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Análise & Opinião

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Red, Encanto e a estrutura das relações familiares tóxicas

22/3/2022

Trabalhando com famílias problemáticas e traumas do passado, Encanto e Red: Crescer É uma Fera são animações interessantes que exploram o mundo dos relacionamentos tóxicos em um ambiente familiar em suas muitas variações.

escrito por
Luis Henrique Franco

Trabalhando com famílias problemáticas e traumas do passado, Encanto e Red: Crescer É uma Fera são animações interessantes que exploram o mundo dos relacionamentos tóxicos em um ambiente familiar em suas muitas variações.

escrito por
Luis Henrique Franco
22/3/2022

Os últimos lançamentos animados da Disney mostram uma tendência cada vez mais alta em explorar e refletir temáticas relativas às relações tóxicas dentro do ambiente familiar, e como esse tipo de situação pode criar feridas profundas e quebras definitivas de relacionamento entre parentes. Encanto é talvez a obra que, recentemente, mergulhou de forma mais profunda nesses temas, criando uma família de pessoas mágicas que vivem à sombra da matriarca, Alma, que acaba sendo negligente para com as necessidades das pessoas de sua família em prol de manter a aparência de estabilidade local.

Mais recentemente também, a Pixar lançou o seu mais novo projeto, Red: Crescer É Uma Fera, que acompanha a protagonista Mei-Mei enquanto ela descobre estar sob o efeito de uma maldição familiar que a transforma em um panda vermelho gigante toda vez que ela tem emoções muito fortes. Em face de suas novas transformações, Mei-Mei começa a buscar uma vida mais independente, entrando em conflito com sua mãe super protetora, Ming, que tenta forçá-la a seguir a tradição familiar e se livrar da maldição de uma vez por todas.

Relacionamentos problemáticos dentro da família sempre foram um tema constante nos filmes da Disney, e muitos de seus conflitos clássicos se iniciam com a proibição, feita pelo pai/mãe ou parente da personagem principal, a respeito de algo que ela deseje fazer. Mas, no geral, esse tipo de relação servia inicialmente para criar um conflito que levaria a protagonista a entrar na aventura, e nunca foi realmente trabalhado como um tema principal e aprofundado da maneira como novos filmes estão fazendo. E a abordagem trazida nos dois exemplos acima é extremamente importante, pois Alma e Ming refletem dois tipos de toxicidade familiar que, infelizmente, é bastante presente na vida de muitas pessoas.

A PROTAGONISTA: PROATIVA EM SEU DESEJO DE AGRADAR

O primeiro ponto em que os dois filmes se identificam é na construção de suas protagonistas, em quem a história foca com maiores detalhes a maneira como essas relações tóxicas funcionam e como elas afetam a família. Mirabel e Mei Mei são duas pessoas extremamente ativas na história, sempre tentando fazer o melhor para suas famílias de uma forma na qual acabam negligenciando a si mesmas.

Mesmo se tratando de situações diferentes, as duas protagonistas acabam se aproximando entre si por sua vontade de sempre quererem ser melhor, mas também porque essa vontade é impulsionada por um desejo exagerado e nada saudável de agradar a família. Sem um dom especial, Mirabel se sente deslocada em meio a seus parentes e é sempre excluída dentro da família, principalmente por sua avó, o que a faz sempre se esforçar ao máximo e além do recomendado para provar o seu valor e mostrar que ela merece ser parte dos Madrigal.

Mirabel, a protagonista de Encanto.

Já Mei Mei é a filha querida de sua mãe, que se envolve em diversos projetos e tira boas notas em todas as matérias, mas que só faz isso como uma forma de trazer orgulho para sua família. Em sua busca pela aprovação materna, ela sacrifica praticamente todos os seus desejos pessoais e impede a si mesma de se divertir com suas amigas devido às suas responsabilidades com a família e com o templo onde vive. Mesmo depois de descobrir estar sob o efeito da maldição do panda vermelho, ela ainda segue o estipulado pela família e procura evitar que a fera se liberte.

A garota Mei Mei, protagonista de Red: Crescer É uma Fera.

A proximidade entre ambas as protagonistas se mostra muito claramente nessas contínua tentativa de agradar uma figura matriarcal. Independente de quão profundamente cada um desses filmes explore a temática, ambas as personagens sofrem com uma relação de dominação que vem da parte de suas parentes e que se torna tóxica à medida que se fecha para tudo o que ambas estão fazendo e as impede de fazer o que desejam.

