Análise & Opinião

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Relacionamento Problemático: Quando Herói e Alter-Ego não se Entendem

7/10/2018

Muitos heróis conseguem conviver bem com suas identidades secretas, mas alguns outros estão em eterno conflito com suas segundas metades. Conheça alguns desses heróis problemáticos!

escrito por
Luis Henrique Franco

Muitos heróis conseguem conviver bem com suas identidades secretas, mas alguns outros estão em eterno conflito com suas segundas metades. Conheça alguns desses heróis problemáticos!

escrito por
Luis Henrique Franco
7/10/2018

No mundo dos super-heróis, todos aqueles que adquirem poderes tendem a conviver, ao menos durante certo tempo, uma vida dupla: a primeira como os heróis que são, com seus poderes e seu dever de proteger o mundo; e a segunda como seus alter-egos, ou suas identidades secretas, aquelas que eles assumem para poderem viver vidas normais, escondidos em meio a outras pessoas.

Em geral, apesar de apresentarem naturalmente diferenças de comportamento, alter-ego e heróis carregam ideias em comum, até por serem, no fundo, a mesma pessoa. As diferenças entre os dois são apenas algo adotado para reforçar o disfarce do herói. Contudo, muitas vezes as duas versões não são, nem de perto, a mesma pessoa, chegando a divergir e a se confrontar quanto à maneira de agir diante de determinada situação, muitas vezes chegando inclusive a censurarem uns aos outros e tentarem se impedir de agir de acordo com os interesses de cada um.

O que se nota nesse caso é que, ao contrário de um paralelo Bruce Wayne/Batman, que apesar de agirem de forma diferentes, no fundo pensam por igual quanto às suas maneiras de agir, esses heróis apresentam uma divisão interna muito nítida e que não tem a intenção apenas de esconder a real identidade desses heróis, mas representam quase um antagonismo entre as duas identidades. Uma coisa apenas podemos ter certeza: nos casos desses heróis, o conflito entre suas identidades.

Muito além de uma questão de superpoderes, esses heróis exploram uma questão psicológica pelo fato de retratarem algo que está dentro de nós e, ao mesmo tempo, serem opostos ao que desejamos ser, muito parecido com uma ideia de subconsciente que revela muito mais de nós mesmos do que nosso consciente se permite conhecer, ou mesmo deseja. É aquela parte de nós mesmos que se esconde nas sombras e apenas aparece em momentos específicos, e contra ela podemos apenas lutar para dominá-la ou aprender a conviver com ela.

TODOS COM SEU PRÓPRIO MR. HYDE

A ideia de um novo eu, alguém que repudiamos, mas que habita dentro de nós, não é nova. Já no século XIX, R. L. Stevenson havia pensado, em seu mais icônico romance, em criar um brilhante médico, dono de uma mente fantástica e desejoso por fazer o bem e que, em seus estudos, descobre uma maneira de separar o mal de seu corpo de uma vez por todas. Mas, ao fazer isso, ele acaba por criar um ser extremamente maléfico, capaz das piores maldades imagináveis.

O contexto de O Médico e o Monstro e da luta constante entre Henry Jekyll e Edward Hyde aborda talvez muito mais um lado científico extremamente vigente na época de sua escrita, onde já se começavam a vislumbrar soluções lógicas para tudo e muitos se perguntavam se as questões humanas também poderiam ser resolvidas cientificamente. Abordando a maldade como uma questão médica possível de ser manipulada, Stevenson cria um personagem que é capaz de colocar todas as coisas ruins de si mesmo em outro corpo paralelo, mas que acaba, por causa disso, enfraquecendo a si mesmo e, com o passar do tempo, se vê sugado por esse novo corpo até que suas forças estejam em um nível extremamente crítico.

