Não há nada de novo que podemos falar sobre Pinóquio. A história da marionete que ganhou vida e passou por uma grande aventura até se tornar um menino de verdade já era conhecida antes mesmo da adaptação animada da Disney. Desde então, foram inúmeras adaptações em live-action, animação e produções em CGI, incluindo a produção indicada ao Oscar de Roberto Benigni e o recente remake em live-action da Disney estrelando Tom Hanks. Desde o começo, não havia muito como Guillermo del Toro fugir da história já conhecida... e mesmo assim sua animação fornece algo de único à história e certamente se destaca entre as demais adaptações.
A qualidade do stop-motion já seria motivo para dar atenção ao filme. Parece certo que um filme sobre uma marionete viva seja feito com marionetes, e seu uso no longa é feito com uma qualidade profissional digna das criações de Jim Henson. O movimento dos bonecos é fluido, parecendo vivo e natural. Salvo algumas exceções, todas elas possuem grandes movimentos corporais e faciais, com expressões muito mais vivazes e envolventes.
A história, como já falamos, é bastante conhecida, relatando a jornada de amadurecimento do boneco Pinóquio (Gregory Mann), construído pelo mestre Gepeto (David Bradley) e trazida à vida pela Fada da Floresta (Tilda Swinton). Na versão de del Toro, é adicionado o fato de que Gepeto constrói o boneco como uma forma de lidar com o luto pela perda de seu filho de dez anos, morto após um bombardeio. Mas o boneco se mostra com uma personalidade completamente diferente, rebelde e pouco obediente que quer conhecer o mundo e não se importa muito com escola ou com bom comportamento.
Contudo, a jornada de amadurecimento do boneco, que sempre é bem marcada pelos momentos extremamente mágicos, assume aqui um lado um pouco mais "real". Guillermo del Toro é conhecido por misturar aspectos fantasiosos com situações reais terríveis (como visto na mescla de fábula com a guerra civil espanhola em O Labirinto do Fauno, por exemplo). Pinóquio explora essa mistura também, colocando a fantasia da fábula em meio à Itália Fascista e ao governo de Mussolini, ressignificando, dessa forma, alguns aspectos da história. Assim, a rebeldia de Pinóquio é por vezes vista como um desafio ao regime fascista, e a propaganda de Mussolini acaba influenciando alguns aspectos da narrativa.
Deixando alguns aspectos fantasiosos de lado, del Toro dá novo significado a passagens da história de uma maneira esplêndida, dando novas características ao mestre do circo Volpe (Christoph Waltz) que sequestra Pinóquio, e aos garotos com quem ele se encontra depois. Mais do que simples mudanças para trazer algo de original para a história, esses momentos promovem boas reflexões sobre a rebeldia diante de leis injustas e ordens más. Pinóquio é colocado não como um símbolo da resistência, mas como uma criança inocente que não vê sentido em seguir ordens que ele não compreende, em contraposição a uma legião de jovens e crianças que, educadas no sistema fascista, acostumaram-se a aceitar a ordem do Duce como definitiva.
Para além dessa reflexão sobre o efeito do totalitarismo na formação dos jovens, Pinóquio de Guillermo del Toro também traz outras reflexões mais profundas sobre o que faz alguém humano e sobre a própria questão da mortalidade, abordando o tema ao mesmo tempo com leveza para um público mais jovem e com seriedade para os mais velhos, colocando em cena os riscos e as consequências das ações sob o ponto de vista de alguém que não compreende o conceito de morte e fazendo disso um dos elementos mais importantes e reflexivos sobre o filme.
Mas para além de todas essas reflexões, Pinóquio é um filme belo, com uma relação fantástica construída entre seus personagens. Os cenários do stop-motion são magníficos e dão uma aura ao mesmo tempo real e sobre-humana ao filme, fomentando a nossa imaginação mesmo com o seu pé no "realismo". Uma obra realmente maravilhosa de ser vista, apreciada e pensada, que certamente merece seu destaque entre todas as outras adaptações desse já tão conhecido conto.
EXPECTATIVAS PARA O OSCAR
Prêmios indicados: Melhor Animação
O sucesso de Pinóquio de Guillermo Del Toro como animação stop-motion não é sem explicação. O filme captura com perfeição a essência dessa arte de animação, contando uma história extremamente fluida e que dá uma vida muito rica a seus personagens. Parece propício que um filme sobre uma marionete que ganha vida seja interpretado por marionetes, mas Pinóquio faz muito mais. Seu visual é único e incorpora elementos trazidos pelo diretor em seus filmes live-action. Todo o caráter fantasioso é enriquecido pelo conhecimento de Del Toro e sua tratativa de monstros e criaturas fantásticas ao longo de sua carreira.
Combinando seus maravilhosos aspectos técnicos de animação com uma história que mistura elementos conhecidos do conto clássico com a visão única do diretor. Pinóquio de Guillermo Del Toro certamente merece o favoritismo na disputa pelo Oscar de Melhor Animação. Sua competição certamente será complicada pela presença de outros bons indicados, mas é seguro dizer que esta é uma categoria já bem definida.