A NEGLIGÊNCIA DE ALMA VS. A SUPERPROTEÇÃO DE MING

Apesar de se aproximarem por serem familiares tóxicos na maneira como tratam seus parentes, Alma e Ming exploram dois conceitos bastante diferentes no que diz respeito a estruturas familiares tóxicas, mostrando o quanto essa temática é vasta e pode abranger várias formas diferentes.

Em Encanto, temos o lado de Alma, a figura matriarcal da família que, em sua tentativa de proteger o vale e manter o milagre em segredo, negligencia toda a sua família, tratando-os apenas pelos dons que cada um possuem e exigindo que eles entreguem tais dons ao serviço à comunidade. Ao fazer isso, ela acaba por desenvolver uma relação na qual seus parentes apenas servem os seus desejos, e aqueles que não se encaixam em seu ideal de como as coisas deveriam ser são afastados do núcleo familiar.

Alma Madrigal, matriarca da família e a antagonista de Encanto.

O mais interessante na construção desse filme, no entanto, é que Alma não é uma vilã necessariamente. Suas intenções são boas, mas por causa dos traumas que carrega, ela acaba tendo ações negativas para com seus familiares, sem perceber o quanto ela os afeta e os influencia de uma maneira ruim. O milagre e os poderes da casa se tornam para ela algo pelo qual todos devem se sacrificar, visto que foi o que a salvou no seu momento de perigo. Mas ao se preocupar apenas com o milagre em si, ela esquece o motivo pelo qual ele foi concedido e se torna indiferente à necessidade de seus herdeiros de serem quem eles precisam ser e expressarem aquilo que eles desejam mostrar.

Situação semelhante acontece em Red: Crescer É uma Fera quando analisamos a mãe de Mei Mei, Ming. Educada em uma família bastante severa, Ming vê a sua filha como uma bomba-relógio que, a qualquer momento, pode se transformar em um panda vermelho gigante e muito perigoso. Por causa disso, ela está sempre protegendo sua filha de uma maneira exagerada, cobrando uma enorme pontualidade dela e a impedindo de ter momentos de diversão com suas amigas. Mas uma vez, não temos uma vilã, mas uma mulher que, educada por suas parentes para ver o panda vermelho como uma ameaça, se dedica a manter a filha sob sua constante vigilância, evitar qualquer tipo de atividade que a faça ter altos picos emocionais e a confinando a uma rotina que a impede de descobrir quem ela realmente é.

É importante ressaltar as diferenças entre as duas para mostrar que a toxicidade dentro do ambiente familiar possui várias formas. Apesar de suas boas intenções, Alma e Ming acabam prejudicando suas familiares pois exigem delas um tipo de comportamento que as inibe de fazerem o que realmente as levaria a crescer e de explorar o mundo à sua própria maneira, cometendo erros e sofrendo consequências para os atos que elas desejaram realizar.

UMA ESTRUTURA DE GERAÇÕES

Outro ponto que conecta fortemente os dois filmes é a maneira como essas relações tóxicas não são uma exclusividade de Mirabel e Alma e de Mei Mei e Ming, mas afetam toda a sua família, constituindo um tipo de comportamento que se perpetua por gerações e que, transmitido pelos mais velhos como algo certo e normal, é abraçado pelos mais novos como a maneira correta de se fazer as coisas, perpetuando e agravando o problema ao longo de anos.

No caso de Alma, existe um fator bastante específico, que diz respeito ao fato de Alma ser a primeira geração a estabelecer esse comportamento. Vista como uma sobrevivente e como a heroína que trouxe o milagre, ela abraçou essa responsabilidade e a transformou em uma geração passada para seus filhos e netos. No entanto, ao não compartilhar também o seu trauma de maneira que todos entendessem suas reais dores e motivos, ela apenas criou uma tradição cega, que seus descendentes perpetuam sem, entretanto, entenderem-na por completo. Por isso, nenhum deles questiona a decisão da avó, ao mesmo tempo em que nenhum se aproxima de fato dela, mantendo-a quase como essa figura mítica a quem eles devem obediência por serem parte da família.

Cenas do passado de Alma Madrigal, nas quais entendemos os motivos de seu trauma.

Red: Crescer É uma Fera aprofunda ainda mais essa questão, trazendo a história de uma família antiga, com suas raízes vindas da China em tempos longínquos, onde o seu poder de transformação era visto como uma benção. Contudo, ao se mudarem para os Estados Unidos, essa família percebeu que a nova sociedade em que viviam não tolerava esse tipo de poder, e decidiu ocultá-lo e abrir mão dele. Presas nessa estrutura, Ming e Mei Mei se vêm obrigadas pela tradição familiar a abrirem mão de seu panda vermelho por ele ser perigoso, mas nunca recebem uma explicação total do motivo disso. Em meio a essa imposição familiar, enquanto Ming já aceitou essa necessidade e abandona seu panda, Mei Mei se vê impulsionada a questionar o motivo dessa tradição e a lutar para preservar seu panda a todo o custo.