Alguns heróis também exploram esse contexto. O mais famoso deles talvez seja o Hulk, em todas as suas versões já criadas. Famoso por explodir quando está com raiva e se transformar em um monstro verde e destruidor, Bruce Banner trava uma batalha diária contra essa criatura, tentando controla-la para evitar catástrofes e, para isso, deve se manter calmo e evitar as explosões de raiva que liberariam seu outro eu. Mas mesmo todos os treinamentos feitos por ele para manter sua raiva em controle não são suficientes para impedir a criatura ver de surgir nos momentos mais inesperados e, às vezes, inoportunos. O Hulk é a representação mais clássica de um subconsciente perigoso que todos nós podemos ter e não desejamos revelar. É um lado oculto de Bruce Banner que não pode surgir a qualquer momento, mas contra o qual não é possível lutar.

Um outro exemplo de herói cujas identidades estão em constante conflito é Venom. A relação entre Eddie Brock e seu Simbionte não poderia ser mais problemática, visto que o ser espacial é um predador voraz que usa o repórter para sobreviver na Terra e se alimentar das pessoas que nela habitam, ao passo que Eddie tenta controlar esse simbionte para que ele ataque apenas pessoas malvadas. Mas esse controle de Eddie sobre a criatura é completamente imperfeito, e justifica o fato de que tal personagem tenha começado como um vilão e só muito depois tenha se transformado em um questionável Anti-Herói. E mesmo que se tratem, no fundo, de duas criaturas diferentes, o fato de que Venom está intrinsecamente ligado a Eddie faz com que ele atue exatamente como um monstro interno do humano, algo que ele precisa lutar para controlar.

Entre as heroínas, a que melhor expressa essa dualidade problemática é Jean Grey, uma das telepatas mais poderosas do universo mutante, e também uma força destrutiva entre os X-Men. Sua forma original é a de uma companheira leal e amiga, disposta a usar seus poderes para o bem. Sua forma secreta, no entanto, é a da Fênix Negra, uma criatura de imenso poder e extremamente instável, capaz de explodir devido ao acúmulo de sentimentos que alimentam sua carga emocional e ajudam e liberar seu poder. Quase incapaz de ser detida, A Fênix foi aprisionada dentro da mente de Jean pelo poder de Charles Xavier, mas uma vez libertada, traz destruição e morte ao mundo da Marvel. A Fênix propõe a luta mais intensa entre as personalidades, visto que Jean não sabia do poder que continha até este vir à tona e, por causa disso, não sabe bem como enfrenta-lo e controla-lo e, por se tornar tamanha ameaça, acaba morrendo nos quadrinhos originais.

O personagem da DC Comics, Shazam, também poderia ser dito como uma mistura entre duas personalidades, sendo que se trata de uma criança que adquire os poderes de um mago e, ao proferir a palavra “Shazam!”, torna-se um herói adulto com o poder de inúmeras divindades diferentes. No entanto, não se pode dizer que haja um conflito muito grande entre essas duas identidades, uma vez que Billy Batson e o Shazam apresentam pensamentos muito similares sobre os conceitos de certo e errado e de justiça. Agora, se analisarmos, por exemplo, o vilão El Diablo (presente em Esquadrão Suicida), notamos essa tendência novamente aparecendo. Possuído pelo poder de um demônio, Lazarus Lane já usou tal poder de maneira incontrolada para se vingar de membros de uma gangue rival, mas ao perceber que seu poder atingira também pessoas inocentes, travou uma luta consigo mesmo para contê-lo. Essa luta mostra um lado interessante, uma vez que explora a consciência de um vilão, que poderia utilizar tal poder para obter tudo o que desejasse, mas que vê diante de si um poder tão grande que ele se obriga a não usar e a, inclusive, se entregar para a polícia na hora em que tudo dá errado.

O FARDO DE UM ETERNO CONFLITO

Aos heróis acima apresentados, impõe-se um problema gigantesco a se lidar. Diante de uma segunda forma que nem sempre responde por suas ações, é preciso saber como dosar as confusões causadas. “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”, e isso se torna ainda mais real quando você se vê como o responsável por algo dentro de você que pode tomar o controle a qualquer momento. Esse lado sombrio, tanto para o bem quanto para o mal, é um reflexo de algo que a maioria das pessoas possui também: um subconsciente que nem sempre age como o esperado, que não segue lógicas da civilização e que busca, muitas vezes, uma solução mais instintiva do que qualquer outra coisa.

