A morte do ator Chadwick Boseman em 2020 abalou o mundo e os fãs do Universo Marvel. Como protagonista de Pantera Negra, o ator deu ao personagem um enorme peso e carisma e introduziu importantes questões sociais e políticas dentro do universo dos heróis. A perda de um artista tão talentoso e de uma figura tão importante para esse universo colocou os fãs em um estado de luto indescritível. E, quando a Marvel anunciou que a franquia continuaria sem ele, uma pergunta surgiu na cabeça de todos: poderia a Wakanda Para Sempre honrar o legado do do ator e do personagem?
Com a morte do ator, o MCU optou por não reescalá-lo. Assim, a trama do novo filme segue o restante da família real lidando com a perda de seu rei, enquanto a ameaça dos demais países desejosos dos recursos de Wakanda paira sobre eles. Ao mesmo tempo, uma ameaça submarina apresenta um novo tipo de adversário para o país que agora se vê sem o seu super-herói protetor.
De imediato, a questão da perda de Chadwick é trazida para o filme, onde na primeira cena é estabelecida também a morte do personagem T'Challa. A partir daí, o filme consegue extrair cenas bastante significativas ao abordar o luto por tal perda, focando principalmente nas personagens Shuri e da Rainha Ramonda, a família remanescente do personagem. Letitia Wright e Angela Bassett trazem um enorme peso para os sentimentos de suas personagens, dominando as cenas mais dramáticas e profundas e refletindo em si mesmas o peso que tal perda para o público que amava o personagem de Boseman. Ambas conseguem estabelecer um imenso panorama de reações, que vão desde a tristeza silenciosa e o isolamento até a raiva explosiva, e são realmente o ponto forte de liderança do elenco nesse quesito.
A temática do luto é reinante no filme, que assume uma aura mais séria e permite momentos mais tranquilos e de reflexão, que certamente contribuem para o prolongamento da trama bastante extensa com suas 2h40min de duração. Para os fãs desse universo, porém, esses momentos surgem como merecidos intervalos, onde podemos esquecer toda a mirabolante trama de super-heróis e nos concentrarmos nos sentimentos que vêm com a perda. E essa narrativa de luto também movimenta a trama de maneira crucial, mobilizando decisões importantes dos personagens e cimentando seus desejos e emoções ao longo da trama.
Para além dessa pauta de luto, Wakanda Para Sempre também traz de volta os debates políticos que permearam o primeiro filme, mesmo que aqui essas discussões pareçam ter perdido um pouco sua força. A temática do imperialismo e da exploração de recursos naturais pelas grandes potências em países menores é um dos principais assuntos do filme, com Wakanda sofrendo diversas hostilidades de outros países que desejam se apoderar do metal vibranium, usando para isso a invenção de Riri Williams (Dominique Thorne), capaz de identificar o metal em qualquer lugar que ele se encontre. Mas tal invenção acaba atraindo também a fúria do povo de Tanokan, uma terra abaixo do mar que também possui reservas de vibranium que deseja proteger.
Essa temática de colonização também surge nos objetivos do vilão Namor (Tenoch Huerta Mejía), o Deus-Rei do mundo aquático de Tanokan que nutre um enorme desprezo pelo povo da superfície que havia escravizado e atacado o povo de sua mãe. O conflito de ideais entre Namor e os wakandianos, em especial Shuri, é uma virada interessante na relação herói-vilão que costumamos ver nesses filmes, colocando ambos em uma posição praticamente igualitária. Novamente, temos um antagonista cuja filosofia é compreensível, mesmo que os métodos sejam questionáveis. O que muda é justamente o tratamento de sua relação com a protagonista, colocando-os muito mais próximos um do outro do que em o ocorrido em filmes anteriores.
Mas mesmo com tudo isso, Wakanda Para Sempre não consegue escapar de alguns problemas que minam sua força como filme. O principal deles é a incapacidade de fugir a certos clichês que tornam o filme previsível a partir de certo ponto. Mesmo que seu final não seja igual a outros longas da Marvel, a trama ainda assim deixa muito claro para onde caminha e as surpresas, embora gratas, não modificam o andamento da narrativa a ponto de estabelecerem um choque duradouro. Além disso, o filme também sofre de uma grande maldição da Marvel: as piadas indesejadas. É importante dizer que esse é o filme mais dramático e com menos tentativas de piadas nos últimos anos desse universo, mas ainda assim existem vários momentos que tentam empurrar comentários engraçados sem necessidade, como se a Marvel realmente tivesse medo de fazer um filme que fosse carregado e dramático em sua totalidade sem tentar amenizar o tom.
