É fantástico como muitas vezes um filme de um estúdio menor pode surgir no clamor popular. Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo rapidamente conquistou o amor do público desde o seu lançamento, se tornando um dos filmes mais bem-sucedidos do ano. Tal sucesso lhe concedeu enorme notoriedade na temporada de premiações, e lhe garantiu onze indicações ao Oscar, o filme com mais indicações do ano. Mas muito mais do que um sucesso popular, o longa é também um trabalho reflexivo e comovente que explora ao máximo sua capacidade de divertir, seja pela comédia bizarra ou pelas suas cenas de ação frenéticas.
No filme, acompanhamos a jornada de Evelyn (Michelle Yeoh), uma senhora que gerencia uma lavanderia ao lado de seu marido, Waymond (Ke Huy Quan). Com uma vida movimentada e agitada, Evelyn precisa lidar com problemas no seu casamento, a dificuldade de se conectar com a filha Joy (Stephanie Hsu) e a dificuldade de apresentar uma situação financeira estável para a agente da Receita Federal Deirdre (Jamie Lee Curtis). E justo quando todos esses problemas parecem prestes a eclodir, Evelyn ainda descobre que está sendo perseguida por uma entidade vinda de uma realidade alternativa, e que possui o poder de saltar entre as diferentes realidades, visitando as diferentes vidas de suas diferentes "eus" ao longo de todo o multiverso.
O filme não demora a se mostrar como uma jornada frenética. A montagem usa cortes rápidos e cenas de ação aceleradas para criar um ritmo intenso desde seus primeiros momentos. Ao espectador desavisado, o ritmo acelerado pode parecer algo difícil de se adaptar a princípio, mas tal proposta condiz com a ideia do filme de sobrecarga e de multiverso. Os saltos entre realidades dão o tom principal dessa ideia caótica, mas o ritmo frenético também pode ser percebido na própria vida de Evelyn e seus muitos afazeres que sempre se tornam mais do que ela pode suportar. Por ter essa conexão essencial com a protagonista, o filme é capaz de fazer o público mergulhar na situação por ela vivida, de forma que tal caos se torna parte essencial que nos faz simpatizar com Evelyn e sua jornada.
Quando a porta do multiverso é aberta, esse aspecto caótico se torna ainda mais presente, conforme os personagens saltam entre diferentes realidades e aprendem a como utilizar as habilidades adquiridas em cada universo a seu favor. A partir desse ponto, o filme consegue utilizar com perfeição o conceito do absurdo para o humor e o aspecto fantástico da trama. A ideia de que, para acessar outra realidade, alguém deve fazer algo que nunca passaria pela sua cabeça fazer, cria situações completamente malucas, que colocam o público em um estado de choque positivo, uma certa descrença cômica, do tipo "não acredito que eles fizeram isso". Seguem-se a isso cenas de ação muito bem coreografadas e dinâmicas, que exploram de maneira excelente o talento de Michelle Yeoh como artista marcial e proporcionam momentos tensos e intrigantes.
Mas por mais incrível que pareça, todo esse furor caótico não torna o filme algo incompreensível ou bagunçado. Na realidade, um dos maiores triunfos de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é a forma como usa o caos ao seu favor, nunca permitindo que ele assuma controle da narrativa. Assim, mesmo que algumas cenas sejam aceleradas e carregadas de elementos, e mesmo que a edição e os cortes sejam rápidos e frenéticos, a trama nunca se torna irreconhecível para o público. O caos se torna um elemento necessário pela própria ideia de multiverso, mas o roteiro nunca permite que ele domine a história, de forma que reconhecemos os universos que Evelyn visita e suas características principais e compreendemos o que acontece no andamento da narrativa. Assim, mesmo que proporcione alguns momentos mais carregados, o caos nunca se torna um empecilho para a compreensão das cenas. Pelo contrário, nos ajuda a compreender a real situação dos personagens.
A mudança entre universos também dá ao elenco o desafio de interpretar variadas versões de seus personagens, mas todos no geral executam esse feito com perfeição. Michelle Yeoh e Ke Huy Quan comandam a história, e as alterações entre suas versões no filme tornam seus personagens mais divertidos e carismáticos. Ke Huy Quan mostra uma exímia perfeição ao retratar tanto o Waymond do universo Alpha, um lutador valente e habilidoso, quanto o do universo Delta, o marido gentil e um pouco abobalhado de Evelyn. Michelle Yeoh, por outro lado, consegue divertir e emocionar ao retratar inúmeras versões diferentes de Evelyn, desde a cozinheira até a atriz premiada, e oferece a cada uma suas próprias características únicas que as diferenciam entre si.
Stephanie Hsu também fornece uma boa atuação com sua personagem niilista e sarcástica, mesmo que não precise alterar entre várias versões de si mesma com muita frequência. Já Jamie Lee Curtis mostra-se incrivelmente entretida com sua personagem, divertindo-se com suas mudanças e suas ações a todo momento e proporcionando uma atuação leve, mas que nem por isso deixa de ser impactante como uma poderosa ameaça aos protagonistas.