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Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
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Muitos heróis conseguem conviver bem com suas identidades secretas, mas alguns outros estão em eterno conflito com suas segundas metades. Conheça alguns desses heróis problemáticos!

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Luis Henrique Franco
7/10/2018

No mundo dos super-heróis, todos aqueles que adquirem poderes tendem a conviver, ao menos durante certo tempo, uma vida dupla: a primeira como os heróis que são, com seus poderes e seu dever de proteger o mundo; e a segunda como seus alter-egos, ou suas identidades secretas, aquelas que eles assumem para poderem viver vidas normais, escondidos em meio a outras pessoas.

Em geral, apesar de apresentarem naturalmente diferenças de comportamento, alter-ego e heróis carregam ideias em comum, até por serem, no fundo, a mesma pessoa. As diferenças entre os dois são apenas algo adotado para reforçar o disfarce do herói. Contudo, muitas vezes as duas versões não são, nem de perto, a mesma pessoa, chegando a divergir e a se confrontar quanto à maneira de agir diante de determinada situação, muitas vezes chegando inclusive a censurarem uns aos outros e tentarem se impedir de agir de acordo com os interesses de cada um.

O que se nota nesse caso é que, ao contrário de um paralelo Bruce Wayne/Batman, que apesar de agirem de forma diferentes, no fundo pensam por igual quanto às suas maneiras de agir, esses heróis apresentam uma divisão interna muito nítida e que não tem a intenção apenas de esconder a real identidade desses heróis, mas representam quase um antagonismo entre as duas identidades. Uma coisa apenas podemos ter certeza: nos casos desses heróis, o conflito entre suas identidades.

Muito além de uma questão de superpoderes, esses heróis exploram uma questão psicológica pelo fato de retratarem algo que está dentro de nós e, ao mesmo tempo, serem opostos ao que desejamos ser, muito parecido com uma ideia de subconsciente que revela muito mais de nós mesmos do que nosso consciente se permite conhecer, ou mesmo deseja. É aquela parte de nós mesmos que se esconde nas sombras e apenas aparece em momentos específicos, e contra ela podemos apenas lutar para dominá-la ou aprender a conviver com ela.

TODOS COM SEU PRÓPRIO MR. HYDE

A ideia de um novo eu, alguém que repudiamos, mas que habita dentro de nós, não é nova. Já no século XIX, R. L. Stevenson havia pensado, em seu mais icônico romance, em criar um brilhante médico, dono de uma mente fantástica e desejoso por fazer o bem e que, em seus estudos, descobre uma maneira de separar o mal de seu corpo de uma vez por todas. Mas, ao fazer isso, ele acaba por criar um ser extremamente maléfico, capaz das piores maldades imagináveis.

O contexto de O Médico e o Monstro e da luta constante entre Henry Jekyll e Edward Hyde aborda talvez muito mais um lado científico extremamente vigente na época de sua escrita, onde já se começavam a vislumbrar soluções lógicas para tudo e muitos se perguntavam se as questões humanas também poderiam ser resolvidas cientificamente. Abordando a maldade como uma questão médica possível de ser manipulada, Stevenson cria um personagem que é capaz de colocar todas as coisas ruins de si mesmo em outro corpo paralelo, mas que acaba, por causa disso, enfraquecendo a si mesmo e, com o passar do tempo, se vê sugado por esse novo corpo até que suas forças estejam em um nível extremamente crítico.

Alguns heróis também exploram esse contexto. O mais famoso deles talvez seja o Hulk, em todas as suas versões já criadas. Famoso por explodir quando está com raiva e se transformar em um monstro verde e destruidor, Bruce Banner trava uma batalha diária contra essa criatura, tentando controla-la para evitar catástrofes e, para isso, deve se manter calmo e evitar as explosões de raiva que liberariam seu outro eu. Mas mesmo todos os treinamentos feitos por ele para manter sua raiva em controle não são suficientes para impedir a criatura ver de surgir nos momentos mais inesperados e, às vezes, inoportunos. O Hulk é a representação mais clássica de um subconsciente perigoso que todos nós podemos ter e não desejamos revelar. É um lado oculto de Bruce Banner que não pode surgir a qualquer momento, mas contra o qual não é possível lutar.