Mei Mei transformada em Panda Vermelho, algo visto por sua família como uma maldição ruim.

ALMA E MING NÃO SÃO VILÃS, MAS...

Um aspecto essencial dos dois filmes é como eles não tratam as suas antagonistas como vilãs por conta de seus atos. Ao colocarem Alma e Ming como um ponto de oposição em relação às protagonistas, Encanto e Red: Crescer É uma Fera chamam a atenção para os problemas desse tipo de relacionamento e expõem os males desse comportamento. Mas ao darem a ambas as personagens um motivo forte para as suas ações, os filmes também tratam suas personagens como pessoas com várias camadas em sua constituição, evitando uma construção unilateral que separa "bonzinhos" e "vilões" e mostra que, mesmo nos casos desses familiares, ainda existe uma chance para o perdão e para a compreensão.

É uma posição bastante madura por parte de ambos os filmes, mas é importante ressaltar que, apesar desse aprofundamento no tema, ambos os filmes ainda se voltam mais para o público infantil (o que é bom para mostrar desde cedo como identificar alguns tipos de relações tóxicas) e que, por isso, acaba trazendo um final positivo, na qual todas as questões são resolvidas de maneira feliz.

Preciso chamar a atenção para esse detalhe pois na vida real, como vocês já devem saber, as coisas não são tão simples assim. Relacionamentos são complicados, mesmo entre familiares, e nem sempre uma situação tóxica pode ser facilmente resolvida sem que os laços entre parentes se quebrem ou sofram algum abalo. E não é dever de ninguém simplesmente perdoar uma pessoa que se comporta dessa maneira se essa pessoa não reconhece seu erro e busca remediar o que fez.

Nesse ponto, ambos os filmes trazem algo importante em sua resolução: são Alma e Ming que buscam remendar seus erros. Quando o confronto com Mirabel e Mei Mei resulta nelas compreendendo aquilo que fizeram de errado, são elas que se aproximam de seus familiares buscando perdão por seus atos. E, em meio às suas explicações, as protagonistas conseguem entender a origem de tal comportamento e os motivos que o impulsionaram ao ponto extremo a que chegaram, podendo assim ajudá-las e superar os traumas que criaram essa situação.

Nem sempre esse vai ser o caso, e nem todas as ações tóxicas serão fruto de um trauma do passado. Mas o ponto de importância ao qual os dois filmes chegam é que a busca por remendar a situação e a compreensão dos males causados deve partir daqueles que têm as atitudes tóxicas. Aqueles ao redor deles podem oferecer ajuda e empatia e se mostrarem abertos para receber as mudanças nesses parentes, mas não é dever deles concertar a situação, e nem mesmo continuar a perdoar uma pessoa que não se dispõe a mudar suas atitudes uma vez que se percebe o quão ruins elas podem ser.

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Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
Ator 3
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Trabalhando com famílias problemáticas e traumas do passado, Encanto e Red: Crescer É uma Fera são animações interessantes que exploram o mundo dos relacionamentos tóxicos em um ambiente familiar em suas muitas variações.

crítica por
Luis Henrique Franco
22/3/2022

Os últimos lançamentos animados da Disney mostram uma tendência cada vez mais alta em explorar e refletir temáticas relativas às relações tóxicas dentro do ambiente familiar, e como esse tipo de situação pode criar feridas profundas e quebras definitivas de relacionamento entre parentes. Encanto é talvez a obra que, recentemente, mergulhou de forma mais profunda nesses temas, criando uma família de pessoas mágicas que vivem à sombra da matriarca, Alma, que acaba sendo negligente para com as necessidades das pessoas de sua família em prol de manter a aparência de estabilidade local.

Mais recentemente também, a Pixar lançou o seu mais novo projeto, Red: Crescer É Uma Fera, que acompanha a protagonista Mei-Mei enquanto ela descobre estar sob o efeito de uma maldição familiar que a transforma em um panda vermelho gigante toda vez que ela tem emoções muito fortes. Em face de suas novas transformações, Mei-Mei começa a buscar uma vida mais independente, entrando em conflito com sua mãe super protetora, Ming, que tenta forçá-la a seguir a tradição familiar e se livrar da maldição de uma vez por todas.

