Com a personagem tendo sido apresentada logo nos primeiros filmes do universo Marvel, Viúva Negra certamente é um filme cujo projeto já vinha sendo discutido há anos, mas que sempre encontrou barreiras para a sua produção. Fossem os produtores da Marvel que não permitiam o projeto ou o foco em outros setores do universo, o fato é que esse filme foi atrasado além da conta. O resultado é que aqueles que assistem ao novo lançamento da Marvel sentem-se deslocados, levados a um momento do passado que já não tem muita ligação com os acontecimentos do presente.
Mesmo assim, Viúva Negra ainda mostra todo o potencial dos filmes da Marvel e constrói uma história bastante interessante. No enredo, acompanhamos Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) logo após os eventos de Capitão América: Guerra Civil. Fugindo das autoridades, ela agora vive uma vida solitária, sem nunca passar muito tempo em um lugar só e mudando de identidade a todo instante. No meio de sua fuga, porém, ela recebe uma mensagem importante de uma antiga companheira, Yelena Belova (Florence Pugh), que expõe a ela que a Sala Vermelha e seu criador, General Dreykov (Ray Winstone), ainda estão ativos e operando. No intuito de interromper a organização que atormentou o seu passado e salvar a vida das garotas raptadas por Dreykov, Natasha precisará retornar ao seu local de origem e se reunir com antigos conhecidos para lidar com essa ameaça.
Diferente de outros filmes recentes da Marvel, Viúva Negra não faz um apelo grande à comédia. Na realidade, seus momentos cômicos são bastante comedidos e espaçados, abrindo espaço para longas sequências de ação e perseguição. Essa mudança de gênero é condizente com a personagem principal, sempre muito mais voltada à luta corpo-a-corpo, operações secretas e missões sigilosas. Assim, o filme consegue criar uma atmosfera bastante única, mais próxima de Capitão América: O Soldado Invernal e que, portanto, contribui para a imersão do público naquilo que a narrativa se propõe a mostrar.
Nesse contexto, a atuação de Johansson se supera dentre as suas do MCU, apresentando uma personagem mais séria, mas que acaba por se abrir mais ao público enquanto descobrimos sobre o seu passado. Ao longo da trama, sua performance é capaz de nos convencer de seus traumas e nos fazer entender os seus motivos. Soma-se a isso também o fato de que todo o filme gira em torno dela e de seus relacionamentos, levando o espectador a ver muito mais do desenvolvimento interno da protagonista do que normalmente vemos nesse universo.
Em alguns outros aspectos, no entanto, o filme se parece muito mais com uma produção da Fase 2 da Marvel do que com os longas mais recentes. O próprio enredo gira em torno da necessidade de se impedir uma organização secreta de exercer dominação mundial, e tudo no filme parece dividido entre dois lados opostos e que nunca se cruzam. O próprio vilão, Dreykov, não possui aquelas qualidades humanizadoras que vimos em um Thanos ou um Killmonger, mas representa completamente um lado mal que busca controle total e se vale de métodos científicos avançados e de uma natureza fria para conseguir o que quer. Seus pontos positivos são o fato de que ele não tem muita presença no filme, de forma que seu papel não se torna cansativo, e que seus métodos, escondendo-se nas sombras e operando o teatro mundial a partir de agentes infiltrados, o aproximam muito mais de uma HYDRA do que de vilões ruins da Marvel, como Malekith e Kaecilius.
E é justamente por esses elementos que Viúva Negra parece deslocado na linha de produções da Marvel. Mesmo outros filmes que se voltaram para o passado, como Capitã Marvel, apresentaram elos que os conectavam com os acontecimentos do Universo Marvel no presente. Se Viúva Negra tivesse sido lançado logo após Guerra Civil, ou mesmo em algum ponto no meio da Fase 3, talvez o público não estranhasse tanto sua inclusão ao universo. Estreando no momento em que estreou, o filme parece apenas uma homenagem à icônica vingadora (e certamente funciona dessa maneira), e não traz muito mais de novo à história como um todo.
Ainda assim, existem elementos muito positivos no longa. Seu principal aspecto é que, mesmo estando recheado de cenas de ação a todo instante, o enredo ainda encontra espaço para desenvolver muito bem sua protagonista e explicar seus traumas, dos quais sempre ouvimos falar, mas que até então não haviam sido mostrados. Seus relacionamentos com os novos personagens também são complexos e constituem o melhor arco do filme. E os próprios personagens são, na maior parte do tempo, muito bem construídos e explorados, especialmente Yelena, que nutre uma relação de amor e de competição com Natasha e possui cenas comoventes em contraste com momentos de luta bastante violentos e agressivos. Florence Pugh mostra que consegue lidar bem com sequências explosivas e se prova uma excelente adição ao MCU.
Entre os outros personagens, vale uma citação honrosa a Melina que traz toda a experiência da atriz Rachel Weisz e se torna uma personagem bastante cativante, na qual existe um conflito interno muito forte entre seu amor por Natasha, a quem ela criou como uma filha, e sua lealdade à Sala Vermelha. David Harbour também não faz feio como o Guardião Vermelho, mas seu personagem é muito mal explorado. Ligado à Guerra Fria, ele possuía um bom potencial a partir da sua história de nunca ter sido bem aproveitado como herói soviético e seu desejo de reviver os dias de glória, mas tudo isso é jogado de lado para dar lugar a um alívio cômico completamente desnecessário e irritante.
Quanto ao Treinador, podemos dizer que cumpre o seu papel. Sua ideia é bastante interessante e constitui uma ameaça real na trama por sua habilidade de copiar todos aqueles que ele vê lutando. Sua ligação com o passado de Natasha e o conflito que se estabelece entre ambos por conta dessa revelação é também bem construída. O problema maior é talvez o fato de que justamente, por ser o principal opositor a dar conflito à heroína durante a trama, o Treinador não é tão utilizado no filme quanto poderia.
Somando-se tudo, Viúva Negra é uma experiência agradável para o público por não ficar preso somente à ideia de uma história de origem e se dedicar a explorar mais os seus personagens e o convívio entre eles, fazendo do conflito pessoal e interno o seu principal aspecto explorado e sacrificando um pouco do desenvolvimento da trama externa em prol desse desenvolvimento. Ainda assim, é um filme deslocado dentro do MCU. Para aqueles que assistem ao Universo na ordem cronológica dos fatos, talvez esse deslocamento não pese tanto. Mas ainda assim é muito destoante ver um universo que se desenvolveu tanto de uma certa maneira dar tantos passos para trás por causa de um filme que deveria ter sido lançado anos atrás.