos, mas de refletir sobre elas. E, ao fazer isso, conseguiu produzir filmes que trazem um debate bastante rico sobre todos esses problemas que nos afligem nos últimos tempos. E sua reflexão não nega o mal que está sendo causado, mas procura alguma forma de superarmos esse mal. Os filmes acima afirmam que deve haver uma mudança e reconhecem que a velha normalidade não irá mais retornar.

E, se não podemos voltar ao que antes era normal, o que nos resta? Esses filmes não trazem uma resposta concreta. Suas tramas não terminam com uma conclusão definitiva, mas com um sentimento de esperança, que pode nos levar à superação, mesmo que ela demore a chegar. Os acontecimentos de 2020 e 2021 ainda estão ocorrendo, e não temos certeza do que acontecerá no futuro. Tudo o que podemos fazer é deixar que essas emoções fluam e trabalhar, cada um a nossa maneira, para a melhora da situação.

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A marca do último ano atingiu a todos nós, e certamente influenciou muito as produções cinematográficas, que tentaram entender o que se passou e encontrar uma explicação para tudo isso. Esse fato é visível em vários dos indicados ao Oscar desse ano.

escrito por
Luis Henrique Franco
15/4/2021
nascimento

A marca do último ano atingiu a todos nós, e certamente influenciou muito as produções cinematográficas, que tentaram entender o que se passou e encontrar uma explicação para tudo isso. Esse fato é visível em vários dos indicados ao Oscar desse ano.

escrito por
Luis Henrique Franco
15/4/2021

Assim como os próprios filmes, as premiações acabam por abordar temas em destaque na sociedade mundial, refletindo de alguma forma os acontecimentos e a sensação reinante no mundo em um determinado período. Se analisamos premiações do passado e percebemos quais os tipos de filme que vigoravam em maior número, temos uma certa noção do tipo de mensagem que as Academias de cinema desejavam passar à sociedade e conseguimos visualizar a forma como essas sociedades viam a si mesmas e ao período em que se encontravam.

Tendo isso em mente, ao analisarmos os filmes que estão disputando o Oscar esse ano, percebemos uma certa aproximação entre algumas de suas mensagens, que acabam refletindo um pouco do momento recente que o mundo viveu. Após um 2020 bastante conturbado e os primeiros meses de um 2021 que não parece melhorar muito, vemos um reflexo forte dessa situação social tensa nos filmes produzidos, de forma que mesmo tramas extremamente diferentes entre si acabam abordando algumas temáticas em comum em alguns momentos.

Faz sentido que, após esse ano conturbado, alguns dos principais concorrentes deste ano tragam alguma reflexão sobre a vida em sociedade, assim como também trazem questões a respeito do luto, de sentimentos negativos como culpa e incapacidade e também sobre processos de superação e recuperação. Como é comum entre os filmes em geral, esses longas buscam trazer um final agradável para seu público, mesmo após situações tão sérias e trágicas. O que fica conosco, no entanto, também é uma reflexão sobre esses sentimentos que, muitas vezes, procuramos evitar e deixar de lado.

Apesar de se tratar mais de um drama histórico, Judas e o Messias Negro traz uma abordagem bastante comovente sobre um dos maiores líderes do Partido dos Panteras Negras e sobre o homem que o traiu e o entregou ao FBI. Mais do que a tensão de o traidor ser descoberto ou não, há também um trabalho extremamente bem feito a respeito da culpa de seus atos, e de como essa culpa o afetou pelo resto da sua vida.

Bela Vingança também expõe uma discussão parecida sobre culpa, luto e superação. Afastando-se de outros filmes focados na vingança de uma pessoa contra um grupo de agressores, o longa de Emerald Ferrell inova ao fazer com que a protagonista não seja aquela que sofreu os ataques iniciais que motivaram sua vingança. Além disso, o filme evita, ao longo de toda a trama, um foco na violência realizada, preferindo um debate sobre o sentimento de culpa da protagonista com relação ao ocorrido à sua melhor amiga, o que a impossibilita de seguir em frente com sua própria vida e a leva a buscar essa justiça e vingança como um dos seus únicos motivos de vida.

Mais profundamente, os filmes Meu Pai e Nomadland exploram essa temática. O primeiro expõe um ensaio bastante sensível e profundo sobre a os problemas da velhice e aborda questões como a dificuldade de se cuidar de um idoso e o problema de pessoas que precisam de ajuda, mas se recusam a aceitar esse fato. Já o segundo trabalha a ideia de se reencontrar após uma crise ou perda de algo importante, trazendo uma jornada tanto exterior quanto interior. Ainda entre os indicados a Melhor Filme, O Som do Silêncio traz uma mensagem bastante comovente sobre como superar uma perda de um dos sentidos e se adaptar a uma nova vida, além de mostrar como uma deficiência não o torna menor que ninguém, e que é possível levar uma vida normal mesmo após uma perda tão grande.

Em todos os casos acima, há uma séria discussão sobre assuntos que não são muito falados na sociedade. As ideias de luto e de sentimentos à mostra são evitadas por muitas pessoas, como se fossem algum tipo de conversa que, simplesmente por ser abordada, traria fragilidade para quem falasse sobre ela. Como se um momento de fragilidade fosse algo ruim. É algo que já foi muito abordado no cinema, mas dificilmente o é em uma escala tão grande quanto no Oscar desse ano. E é ainda mais marcante que essa grande quantidade de filmes dentro dessa temática tenha surgido durante um ano tão incomum quanto foi 2020.