Relacionamentos problemáticos dentro da família sempre foram um tema constante nos filmes da Disney, e muitos de seus conflitos clássicos se iniciam com a proibição, feita pelo pai/mãe ou parente da personagem principal, a respeito de algo que ela deseje fazer. Mas, no geral, esse tipo de relação servia inicialmente para criar um conflito que levaria a protagonista a entrar na aventura, e nunca foi realmente trabalhado como um tema principal e aprofundado da maneira como novos filmes estão fazendo. E a abordagem trazida nos dois exemplos acima é extremamente importante, pois Alma e Ming refletem dois tipos de toxicidade familiar que, infelizmente, é bastante presente na vida de muitas pessoas.

A PROTAGONISTA: PROATIVA EM SEU DESEJO DE AGRADAR

O primeiro ponto em que os dois filmes se identificam é na construção de suas protagonistas, em quem a história foca com maiores detalhes a maneira como essas relações tóxicas funcionam e como elas afetam a família. Mirabel e Mei Mei são duas pessoas extremamente ativas na história, sempre tentando fazer o melhor para suas famílias de uma forma na qual acabam negligenciando a si mesmas.

Mesmo se tratando de situações diferentes, as duas protagonistas acabam se aproximando entre si por sua vontade de sempre quererem ser melhor, mas também porque essa vontade é impulsionada por um desejo exagerado e nada saudável de agradar a família. Sem um dom especial, Mirabel se sente deslocada em meio a seus parentes e é sempre excluída dentro da família, principalmente por sua avó, o que a faz sempre se esforçar ao máximo e além do recomendado para provar o seu valor e mostrar que ela merece ser parte dos Madrigal.

Mirabel, a protagonista de Encanto.

Já Mei Mei é a filha querida de sua mãe, que se envolve em diversos projetos e tira boas notas em todas as matérias, mas que só faz isso como uma forma de trazer orgulho para sua família. Em sua busca pela aprovação materna, ela sacrifica praticamente todos os seus desejos pessoais e impede a si mesma de se divertir com suas amigas devido às suas responsabilidades com a família e com o templo onde vive. Mesmo depois de descobrir estar sob o efeito da maldição do panda vermelho, ela ainda segue o estipulado pela família e procura evitar que a fera se liberte.

A garota Mei Mei, protagonista de Red: Crescer É uma Fera.

A proximidade entre ambas as protagonistas se mostra muito claramente nessas contínua tentativa de agradar uma figura matriarcal. Independente de quão profundamente cada um desses filmes explore a temática, ambas as personagens sofrem com uma relação de dominação que vem da parte de suas parentes e que se torna tóxica à medida que se fecha para tudo o que ambas estão fazendo e as impede de fazer o que desejam.

A NEGLIGÊNCIA DE ALMA VS. A SUPERPROTEÇÃO DE MING

Apesar de se aproximarem por serem familiares tóxicos na maneira como tratam seus parentes, Alma e Ming exploram dois conceitos bastante diferentes no que diz respeito a estruturas familiares tóxicas, mostrando o quanto essa temática é vasta e pode abranger várias formas diferentes.

Em Encanto, temos o lado de Alma, a figura matriarcal da família que, em sua tentativa de proteger o vale e manter o milagre em segredo, negligencia toda a sua família, tratando-os apenas pelos dons que cada um possuem e exigindo que eles entreguem tais dons ao serviço à comunidade. Ao fazer isso, ela acaba por desenvolver uma relação na qual seus parentes apenas servem os seus desejos, e aqueles que não se encaixam em seu ideal de como as coisas deveriam ser são afastados do núcleo familiar.

Alma Madrigal, matriarca da família e a antagonista de Encanto.

O mais interessante na construção desse filme, no entanto, é que Alma não é uma vilã necessariamente. Suas intenções são boas, mas por causa dos traumas que carrega, ela acaba tendo ações negativas para com seus familiares, sem perceber o quanto ela os afeta e os influencia de uma maneira ruim. O milagre e os poderes da casa se tornam para ela algo pelo qual todos devem se sacrificar, visto que foi o que a salvou no seu momento de perigo. Mas ao se preocupar apenas com o milagre em si, ela esquece o motivo pelo qual ele foi concedido e se torna indiferente à necessidade de seus herdeiros de serem quem eles precisam ser e expressarem aquilo que eles desejam mostrar.