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre consegue honrar o personagem de Boseman e garantir sua presença e influência no MCU, respeitando seu legado e sua importância para a cultura pop e para o público desse universo. Como desfecho para a Fase 4, o filme com certeza se sobressai como o melhor dessa época conturbada para o universo, que viu alguns fiascos nos cinemas e nas séries no último ano. Mas como filme em si, o novo Pantera Negra ainda está muito preso a convenções que exauriram os espectadores e não oferecem mais nada de entusiasmante. Em um ano onde os filmes de super-heróis sofreram bastante com o cansaço e a saturação, o longa até consegue se sobressair, mais ainda está longe dos grandes filmes anteriores do MCU e do primeiro Pantera Negra.
EXPECTATIVAS PARA O OSCAR
Prêmios indicados: Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Figurino, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhores Efeitos Visuais, Melhor Canção Original
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre se encontra na difícil posição de ser o representante da Marvel nessa edição do Oscar. Posição que se torna muito mais complicada pelo fato de que 2022 foi um ano ruim para o MCU, com produções que deixaram a desejar e foram, no seu melhor, medianas. É claro que os dias de ouro desse universo ficaram para trás, e o novo Pantera Negra entra na competição já sabendo que, mesmo em suas melhores performances, pode não ter muitas chances.
Da mesma maneira que o primeiro Pantera Negra, o novo filme obteve indicações em Figurino e Maquiagem e Cabelo. Aspectos que, da mesma maneira que o primeiro, permanecem fortes nessa edição, trazendo novamente a leitura das culturas africanas e traduzindo-as nos trajes, maquiagem, adereços e nas armaduras do povo de Wakanda. o Universo Marvel já conseguiu se beneficiar muito da riqueza trazida para a sua leitura de Wakanda antes, e dessa vez consegue adicionar os interessantes aspectos trazidos para a cultura do reino submarino de Namor, com sua cultura baseada nas tradições nativo-americanas da América Central. Por esses elementos novos e pela boa reintrodução da cultura wakandiana no MCU, Wakanda Para Sempre pode ser um bom concorrente em ambas as categorias, mesmo que não seja o favorito.
Efeitos Especiais é outra história completamente. Sofrendo já há algum tempo por conta dos prazos apertados para as equipes de efeitos visuais, os filmes da Marvel não conseguem mais trazer para o público a glória fantástica de suas melhores criações. O primeiro Pantera Negra já deu sinais dessa questão, e Wakanda Para Sempre não escapa disso também. A imagem de Wakanda e do reino submarino são interessantes e bonitas, mas os efeitos de Namor voando, das naves wakandianas e das lutas no oceano, bem como o traje de Ironheart parecem falsos e não se adequam bem ao mundo em que estão inseridos. A bagunça das cenas de luta não esconde essa falsidade, grande o suficiente para nos fazer questionar a própria indicação do filme a esse prêmio. Competindo contra Top Gun: Maverick, Batman e, principalmente, Avatar: O Caminho da Água, essa indicação parece derrota certa para a Marvel.
Os dois últimos prêmios, porém, são aonde o filme pode surpreender a audiência. Indicada pela primeira vez ao Oscar pela canção "Lift Me Up", Rihanna surge como uma forte candidata ao prêmio. Sua música é bastante tocante e sensível, carregando consigo o peso ainda muito grande da perda de Chadwick Boseman e refletindo sobre ela no mesmo tom que o filme carrega consigo durante toda a sua duração. É uma candidata forte e sincera, e que vem se destacando já há algum tempo entre os fãs.
A grande surpresa da noite, porém, deve ser Angela Bassett. Tendo já vencido o Globo de Ouro por seu papel como Rainha Ramonda, a renomada atriz já começa a corrida do Oscar como uma das favoritas ao prêmio. E sua atuação não deixa a desejar, entregando a dor, a raiva e o luto de uma mãe que acaba de perder o filho e se vê à frente de comandar seu país em seu momento de maior crise. Bassett entrega uma performance que não se caracteriza pela sutileza, mas ainda assim possui a força necessária para a personagem e seu momento. O MCU não é estranho a ter excelentes atores em papéis coadjuvantes, mas poucos conseguiram realmente ganhar tanto destaque em suas atuações quanto Bassett faz nesse filme, tornando-se praticamente a protagonista em diversos momentos e sustentando o lado emotivo do filme por mais tempo do que a própria protagonista.
Diante de tudo isso, Wakanda Para Sempre realmente fez muito bem em conseguir sair do lugar comum dos filmes da Marvel que só são indicados a Efeitos Visuais, e se as previsões continuarem como estão, pode angariar alguns prêmios importantes para o universo dos heróis. Ainda assim, a situação em que o MCU se encontra atualmente faz com que muitos desses prêmios possam ser criticados como uma última tentativa de dar ao universo Marvel um respiro de relevância.