Um outro exemplo de herói cujas identidades estão em constante conflito é Venom. A relação entre Eddie Brock e seu Simbionte não poderia ser mais problemática, visto que o ser espacial é um predador voraz que usa o repórter para sobreviver na Terra e se alimentar das pessoas que nela habitam, ao passo que Eddie tenta controlar esse simbionte para que ele ataque apenas pessoas malvadas. Mas esse controle de Eddie sobre a criatura é completamente imperfeito, e justifica o fato de que tal personagem tenha começado como um vilão e só muito depois tenha se transformado em um questionável Anti-Herói. E mesmo que se tratem, no fundo, de duas criaturas diferentes, o fato de que Venom está intrinsecamente ligado a Eddie faz com que ele atue exatamente como um monstro interno do humano, algo que ele precisa lutar para controlar.

Entre as heroínas, a que melhor expressa essa dualidade problemática é Jean Grey, uma das telepatas mais poderosas do universo mutante, e também uma força destrutiva entre os X-Men. Sua forma original é a de uma companheira leal e amiga, disposta a usar seus poderes para o bem. Sua forma secreta, no entanto, é a da Fênix Negra, uma criatura de imenso poder e extremamente instável, capaz de explodir devido ao acúmulo de sentimentos que alimentam sua carga emocional e ajudam e liberar seu poder. Quase incapaz de ser detida, A Fênix foi aprisionada dentro da mente de Jean pelo poder de Charles Xavier, mas uma vez libertada, traz destruição e morte ao mundo da Marvel. A Fênix propõe a luta mais intensa entre as personalidades, visto que Jean não sabia do poder que continha até este vir à tona e, por causa disso, não sabe bem como enfrenta-lo e controla-lo e, por se tornar tamanha ameaça, acaba morrendo nos quadrinhos originais.

O personagem da DC Comics, Shazam, também poderia ser dito como uma mistura entre duas personalidades, sendo que se trata de uma criança que adquire os poderes de um mago e, ao proferir a palavra “Shazam!”, torna-se um herói adulto com o poder de inúmeras divindades diferentes. No entanto, não se pode dizer que haja um conflito muito grande entre essas duas identidades, uma vez que Billy Batson e o Shazam apresentam pensamentos muito similares sobre os conceitos de certo e errado e de justiça. Agora, se analisarmos, por exemplo, o vilão El Diablo (presente em Esquadrão Suicida), notamos essa tendência novamente aparecendo. Possuído pelo poder de um demônio, Lazarus Lane já usou tal poder de maneira incontrolada para se vingar de membros de uma gangue rival, mas ao perceber que seu poder atingira também pessoas inocentes, travou uma luta consigo mesmo para contê-lo. Essa luta mostra um lado interessante, uma vez que explora a consciência de um vilão, que poderia utilizar tal poder para obter tudo o que desejasse, mas que vê diante de si um poder tão grande que ele se obriga a não usar e a, inclusive, se entregar para a polícia na hora em que tudo dá errado.

O FARDO DE UM ETERNO CONFLITO

Aos heróis acima apresentados, impõe-se um problema gigantesco a se lidar. Diante de uma segunda forma que nem sempre responde por suas ações, é preciso saber como dosar as confusões causadas. “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”, e isso se torna ainda mais real quando você se vê como o responsável por algo dentro de você que pode tomar o controle a qualquer momento. Esse lado sombrio, tanto para o bem quanto para o mal, é um reflexo de algo que a maioria das pessoas possui também: um subconsciente que nem sempre age como o esperado, que não segue lógicas da civilização e que busca, muitas vezes, uma solução mais instintiva do que qualquer outra coisa.