Situação semelhante acontece em Red: Crescer É uma Fera quando analisamos a mãe de Mei Mei, Ming. Educada em uma família bastante severa, Ming vê a sua filha como uma bomba-relógio que, a qualquer momento, pode se transformar em um panda vermelho gigante e muito perigoso. Por causa disso, ela está sempre protegendo sua filha de uma maneira exagerada, cobrando uma enorme pontualidade dela e a impedindo de ter momentos de diversão com suas amigas. Mas uma vez, não temos uma vilã, mas uma mulher que, educada por suas parentes para ver o panda vermelho como uma ameaça, se dedica a manter a filha sob sua constante vigilância, evitar qualquer tipo de atividade que a faça ter altos picos emocionais e a confinando a uma rotina que a impede de descobrir quem ela realmente é.

É importante ressaltar as diferenças entre as duas para mostrar que a toxicidade dentro do ambiente familiar possui várias formas. Apesar de suas boas intenções, Alma e Ming acabam prejudicando suas familiares pois exigem delas um tipo de comportamento que as inibe de fazerem o que realmente as levaria a crescer e de explorar o mundo à sua própria maneira, cometendo erros e sofrendo consequências para os atos que elas desejaram realizar.

UMA ESTRUTURA DE GERAÇÕES

Outro ponto que conecta fortemente os dois filmes é a maneira como essas relações tóxicas não são uma exclusividade de Mirabel e Alma e de Mei Mei e Ming, mas afetam toda a sua família, constituindo um tipo de comportamento que se perpetua por gerações e que, transmitido pelos mais velhos como algo certo e normal, é abraçado pelos mais novos como a maneira correta de se fazer as coisas, perpetuando e agravando o problema ao longo de anos.

No caso de Alma, existe um fator bastante específico, que diz respeito ao fato de Alma ser a primeira geração a estabelecer esse comportamento. Vista como uma sobrevivente e como a heroína que trouxe o milagre, ela abraçou essa responsabilidade e a transformou em uma geração passada para seus filhos e netos. No entanto, ao não compartilhar também o seu trauma de maneira que todos entendessem suas reais dores e motivos, ela apenas criou uma tradição cega, que seus descendentes perpetuam sem, entretanto, entenderem-na por completo. Por isso, nenhum deles questiona a decisão da avó, ao mesmo tempo em que nenhum se aproxima de fato dela, mantendo-a quase como essa figura mítica a quem eles devem obediência por serem parte da família.

Cenas do passado de Alma Madrigal, nas quais entendemos os motivos de seu trauma.

Red: Crescer É uma Fera aprofunda ainda mais essa questão, trazendo a história de uma família antiga, com suas raízes vindas da China em tempos longínquos, onde o seu poder de transformação era visto como uma benção. Contudo, ao se mudarem para os Estados Unidos, essa família percebeu que a nova sociedade em que viviam não tolerava esse tipo de poder, e decidiu ocultá-lo e abrir mão dele. Presas nessa estrutura, Ming e Mei Mei se vêm obrigadas pela tradição familiar a abrirem mão de seu panda vermelho por ele ser perigoso, mas nunca recebem uma explicação total do motivo disso. Em meio a essa imposição familiar, enquanto Ming já aceitou essa necessidade e abandona seu panda, Mei Mei se vê impulsionada a questionar o motivo dessa tradição e a lutar para preservar seu panda a todo o custo.

Mei Mei transformada em Panda Vermelho, algo visto por sua família como uma maldição ruim.

ALMA E MING NÃO SÃO VILÃS, MAS...

Um aspecto essencial dos dois filmes é como eles não tratam as suas antagonistas como vilãs por conta de seus atos. Ao colocarem Alma e Ming como um ponto de oposição em relação às protagonistas, Encanto e Red: Crescer É uma Fera chamam a atenção para os problemas desse tipo de relacionamento e expõem os males desse comportamento. Mas ao darem a ambas as personagens um motivo forte para as suas ações, os filmes também tratam suas personagens como pessoas com várias camadas em sua constituição, evitando uma construção unilateral que separa "bonzinhos" e "vilões" e mostra que, mesmo nos casos desses familiares, ainda existe uma chance para o perdão e para a compreensão.

É uma posição bastante madura por parte de ambos os filmes, mas é importante ressaltar que, apesar desse aprofundamento no tema, ambos os filmes ainda se voltam mais para o público infantil (o que é bom para mostrar desde cedo como identificar alguns tipos de relações tóxicas) e que, por isso, acaba trazendo um final positivo, na qual todas as questões são resolvidas de maneira feliz.