O mais impressionante, contudo, é que não só Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo controla seu próprio caos e o torna parte essencial do filme, como também não permite que esse furor e ritmo frenético não distorçam a mensagem mais profunda do longa. Por trás de toda essa ideia de multiverso e lutas e saltos entre realidades, existe uma poderosa história de amor familiar, trauma geracional e a dificuldade que muitas pessoas têm de reconhecer os bons aspectos de sua vida e de demonstrar amor pelos seus próximos. Compreendendo que este é seu tema principal, o filme nunca o deixa escapar de suas mãos, o que torna o feito de controlar o caos ainda mais marcante: no fim, tudo converge para esse aspecto da narrativa e trabalha para aprimorá-la, sempre reforçando-a e tornando-a o elemento mais poderoso da narrativa. Mesmo nas cenas de maior furor e aceleração, o filme reconhece a necessidade de desacelerar para que tal mensagem nunca se perca.
Por tudo isso, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo merece o reconhecimento que ganhou. É um filme com uma mensagem bela e profunda, capaz de fazer qualquer pessoa refletir e pensar sobre sua própria vida e ser assimilada por qualquer um que a assista. E consegue tudo isso sem abdicar de suas cenas malucas e da capacidade de divertir com seus absurdos e cenas genuinamente bem coreografadas e pensadas.
EXPECTATIVAS PARA O OSCAR
Prêmios Indicados: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante (2), Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Canção Original, Melhor Edição, Melhor Figurino
Detentor do maior número de indicações do Oscar desse ano, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo se encontra, ao mesmo tempo, como um favorito na competição e como um filme que deve enfrentar um pesado desafio à sua frente.
Nas categorias de atuação, ao menos dois dos quatro indicados permanecem como possíveis favoritos. Apesar de boas atuações e entregas divertidas ao longo do filme, Stephanie Hsu e Jamie Lee Curtis competem fora do favoritismo, principalmente diante das atuações de Kerry Condon e Angela Bassett, também indicadas ao Oscar. Michelle Yeoh e Ke Huy Quan, por outro lado, ainda carregam um certo favoritismo e podem surpreender na premiação. A derrota de ambos no BAFTA pode pesar contra eles, especialmente contra Michelle, que agora vê o prêmio cada vez mais garantido para Cate Blanchett, mas ambos ainda sustentam-se entre os principais competidores em suas categorias.
Das categorias técnicas, a mais provável é, por incrível que pareça, Edição. Mesmo se valendo de cortes rápidos e uma montagem acelerada, o que muitas vezes é visto com maus olhos, o filme conquista o feito de tornar esse elemento em uma força de sua narrativa, já que a edição frenética combina com o tom do filme sem debilitar sua força narrativa. Mais do que isso, a edição sabe os momentos em que precisa acalmar o ritmo, ditando um tom bastante condizente com o que cada cena demanda.
O figurino do filme se destaca pelas diferenças entre cada universo, mostrando inclusive seus aspectos mais absurdos e divertidos nas roupas aleatórias e caóticas usadas por Stephanie Hsu ao longo da trama. Ainda assim, não é nem de longe o aspecto mais chamativo do filme, e não deve chamar muita atenção contra outros indicados na categoria.
O mesmo pode ser dito de Trilha Sonora e Canção Original. Son Lux faz um excelente trabalho, e a música se enquadra muito bem às cenas e à história, mas não de uma maneira chamativa e marcante, como acontece em Babilônia, por exemplo. "This Is a Life", por outro lado, possui um enorme significado dentro do filme e a letra de Mitski são carregadas de emoção. Certamente é um concorrente a ser destacado, mas que enfrenta uma concorrência marcada pelo provável favoritismo de "Lift Me Up", de Rihanna.
Consagrados com o prêmio do Sindicato de Diretores, Dan Kwan e Daniel Scheinert se tornam francos-favoritos na disputa pelo prêmio de Melhor Direção, desbancando qualquer favoritismo de Steven Spielberg e aumentando ainda mais a diferença em relação aos outros competidores. Tal feito também lhes dá um certo impulso na disputa de Roteiro Original, mesmo que em tal categoria eles devam ter um sério desafio para ultrapassar Os Banshees de Inisherin pelo prêmio. O favoritismo em Melhor Direção e a força do filme em Melhor Roteiro Original acabam, naturalmente, impulsionando Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo como um favorito pelo prêmio de Melhor Filme, o que marca um fator interessante desse Oscar: a força dos filmes independentes.
Com uma condução impecável, uma história marcante e muitas possibilidades diferentes de reflexão e interpretação, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo galgou um forte apoio do público, mas mesmo a mais otimista das pessoas talvez não previsse o embalo que o filme teria na disputa pelas premiações. Uma grata surpresa que a Academia parece se abrir mais para essas obras independentes mostrarem seu valor ao grande público.