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Muitos heróis conseguem conviver bem com suas identidades secretas, mas alguns outros estão em eterno conflito com suas segundas metades. Conheça alguns desses heróis problemáticos!

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Luis Henrique Franco
7/10/2018
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Muitos heróis conseguem conviver bem com suas identidades secretas, mas alguns outros estão em eterno conflito com suas segundas metades. Conheça alguns desses heróis problemáticos!

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Luis Henrique Franco
7/10/2018

No mundo dos super-heróis, todos aqueles que adquirem poderes tendem a conviver, ao menos durante certo tempo, uma vida dupla: a primeira como os heróis que são, com seus poderes e seu dever de proteger o mundo; e a segunda como seus alter-egos, ou suas identidades secretas, aquelas que eles assumem para poderem viver vidas normais, escondidos em meio a outras pessoas.

Em geral, apesar de apresentarem naturalmente diferenças de comportamento, alter-ego e heróis carregam ideias em comum, até por serem, no fundo, a mesma pessoa. As diferenças entre os dois são apenas algo adotado para reforçar o disfarce do herói. Contudo, muitas vezes as duas versões não são, nem de perto, a mesma pessoa, chegando a divergir e a se confrontar quanto à maneira de agir diante de determinada situação, muitas vezes chegando inclusive a censurarem uns aos outros e tentarem se impedir de agir de acordo com os interesses de cada um.

O que se nota nesse caso é que, ao contrário de um paralelo Bruce Wayne/Batman, que apesar de agirem de forma diferentes, no fundo pensam por igual quanto às suas maneiras de agir, esses heróis apresentam uma divisão interna muito nítida e que não tem a intenção apenas de esconder a real identidade desses heróis, mas representam quase um antagonismo entre as duas identidades. Uma coisa apenas podemos ter certeza: nos casos desses heróis, o conflito entre suas identidades.

Muito além de uma questão de superpoderes, esses heróis exploram uma questão psicológica pelo fato de retratarem algo que está dentro de nós e, ao mesmo tempo, serem opostos ao que desejamos ser, muito parecido com uma ideia de subconsciente que revela muito mais de nós mesmos do que nosso consciente se permite conhecer, ou mesmo deseja. É aquela parte de nós mesmos que se esconde nas sombras e apenas aparece em momentos específicos, e contra ela podemos apenas lutar para dominá-la ou aprender a conviver com ela.

TODOS COM SEU PRÓPRIO MR. HYDE

A ideia de um novo eu, alguém que repudiamos, mas que habita dentro de nós, não é nova. Já no século XIX, R. L. Stevenson havia pensado, em seu mais icônico romance, em criar um brilhante médico, dono de uma mente fantástica e desejoso por fazer o bem e que, em seus estudos, descobre uma maneira de separar o mal de seu corpo de uma vez por todas. Mas, ao fazer isso, ele acaba por criar um ser extremamente maléfico, capaz das piores maldades imagináveis.

O contexto de O Médico e o Monstro e da luta constante entre Henry Jekyll e Edward Hyde aborda talvez muito mais um lado científico extremamente vigente na época de sua escrita, onde já se começavam a vislumbrar soluções lógicas para tudo e muitos se perguntavam se as questões humanas também poderiam ser resolvidas cientificamente. Abordando a maldade como uma questão médica possível de ser manipulada, Stevenson cria um personagem que é capaz de colocar todas as coisas ruins de si mesmo em outro corpo paralelo, mas que acaba, por causa disso, enfraquecendo a si mesmo e, com o passar do tempo, se vê sugado por esse novo corpo até que suas forças estejam em um nível extremamente crítico.

Alguns heróis também exploram esse contexto. O mais famoso deles talvez seja o Hulk, em todas as suas versões já criadas. Famoso por explodir quando está com raiva e se transformar em um monstro verde e destruidor, Bruce Banner trava uma batalha diária contra essa criatura, tentando controla-la para evitar catástrofes e, para isso, deve se manter calmo e evitar as explosões de raiva que liberariam seu outro eu. Mas mesmo todos os treinamentos feitos por ele para manter sua raiva em controle não são suficientes para impedir a criatura ver de surgir nos momentos mais inesperados e, às vezes, inoportunos. O Hulk é a representação mais clássica de um subconsciente perigoso que todos nós podemos ter e não desejamos revelar. É um lado oculto de Bruce Banner que não pode surgir a qualquer momento, mas contra o qual não é possível lutar.