Preciso chamar a atenção para esse detalhe pois na vida real, como vocês já devem saber, as coisas não são tão simples assim. Relacionamentos são complicados, mesmo entre familiares, e nem sempre uma situação tóxica pode ser facilmente resolvida sem que os laços entre parentes se quebrem ou sofram algum abalo. E não é dever de ninguém simplesmente perdoar uma pessoa que se comporta dessa maneira se essa pessoa não reconhece seu erro e busca remediar o que fez.

Nesse ponto, ambos os filmes trazem algo importante em sua resolução: são Alma e Ming que buscam remendar seus erros. Quando o confronto com Mirabel e Mei Mei resulta nelas compreendendo aquilo que fizeram de errado, são elas que se aproximam de seus familiares buscando perdão por seus atos. E, em meio às suas explicações, as protagonistas conseguem entender a origem de tal comportamento e os motivos que o impulsionaram ao ponto extremo a que chegaram, podendo assim ajudá-las e superar os traumas que criaram essa situação.

Nem sempre esse vai ser o caso, e nem todas as ações tóxicas serão fruto de um trauma do passado. Mas o ponto de importância ao qual os dois filmes chegam é que a busca por remendar a situação e a compreensão dos males causados deve partir daqueles que têm as atitudes tóxicas. Aqueles ao redor deles podem oferecer ajuda e empatia e se mostrarem abertos para receber as mudanças nesses parentes, mas não é dever deles concertar a situação, e nem mesmo continuar a perdoar uma pessoa que não se dispõe a mudar suas atitudes uma vez que se percebe o quão ruins elas podem ser.

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Trabalhando com famílias problemáticas e traumas do passado, Encanto e Red: Crescer É uma Fera são animações interessantes que exploram o mundo dos relacionamentos tóxicos em um ambiente familiar em suas muitas variações.

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Luis Henrique Franco
22/3/2022
nascimento

Trabalhando com famílias problemáticas e traumas do passado, Encanto e Red: Crescer É uma Fera são animações interessantes que exploram o mundo dos relacionamentos tóxicos em um ambiente familiar em suas muitas variações.

escrito por
Luis Henrique Franco
22/3/2022

Os últimos lançamentos animados da Disney mostram uma tendência cada vez mais alta em explorar e refletir temáticas relativas às relações tóxicas dentro do ambiente familiar, e como esse tipo de situação pode criar feridas profundas e quebras definitivas de relacionamento entre parentes. Encanto é talvez a obra que, recentemente, mergulhou de forma mais profunda nesses temas, criando uma família de pessoas mágicas que vivem à sombra da matriarca, Alma, que acaba sendo negligente para com as necessidades das pessoas de sua família em prol de manter a aparência de estabilidade local.

Mais recentemente também, a Pixar lançou o seu mais novo projeto, Red: Crescer É Uma Fera, que acompanha a protagonista Mei-Mei enquanto ela descobre estar sob o efeito de uma maldição familiar que a transforma em um panda vermelho gigante toda vez que ela tem emoções muito fortes. Em face de suas novas transformações, Mei-Mei começa a buscar uma vida mais independente, entrando em conflito com sua mãe super protetora, Ming, que tenta forçá-la a seguir a tradição familiar e se livrar da maldição de uma vez por todas.

Relacionamentos problemáticos dentro da família sempre foram um tema constante nos filmes da Disney, e muitos de seus conflitos clássicos se iniciam com a proibição, feita pelo pai/mãe ou parente da personagem principal, a respeito de algo que ela deseje fazer. Mas, no geral, esse tipo de relação servia inicialmente para criar um conflito que levaria a protagonista a entrar na aventura, e nunca foi realmente trabalhado como um tema principal e aprofundado da maneira como novos filmes estão fazendo. E a abordagem trazida nos dois exemplos acima é extremamente importante, pois Alma e Ming refletem dois tipos de toxicidade familiar que, infelizmente, é bastante presente na vida de muitas pessoas.

A PROTAGONISTA: PROATIVA EM SEU DESEJO DE AGRADAR

O primeiro ponto em que os dois filmes se identificam é na construção de suas protagonistas, em quem a história foca com maiores detalhes a maneira como essas relações tóxicas funcionam e como elas afetam a família. Mirabel e Mei Mei são duas pessoas extremamente ativas na história, sempre tentando fazer o melhor para suas famílias de uma forma na qual acabam negligenciando a si mesmas.

Mesmo se tratando de situações diferentes, as duas protagonistas acabam se aproximando entre si por sua vontade de sempre quererem ser melhor, mas também porque essa vontade é impulsionada por um desejo exagerado e nada saudável de agradar a família. Sem um dom especial, Mirabel se sente deslocada em meio a seus parentes e é sempre excluída dentro da família, principalmente por sua avó, o que a faz sempre se esforçar ao máximo e além do recomendado para provar o seu valor e mostrar que ela merece ser parte dos Madrigal.

