Produções da Pixar costumam sempre chamar enorme atenção do público, não só pelo fato de ser um dos grandes estúdios de animação do cinema, mas também por seus filmes sempre serem divertidos de se assistir e trazerem mensagens profundas tanto para adultos quanto para crianças. Um dos dois filmes lançados pelo estúdio em 2022, Red: Crescer É uma Fera certamente apresenta ambos os aspectos de um filme Pixar, mas embora tenha um bom trabalho por trás de si, ainda sentimos que falta alguma coisa muito presente em outras animações do estúdio, que tira desta animação a força que o estúdio geralmente apresenta.
O filme é centrado em Mei, uma jovem pré-adolescente filha de imigrantes chineses que leva uma vida super atarefada, equilibrando suas notas perfeitas na escola e os deveres em casa, mas sacrificando o tempo que tem com suas amigas. Uma noite, quando está prestes a completar 13 anos, ela se torna vítima de uma antiga maldição da família, que faz com que ela assuma a forma de um panda vermelho gigantes toda vez que tem emoções explosivas.
A premissa é bastante interessante para abordar essa passagem de idade, época geralmente difícil onde começam as descobertas sobre o corpo e a sua personalidade, mudanças que muitas vezes assustam os jovens e deixam os pais sem saberem como reagir. Red explora bem a temática sob a forma do panda vermelho gigante, algo que mesmo Mei tem dificuldade de controlar e que sua mãe, mesmo sabendo do que se trata, também não detém muito poder sobre. As transformações indesejadas se tornam a fonte tanto da comédia quanto do drama no filme, e trazem bem clara essa dificuldade de se ajustar quando seu corpo está em completa mudança.
Tendo esse foco nas dificuldades da mudança, o filme também estabelece um conflito entre mãe e filha quando Mei tenta convencer sua mãe, Ming, que tem o panda sob controle e pede que ela a deixe ir a um show de uma boy band com sua amigas. Diante da recusa agressiva de Ming, Mei decide agir por trás dela e combina com as amigas uma forma usar o panda para levantar dinheiro para os ingressos. Esse é o ponto em que o filme se perde um pouco. Mesmo que o conflito e as ideias trazidas com o panda sejam muito boas, a partir do momento em que as amigas começam o seu plano secreto, o filme parece que se distrai, e ao invés de abordar a amizade entre elas de uma maneira mais aprofundada, se limita mostrar apenas cortes rápidos do que elas estão fazendo. Não seria um problema se essas cenas não tomassem uma boa parcela do meio do filme e se o conflito de Mei de ter que escolher entre sua família e suas amigas não fosse algo tão central à história. Em face desses conflitos, uma exploração maior da amizade dela com as outras garotas, e mesmo a personalidade dessas, seria mais do que necessário.
O principal problema de Red é a fluidez de sua narrativa. Apesar de suas boas ideias, o filme não as organiza de forma que sejam bem exploradas. O panda não é um problema por boa parte do filme, e a maneira fácil como Mei e as amigas enganam a supercontroladora Ming soa até inverossímil. Nenhum pequeno acidente ocorreu para levantar as suspeitas da mãe? Ela realmente demorou tanto assim para perceber as tralhas "escondidas" embaixo da cama da filha, sendo que não levou dois segundos para ela localizar o caderno de desenhos da mesma no começo do filme? O filme possui boas ideias, mas parece minimizar os riscos e trata tudo com tanta leveza durante sua segunda parte que é até surpreendente quando as coisas explodem no clímax.
E é realmente triste que o filme apresente esses problemas de ritmo, visto que seus outros aspectos são extremamente atrativos. A animação possui traços mais simples e menos detalhistas, e as feições dos personagens são parecidas entre si, motivo que gerou inúmeras críticas (com razão) contra o estúdio. Mas mesmo que não seja um desenho extremamente bem trabalhado, a animação de Red: Crescer É uma Fera trabalha em favor do filme, pois seus traços mais simples tornam mais fácil o trabalho de expressividade das personagens, permitindo ao desenho explorar expressões e caretas exageradas de forma icônica, fazendo desses seus melhores momentos cômicos a partir de uma linguagem corporal das personagens que chega a quase ser caricata, mas que se encaixa bem na proposta do filme como foco da comédia.
Já nas temáticas, podemos dizer que Red: Crescer É uma Fera possui o fruto especial da Pixar. Para além dos temas de mudanças no corpo e conflitos entre mãe e filha, o filme também traz uma profunda análise sobre o impacto de altas expectativas sobre pessoas jovens e a sobrecarga que estas podem sentir, além de abordar com certo exímio a questão do trauma geracional e experiências ruins que afetam como pais tratam seus filhos, levando-os a carregar essa experiência para suas próprias vidas. Mesmo com seus problemas de abordagem, a relação entre Mei e Ming continua sendo o tema central mais poderoso do filme, e se torna ainda mais forte quando vemos o reflexo dessa relação em Ming e sua própria mãe, compreendendo que essa dor é algo que a família carrega consigo há muito tempo e que continua a ser transmitido a cada nova geração.
No fundo, a abordagem pode não ser a mais profunda que a Pixar trouxe em seus filmes, e certamente existe algo faltando que é facilmente notado pelos maiores fãs do estúdio. Mas mesmo assim, Red: crescer É uma Fera possui dentro de si algo que a Pixar continuamente traz em suas obras, mostrando a força que o estúdio ainda pode ter, mesmo em seus momentos mais difíceis.
EXPECTATIVAS PARA O OSCAR
Prêmios Indicados: Melhor Animação
Um fator muito interessante no prêmio de Melhor Animação do Oscar de 2023 é a enorme ausência da Disney e da Pixar na competição. Não só Red: Crescer É uma Fera é o único filme dos estúdios (que em 2022 também lançaram Lightyear e Mundo Estranho) a concorrer, mas também não é o favorito ao prêmio.
Nos méritos da animação, Red: Crescer É uma Fera apresenta o problema de um desenho sem muitos detalhes, e cujos traços não variam muito entre os personagens, deixando um ar de falta de originalidade. O filme compensa isso em parte por utilizar esse traço mais simples para abusar dos efeitos cômicos, criando caretas e expressões exageradas para os personagens e deixando cada emoção fortemente escancarada em seus rostos, algo bastante positivo em um filme sobre emoções à flor da pele. Mas mesmo conseguindo fazer bom uso de seus traços mais simples, o longa ainda fica atrás de seus competidores, que conseguiram demonstrar muito mais com traços semelhantemente mais simples. É o caso claro de Gato de Botas 2: O Último Desejo, que também apresentou uma animação simples, mas a aproveitou para criar um desenho mais fluido, ágil e dinâmico que deu enorme vida à sua história.
Mesmo nas temáticas, Red ainda se mostra menor profundo que seus concorrentes principais, Gato de Botas 2 e Pinóquio de Guillermo del Toro. Suas problemáticas foram bem trabalhadas, mas não expuseram ao máximo o que poderiam por alguns erros na condução da história, o que certamente afeta a falta de favoritismo do filme na competição. O que é, de certa forma, um alívio, no sentido de colocar animações que não são da Disney e Pixar em um páreo mais notório nesse ano.