Para além dos indicados a Melhor Filme, outros filmes abordam essas ideias de perda, culpa e sobre o andamento da vida. Pieces of a Woman é completamente construído sobre a história de uma mulher e sua jornada de luto pela perda de sua primeira filha. Com uma trama completamente focada em sua protagonista, o filme mostra todos os passos de sua jornada, desde a negação até a raiva, os momentos de insensibilidade e de tristeza, o desmoronamento das suas relações e a sua lenta reconstrução com o passar do tempo, até chegar à aceitação do ocorrido.

A história de Destacamento Blood também segue para essa tendência, apresentando um grupo de veteranos da Guerra do Vietnã que retornam ao país após décadas para reaver um tesouro perdido, junto com os remanescentes de seu velho comandante. Em meio a essa viagem, os antigos traumas vão reaparecendo para confrontá-los, assim como a culpa por tudo o que fizeram durante e depois da guerra. Em meio a todas essas lembranças, eles precisam aprender como superar sua culpa e seguir com sua missão, chegando assim a algum tipo de conclusão para suas feridas causadas pelo conflito.

Relatos do Mundo também é outro filme que explora essa ideia de superação, acompanhando uma viagem de um veterano de guerra e uma criança órfã pelo oeste dos Estados Unidos. Uma viagem que acaba também sendo uma jornada interna para ambos superarem traumas e perdas do passado e conseguirem seguir normalmente com suas vidas sem o peso da culpa que ambos carregam. E mesmo que seja mais despretensioso nesse sentido, Amor e Monstros, indicado apenas a Melhores Efeitos Especiais também traz uma mensagem importante sobre enfrentar medos e inseguranças, aprender com os erros e nunca se acomodar com uma situação só porque ela é difícil de se vencer.

Na categoria de animação, essas temáticas foram extremamente exploradas também. Dois Irmãos e A Caminho da Lua seguiram um caminho parecido, mostrando famílias que enfrentam uma perda e a dificuldade de seus membros de aceitá-la, as tentativas de, de alguma forma, consertar o que ocorreu, e a dificuldade de se seguir em frente após o ocorrido. O curta animado Se Algo Acontecer, Te Amo também apresenta uma história semelhante, mas de uma forma mais contundente e pesada, expondo toda a dificuldade de se seguir em frente com a vida após uma tragédia. De certa forma, são animações que mostram que a perda nunca será totalmente reparada, e o que se pode fazer é aceitá-la da forma que se puder e tentar, aos poucos, retomar uma vida "normal".

Soul é outro exemplo de uma animação que explora esses temas, apesar de não o fazer da mesma forma. Enquanto os outros filmes exploram a vida após uma perda e a tentativa de reparar algo irreparável, Soul faz uma análise mais profunda sobre a vida em si. Sua temática navega entre as ideias de vida e morte e a percepção de propósito na vida e como ela pode ser nociva quando deixamos que ela domine nosso dia-a-dia, impedindo-nos de aproveitar as pequenas maravilhas de cada dia. Uma animação mais reflexiva, Soul traz uma mensagem muito bonita sobre aproveitar a vida em seus pequenos momentos e não se prender a uma noção arbitrária de se estar destinado a alguma coisa obrigatoriamente.

OS EFEITOS DE UM ANO ATÍPICO

Não é por mera coincidência que filmes com essa mesma mensagem tenham sido produzidos durante um mesmo ano. 2020 foi um ano de perdas, um ano onde sobrevivemos a algo terrível e permanecemos em um estado quase contínuo de luto ou de negação. E 2021 não trouxe melhoras. Diante dessa situação, somos dominados por uma sensação de incapacidade, impossibilidade de fazer alguma coisa, uma sensação de aprisionamento que nos impede de seguir em frente. A carga emocional negativa que veio junto com os recentes acontecimentos ainda nos sobrecarrega dia após dia.

O cinema, como arte, é capaz de reconhecer esses efeitos. E, ao decidir trabalhar essas questões em seus filmes, não pode deixar de mostrar esses mesmos sentimentos que sentimos em suas cenas, tramas e personagens. Mas o trabalho do cinema não é apenas o de mostrar essas sensações que já conhecemos, mas de refletir sobre elas. E, ao fazer isso, conseguiu produzir filmes que trazem um debate bastante rico sobre todos esses problemas que nos afligem nos últimos tempos. E sua reflexão não nega o mal que está sendo causado, mas procura alguma forma de superarmos esse mal. Os filmes acima afirmam que deve haver uma mudança e reconhecem que a velha normalidade não irá mais retornar.

E, se não podemos voltar ao que antes era normal, o que nos resta? Esses filmes não trazem uma resposta concreta. Suas tramas não terminam com uma conclusão definitiva, mas com um sentimento de esperança, que pode nos levar à superação, mesmo que ela demore a chegar. Os acontecimentos de 2020 e 2021 ainda estão ocorrendo, e não temos certeza do que acontecerá no futuro. Tudo o que podemos fazer é deixar que essas emoções fluam e trabalhar, cada um a nossa maneira, para a melhora da situação.

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