Mirabel, a protagonista de Encanto.

Já Mei Mei é a filha querida de sua mãe, que se envolve em diversos projetos e tira boas notas em todas as matérias, mas que só faz isso como uma forma de trazer orgulho para sua família. Em sua busca pela aprovação materna, ela sacrifica praticamente todos os seus desejos pessoais e impede a si mesma de se divertir com suas amigas devido às suas responsabilidades com a família e com o templo onde vive. Mesmo depois de descobrir estar sob o efeito da maldição do panda vermelho, ela ainda segue o estipulado pela família e procura evitar que a fera se liberte.

A garota Mei Mei, protagonista de Red: Crescer É uma Fera.

A proximidade entre ambas as protagonistas se mostra muito claramente nessas contínua tentativa de agradar uma figura matriarcal. Independente de quão profundamente cada um desses filmes explore a temática, ambas as personagens sofrem com uma relação de dominação que vem da parte de suas parentes e que se torna tóxica à medida que se fecha para tudo o que ambas estão fazendo e as impede de fazer o que desejam.

A NEGLIGÊNCIA DE ALMA VS. A SUPERPROTEÇÃO DE MING

Apesar de se aproximarem por serem familiares tóxicos na maneira como tratam seus parentes, Alma e Ming exploram dois conceitos bastante diferentes no que diz respeito a estruturas familiares tóxicas, mostrando o quanto essa temática é vasta e pode abranger várias formas diferentes.

Em Encanto, temos o lado de Alma, a figura matriarcal da família que, em sua tentativa de proteger o vale e manter o milagre em segredo, negligencia toda a sua família, tratando-os apenas pelos dons que cada um possuem e exigindo que eles entreguem tais dons ao serviço à comunidade. Ao fazer isso, ela acaba por desenvolver uma relação na qual seus parentes apenas servem os seus desejos, e aqueles que não se encaixam em seu ideal de como as coisas deveriam ser são afastados do núcleo familiar.

Alma Madrigal, matriarca da família e a antagonista de Encanto.

O mais interessante na construção desse filme, no entanto, é que Alma não é uma vilã necessariamente. Suas intenções são boas, mas por causa dos traumas que carrega, ela acaba tendo ações negativas para com seus familiares, sem perceber o quanto ela os afeta e os influencia de uma maneira ruim. O milagre e os poderes da casa se tornam para ela algo pelo qual todos devem se sacrificar, visto que foi o que a salvou no seu momento de perigo. Mas ao se preocupar apenas com o milagre em si, ela esquece o motivo pelo qual ele foi concedido e se torna indiferente à necessidade de seus herdeiros de serem quem eles precisam ser e expressarem aquilo que eles desejam mostrar.

Situação semelhante acontece em Red: Crescer É uma Fera quando analisamos a mãe de Mei Mei, Ming. Educada em uma família bastante severa, Ming vê a sua filha como uma bomba-relógio que, a qualquer momento, pode se transformar em um panda vermelho gigante e muito perigoso. Por causa disso, ela está sempre protegendo sua filha de uma maneira exagerada, cobrando uma enorme pontualidade dela e a impedindo de ter momentos de diversão com suas amigas. Mas uma vez, não temos uma vilã, mas uma mulher que, educada por suas parentes para ver o panda vermelho como uma ameaça, se dedica a manter a filha sob sua constante vigilância, evitar qualquer tipo de atividade que a faça ter altos picos emocionais e a confinando a uma rotina que a impede de descobrir quem ela realmente é.

É importante ressaltar as diferenças entre as duas para mostrar que a toxicidade dentro do ambiente familiar possui várias formas. Apesar de suas boas intenções, Alma e Ming acabam prejudicando suas familiares pois exigem delas um tipo de comportamento que as inibe de fazerem o que realmente as levaria a crescer e de explorar o mundo à sua própria maneira, cometendo erros e sofrendo consequências para os atos que elas desejaram realizar.

UMA ESTRUTURA DE GERAÇÕES

Outro ponto que conecta fortemente os dois filmes é a maneira como essas relações tóxicas não são uma exclusividade de Mirabel e Alma e de Mei Mei e Ming, mas afetam toda a sua família, constituindo um tipo de comportamento que se perpetua por gerações e que, transmitido pelos mais velhos como algo certo e normal, é abraçado pelos mais novos como a maneira correta de se fazer as coisas, perpetuando e agravando o problema ao longo de anos.