Um outro exemplo de herói cujas identidades estão em constante conflito é Venom. A relação entre Eddie Brock e seu Simbionte não poderia ser mais problemática, visto que o ser espacial é um predador voraz que usa o repórter para sobreviver na Terra e se alimentar das pessoas que nela habitam, ao passo que Eddie tenta controlar esse simbionte para que ele ataque apenas pessoas malvadas. Mas esse controle de Eddie sobre a criatura é completamente imperfeito, e justifica o fato de que tal personagem tenha começado como um vilão e só muito depois tenha se transformado em um questionável Anti-Herói. E mesmo que se tratem, no fundo, de duas criaturas diferentes, o fato de que Venom está intrinsecamente ligado a Eddie faz com que ele atue exatamente como um monstro interno do humano, algo que ele precisa lutar para controlar.

Entre as heroínas, a que melhor expressa essa dualidade problemática é Jean Grey, uma das telepatas mais poderosas do universo mutante, e também uma força destrutiva entre os X-Men. Sua forma original é a de uma companheira leal e amiga, disposta a usar seus poderes para o bem. Sua forma secreta, no entanto, é a da Fênix Negra, uma criatura de imenso poder e extremamente instável, capaz de explodir devido ao acúmulo de sentimentos que alimentam sua carga emocional e ajudam e liberar seu poder. Quase incapaz de ser detida, A Fênix foi aprisionada dentro da mente de Jean pelo poder de Charles Xavier, mas uma vez libertada, traz destruição e morte ao mundo da Marvel. A Fênix propõe a luta mais intensa entre as personalidades, visto que Jean não sabia do poder que continha até este vir à tona e, por causa disso, não sabe bem como enfrenta-lo e controla-lo e, por se tornar tamanha ameaça, acaba morrendo nos quadrinhos originais.

O personagem da DC Comics, Shazam, também poderia ser dito como uma mistura entre duas personalidades, sendo que se trata de uma criança que adquire os poderes de um mago e, ao proferir a palavra “Shazam!”, torna-se um herói adulto com o poder de inúmeras divindades diferentes. No entanto, não se pode dizer que haja um conflito muito grande entre essas duas identidades, uma vez que Billy Batson e o Shazam apresentam pensamentos muito similares sobre os conceitos de certo e errado e de justiça. Agora, se analisarmos, por exemplo, o vilão El Diablo (presente em Esquadrão Suicida), notamos essa tendência novamente aparecendo. Possuído pelo poder de um demônio, Lazarus Lane já usou tal poder de maneira incontrolada para se vingar de membros de uma gangue rival, mas ao perceber que seu poder atingira também pessoas inocentes, travou uma luta consigo mesmo para contê-lo. Essa luta mostra um lado interessante, uma vez que explora a consciência de um vilão, que poderia utilizar tal poder para obter tudo o que desejasse, mas que vê diante de si um poder tão grande que ele se obriga a não usar e a, inclusive, se entregar para a polícia na hora em que tudo dá errado.

O FARDO DE UM ETERNO CONFLITO

Aos heróis acima apresentados, impõe-se um problema gigantesco a se lidar. Diante de uma segunda forma que nem sempre responde por suas ações, é preciso saber como dosar as confusões causadas. “Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”, e isso se torna ainda mais real quando você se vê como o responsável por algo dentro de você que pode tomar o controle a qualquer momento. Esse lado sombrio, tanto para o bem quanto para o mal, é um reflexo de algo que a maioria das pessoas possui também: um subconsciente que nem sempre age como o esperado, que não segue lógicas da civilização e que busca, muitas vezes, uma solução mais instintiva do que qualquer outra coisa.

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