No caso de Alma, existe um fator bastante específico, que diz respeito ao fato de Alma ser a primeira geração a estabelecer esse comportamento. Vista como uma sobrevivente e como a heroína que trouxe o milagre, ela abraçou essa responsabilidade e a transformou em uma geração passada para seus filhos e netos. No entanto, ao não compartilhar também o seu trauma de maneira que todos entendessem suas reais dores e motivos, ela apenas criou uma tradição cega, que seus descendentes perpetuam sem, entretanto, entenderem-na por completo. Por isso, nenhum deles questiona a decisão da avó, ao mesmo tempo em que nenhum se aproxima de fato dela, mantendo-a quase como essa figura mítica a quem eles devem obediência por serem parte da família.

Cenas do passado de Alma Madrigal, nas quais entendemos os motivos de seu trauma.

Red: Crescer É uma Fera aprofunda ainda mais essa questão, trazendo a história de uma família antiga, com suas raízes vindas da China em tempos longínquos, onde o seu poder de transformação era visto como uma benção. Contudo, ao se mudarem para os Estados Unidos, essa família percebeu que a nova sociedade em que viviam não tolerava esse tipo de poder, e decidiu ocultá-lo e abrir mão dele. Presas nessa estrutura, Ming e Mei Mei se vêm obrigadas pela tradição familiar a abrirem mão de seu panda vermelho por ele ser perigoso, mas nunca recebem uma explicação total do motivo disso. Em meio a essa imposição familiar, enquanto Ming já aceitou essa necessidade e abandona seu panda, Mei Mei se vê impulsionada a questionar o motivo dessa tradição e a lutar para preservar seu panda a todo o custo.

Mei Mei transformada em Panda Vermelho, algo visto por sua família como uma maldição ruim.

ALMA E MING NÃO SÃO VILÃS, MAS...

Um aspecto essencial dos dois filmes é como eles não tratam as suas antagonistas como vilãs por conta de seus atos. Ao colocarem Alma e Ming como um ponto de oposição em relação às protagonistas, Encanto e Red: Crescer É uma Fera chamam a atenção para os problemas desse tipo de relacionamento e expõem os males desse comportamento. Mas ao darem a ambas as personagens um motivo forte para as suas ações, os filmes também tratam suas personagens como pessoas com várias camadas em sua constituição, evitando uma construção unilateral que separa "bonzinhos" e "vilões" e mostra que, mesmo nos casos desses familiares, ainda existe uma chance para o perdão e para a compreensão.

É uma posição bastante madura por parte de ambos os filmes, mas é importante ressaltar que, apesar desse aprofundamento no tema, ambos os filmes ainda se voltam mais para o público infantil (o que é bom para mostrar desde cedo como identificar alguns tipos de relações tóxicas) e que, por isso, acaba trazendo um final positivo, na qual todas as questões são resolvidas de maneira feliz.

Preciso chamar a atenção para esse detalhe pois na vida real, como vocês já devem saber, as coisas não são tão simples assim. Relacionamentos são complicados, mesmo entre familiares, e nem sempre uma situação tóxica pode ser facilmente resolvida sem que os laços entre parentes se quebrem ou sofram algum abalo. E não é dever de ninguém simplesmente perdoar uma pessoa que se comporta dessa maneira se essa pessoa não reconhece seu erro e busca remediar o que fez.

Nesse ponto, ambos os filmes trazem algo importante em sua resolução: são Alma e Ming que buscam remendar seus erros. Quando o confronto com Mirabel e Mei Mei resulta nelas compreendendo aquilo que fizeram de errado, são elas que se aproximam de seus familiares buscando perdão por seus atos. E, em meio às suas explicações, as protagonistas conseguem entender a origem de tal comportamento e os motivos que o impulsionaram ao ponto extremo a que chegaram, podendo assim ajudá-las e superar os traumas que criaram essa situação.

Nem sempre esse vai ser o caso, e nem todas as ações tóxicas serão fruto de um trauma do passado. Mas o ponto de importância ao qual os dois filmes chegam é que a busca por remendar a situação e a compreensão dos males causados deve partir daqueles que têm as atitudes tóxicas. Aqueles ao redor deles podem oferecer ajuda e empatia e se mostrarem abertos para receber as mudanças nesses parentes, mas não é dever deles concertar a situação, e nem mesmo continuar a perdoar uma pessoa que não se dispõe a mudar suas atitudes uma vez que se percebe o quão ruins elas podem ser.

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